Jean Pierre Chauvin é professor de Cultura e Literatura Brasileira da Escola de Comunicações e Artes e ex-secretário do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências, ambos da Uuiversidade de São Paulo (USP)
Em 9 de novembro aconteceu na USP um evento marcante: a outorga do título de Professor Emérito, concedida pelo Instituto de Biociências da USP, a Sérgio Antônio Vanin. Para minha grata surpresa, o local onde aconteceu a cerimônia (até hoje conhecido como “Anfiteatro da Zoologia”) passou a ser identificado pelo nome do homenageado.
Conheci o professor Vanin em junho de 1997, ano de meu ingresso no Departamento de Zoologia, como secretário. Mantive excelente relação com ele até minha saída do posto, para assumir aulas no Colégio da Polícia Militar, em janeiro de 2007.
Durante aqueles nove anos, concluí a graduação em Letras-Português (1998), cursei a Licenciatura em Letras (2000). Também desenvolvi as pesquisas de Mestrado (2002) e Doutorado (2006), ambos em Teoria Literária e Literatura Comparada.
Afora os conhecimentos relacionados à rotina administrativa, julgo ter aprendido um pouco mais sobre a conduta das pessoas. E nisso, o convívio com Sérgio Antônio Vanin me marcou profunda e definitivamente.
De quantas dimensões se compõe um homem? Será difícil mensurar. No caso em questão, a resposta seria ainda mais ociosa e difícil de lograr. Por isso (e também porque o espaço seria pouco) recorro a três facetas do mestre.
A primeira visão que tive de Vanin foi como professor. Esta impressão se limitava, basicamente, à perspectiva de quem está detrás do balcão de atendimento. Lembro-me bem de como ele se aproximou da seção. Apesar da voz potente, habituado a projetá-la no ofício de professor, modulava-a, de maneira a soar em volume baixo, o que traduzia o modo terno como se relacionava conosco.
Durante a cerimônia realizada mês passado, essas impressões sobre o “Professor” Vanin foram reiteradas por seus antigos orientandos de pós-graduação Pedro Gnaspini Netto e Ricardo Pinto da Rocha, professores do departamento. Os seus relatos, somados ao do diretor do IB, Gilberto Fernando Xavier, enfatizaram a ponderação dos atos, a grande sabedoria, o respeito às divergências, a doçura e a disponibilidade que sempre demonstrou para com os alunos, os funcionários e colegas de sala, em qualquer circunstância.
Invoco esses depoimentos, não apenas por mera questão de estilo, mas para referendar os atributos do homenageado. Eles também me levam a considerar a segunda dimensão sobre o homem. Aqui faço menção ao trabalho que ele prestou, durante décadas, para a comunidade externa à Universidade: identificar insetos, auxiliar na profilaxia às pragas e explicar os hábitos dos pequenos animais.
Três dimensões não dão conta do que ele [Vanin] é. Haveria que mencionar a qualidade do ‘homem’, para além de sua trajetória acadêmica de quarenta e um anos. Aqui entrariam anedotas e outras vivências que tive o privilégio de compartilhar.
Eu mesmo recorri a ele, para identificar a pata (que, graças a ele, vim a saber ser) de uma abelha, encontrada num pacote de cereais. Nesta ocasião, conversei com o Vanin “pesquisador”, em seu gabinete no Departamento de Zoologia. Sentamo-nos e proseamos tranquilamente.
Recordo-me de ter deixado a sala aliviado, por saber que as abelhas são insetos reconhecidos por sua higiene; e impressionado com a lição que acabara de aprender. Didática de um mestre acostumado a compartilhar conhecimento e divulgar ciência.
A terceira dimensão que, acredito, representa algum interesse, envolve o meu relacionamento mais próximo de Sérgio Antônio Vanin. Isso aconteceu quando ele assumiu a chefia do Departamento de Zoologia, durante dois mandatos, entre 1999 e 2003.
Nas várias ocasiões em que secretariei reuniões do Conselho, despachamos documentos ou dialogamos sobre assuntos extraprofissionais, as qualidades que eu apenas intuía, adquiriram maior forma e consistência.
Enquanto ele foi chefe da Zoologia, evidenciou-se a sua habilidade em nos trazer mensagens de ânimo, apaziguar eventuais conflitos entre os funcionários e a capacidade de nos tranquilizar, graças à energia e tranquilidade com que deslindou problemas, de maior e menor importância, relacionados à gestão do departamento.
Fazia dez anos que eu não percorria as ruas e prédios do Instituto de Biociências. Era inevitável sentir alguma nostalgia, enquanto almoçava na lanchonete da “Tia Sônia”, no Centro Acadêmico, e lia outro tanto de Habermas, num dos bancos de cimento no jardim.
Como era de se esperar, reencontrei muitos e bons amigos de lá. E quando o homenageado chegou, de longe acenou efusivamente em minha direção. Abraçamo-nos. Assisti à bela e merecida homenagem, preparada por seus amigos. Cumprimentamo-nos, logo após o seu discurso.
Por fim, quando eu deixava apressado o coquetel (realizado no Prédio da Administração do IB), reencontramo-nos pela terceira vez. E então ele sentenciou, em tom de gracejo paternal: “Vida de professor é isso aí”.
Como disse, três dimensões não dão conta do que ele é. Haveria que mencionar a qualidade do “homem”, para além de sua trajetória acadêmica de quarenta e um anos. Aqui entrariam anedotas e outras vivências que tive o privilégio de compartilhar.
Mas já falei demasiado e suspeito que, em sua humildade, o homenageado não apreciaria que o texto soasse bajulatório. Por isso, reproduzo o que dizia a última tela da apresentação no anfiteatro onde ele defendeu o mestrado e o doutorado, lecionou para grandes turmas e participou de numerosas bancas: “Obrigado, Sérgio Antônio Vanin!”.