Sexta, 22 Novembro 2024

Marcia Tiburi é mestra e doutora em Filosofia e artista plástica

É impressionante a facilidade com que a ética é apagada no contexto das crises políticas e econômicas, judiciárias e midiáticas. Há muito tempo deixamos de falar em ética e, justamente no momento em que parece tão necessária, ela anda completamente sumida. Silenciamentos demonstram naturalizações. E certamente eles significam mais do que desinteresse.

Ética já era um significante vazio há certo tempo, uma espécie de palavra mágica que causava efeitos discursivos. Falar em ética imediatamente sugeria um “ser” ético do enunciador. É que para o senso comum, acostumado à literalidade, ou seja, a acreditar no nexo entre a palavra e a coisa, ética era apenas um marcador de lugar do próprio falante e, quando muito, uma exigência que se fazia a um outro a quem ela faltasse como postura. Apenas nos âmbitos especializados se tratava da ética em seu sentido mais complexo como ciência do agir humano, como questionamento da moral ou construção da subjetividade voltada ao espírito.

O problema que ainda está em jogo é justamente o que podemos chamar de “mistério da literalidade”. Nos momentos históricos em que a compreensão coletiva se entrega ao literal, como acontece atualmente, quando se leem as palavras sem que se pense nos jogos de linguagem dos quais fazem parte, nossa capacidade de percepção corre riscos – e com ela o que somos capazes de formular e de expor em termos de teorias ou de visões sobre o mundo.

Ética, essa palavra abandonada, é um significante vazio que tem uma função relacionada ao espírito de uma época. Em tempos de construção ou quando a estabilidade é a meta, usam-se significantes com função positiva. Em tempos em que o espírito é de destruição, usam-se palavras com uma função negativa. Por isso, atualmente, o termo corrupção entrou em cena substituindo a questão da ética. Neste momento em que o espírito de destruição próprio ao neoliberalismo entra em cena, o papel mágico cabe a um termo negativo.

O espírito do tempo é uma construção coletiva e totalmente manipulável, como sabem aqueles que trabalham com os meios de produção da linguagem. Não será útil aos jogos de poder em cena que voltemos a falar de ética. Milhões de pessoas devem permanecer inconscientes quanto ao fato de que foram reduzidas a peças de um jogo, cujas regras são igualmente incapazes de conhecer e, portanto, evidentemente incapazes de alterar ou até mesmo de jogar como participantes ativos. Todos somos vítimas de jogos de linguagem e o único jeito de escapar deles é pela reflexão atenta. Mas esta não está na moda.

O espírito de manipulação é próprio da sociedade capitalista em seu estágio atual. Manipular é o verbo que se faz carne nas pessoas físicas e jurídicas de nosso tempo. Manipular significa agir pelos mais diversos meios, para reduzir pessoas a objetos. Todas as vezes em que usamos pessoas como meios e não como fins – sejam fiéis, sejam eleitores, sejam telespectadores ou leitores – estamos transformando as pessoas em coisas. Em tempos de naturalização da manipulação, voltar a evocar a ética é o ato de inocência que nos falta para alterar o rumo da história.

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*Todo o conteúdo contido neste artigo é de responsabilidade de seu autor, não passa por filtros e não reflete necessariamente a posição editorial do Portogente.

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