Não é por acaso que o sistema portuário brasileiro vive à beira de um colapso. Além do orçamento apertado da União, até 70% das receitas tarifárias das Companhias Docas - estatais que administram os portos - são abocanhadas por um passivo trabalhista que está longe de ter fim. São mais de 6 mil ações contra as empresas, que somam cerca de R$ 750 milhões.
O valor compromete a capacidade das empresas de fazer melhorias na infra-estrutura portuária e causa enormes prejuízos ao País. A situação é tão grave que o Ministério dos Transportes vai contratar uma empresa de consultoria para analisar a situação dos portos e fazer um estudo de um novo modelo de gestão do sistema portuário.
“Não adianta só resolver o passivo trabalhista com aportes de recursos da União. Precisamos saber onde mora o problema. Se há tantas reclamações de funcionários em relação à administradora é porque algo está errado, há um problema de gestão”, avalia o o diretor do Departamento de Programas de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes, Paulo de Tarso.
No ano passado, a Câmara dos Deputados preparou um relatório com base em dados enviados pelas oito Companhias Docas (Bahia, Pará, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Maranhão, Rio de Janeiro, Ceará e São Paulo) ao Ministério dos Transportes, detalhando todas as dívidas trabalhistas. O resultado é assustador.
Entre as empresas controladas pelo governo federal, apenas a do Maranhão não tem passivos trabalhistas. Nas demais, a Justiça faz o bloqueio mensal de parte das receitas para honrar os processos julgados. Em alguns casos, a União tem de aportar recursos para que as companhias paguem as contas.
O MAIS PROBLEMÁTICO
Não por acaso, a situação mais caótica é a da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), que administra o Porto de Santos, o maior da América Latina, com 75 milhões de toneladas movimentadas por ano.
A Codesp tem 1.369 funcionários e cerca de 4 mil ações trabalhistas, que somam R$ 205 milhões. O problema é que esses números não param de crescer, diz o diretor financeiro da Codesp, Mauro Marques. A empresa já foi condenada e fez acordos de R$ 70 milhões, pagos regularmente. Além disso, há outros R$ 135 milhões para processos ainda na Justiça, mas já considerados perdidos.
Segundo Marques, cerca de 70% da receita mensal é consumida com acordos trabalhistas. Isso, quando a Justiça não bloqueia as receitas da empresa. O executivo afirma que, em Santos, tudo é motivo de entrar na Justiça. “A história começou com os próprios advogados das Docas, que ganharam cerca de R$ 5 milhões numa ação reivindicando horas extras.”
O acordo rendeu um pedido de explicação da Controladoria Geral da União (CGU). O órgão queria saber por que a Codesp aceitou o acordo, considerado tão “antieconômico” para a empresa, e por que concedeu estabilidade aos advogados. Além disso, pediu informações sobre outros processos. “Hoje, os advogados preparam outra ação contra a Codesp”, diz Mauro Marques. Quase todos os funcionários que entraram na Justiça continuam na companhia. “Há também o caso de uma escriturária que recebeu autorização da superintendência jurídica para atuar como advogada do porto. Depois, ela entrou na Justiça por desvio de função.”
Na Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), o passivo trabalhista também traz enormes prejuízos. A conta já chega a R$ 300 milhões, sendo boa parte do valor referente ao período de extinção da Portobrás e da Companhia Brasileira de Dragagem. Apesar do elevado crescimento do faturamento do porto (70% em 2006), as ações trabalhistas comprometem o potencial de investimento da empresa. Assim como as demais Docas, a CDRJ já teve o bloqueio total de suas receitas para quitar ações trabalhistas.
Hoje, o orçamento da União para os terminais é definido apenas para alguns investimentos. Se as empresas não gastassem tanto com ações trabalhistas, poderiam usar o dinheiro arrecadado com tarifas cobradas dos terminais para fazer melhorias de acesso terrestre e até marítimo. Mas, sozinhas, elas não são economicamente sustentáveis. Na Codern (do Rio Grande do Norte), a administração tenta há anos aumentar o calado de 10 para 12,5 metros - planos prejudicados especialmente pelo passivo trabalhista de R$ 20 milhões.
Fonte: O Estado de S.Paulo - 12 FEV 07