Quinta, 28 Março 2024

Her, ou Ela, é um filme intimista, quase um autoconhecimento ou uma terapia individual. Nossos monólogos travestidos de diálogos. Emudecemos todos. Num tempo não muito distante, e à frente, numa cidade clean e pessoas idem, homens e mulheres estranham ou anulam passados e reescrevem presentes, sem a ideia de futuro. Na película de Spike Jonze, ele evapora. Homens e mulheres andam pelas ruas falando sozinhos. A palavra não para o outro, mas para si mesmo. Todos autorretratos falados. Buscam uns aos outros, todavia não se encontram tão abduzidos estão pela conectividade ou por uma realidade fora da realidade. (Um parêntesis: menção honrosa para a trilha sonora de Arcade Fire

Humanos que se aproximam da máquina, ou por ela se apaixonam, para fugir do seu próprio destino, do seu próprio passado. A fuga é compartilhada pelo protagonista Theodore, magistralmente interpretado por Joaquin Phoenix: “O passado é uma história que contamos a nós mesmos.” Ou, num tempo e numa terra não muito distantes, é passado a limpo por um sistema operacional (SO). Simples assim. E um medo ou baixa-estima é superado pelo hardware, que “encontra” o editor certo para um livro que o próprio autor desacredita.

Evolução humana

Apesar disso, o homem não chegou ao paraíso. A parafernália comunicacional, a pretexto de ser a solução definitiva dos problemas da humanidade, apenas, tal qual o cenário de fundo do filme, “neblina” a nossa própria visão, nos confunde. Esfumaça o horizonte. Por isso, grandiosa a cena final de “Her”. Como num grito de rendição, dois sobreviventes sentam lado a lado, em afeto humano e original, e olham o horizonte, que dá o sentido de esperança, de que tudo ainda pode ser diferente. Quem sabe.

Jonze talvez especule outro tipo de “assim caminha a humanidade”. Por isso, ao acompanhar o drama de Theodore viramos ou somos um pouco seu reflexo. Tão primitivos em lidar com nossas emoções mais intrínsecas, a despeito de nos cercarmos, e sermos cercados, pelas evoluções tecnológicas. Incorporamos ou intimizamos a máquina. Ela já não está na nossa mão apenas. Carregamo-la junto ao peito e dentro do ouvido. Não somos mais uma voz, somos duas. Ou várias.

Duplo comando que faz Theodore ter a ilusão de estar superando a própria máquina e “humanizando” o seu SO, ou Samantha – na voz de Scarlett Johansson. Uma espécie de HAL9000 do filme de Stanley Kubrick em “2001: uma odisseia no espaço” dos tempos atuais? Talvez um clichê, mas sua solidão anulou a sua própria consciência, e deu “asas” à inteligência artificial.

Her chuveiroPersonagem de Phoenix se reencontra sem a máquina

Não é apenas Theodore que se engana. O espectador é levado a acreditar, também, na humanização da máquina. Torce, inclusive, para um final feliz entre os dois personagens, que é apenas um. Ou, quem sabe, para que o SO de Theodore tenha um corpo, e se transforme num verdadeiro milagre das novas tecnologias. Fruto do nosso nonsense contemporâneo – onde tudo é possível e, por isso, nos tornamos ainda mais frágeis – também acreditamos que a voz não seja apenas a combinação de logaritmos ou que não faça parte tão somente de um programa de hardware. Seria a fábula dos tempos modernos?

Na insensatez do esquecer o entorno, de se tornar uma individualidade, homens e mulheres não se dão conta que fazem as mesmas coisas, se repetem, se enganam. Todos ao mesmo tempo. Basta parar e olhar em volta para perceber o conjunto. Triste realidade que “aparece” aos olhos de Theodore na escadaria de um metrô qualquer, de uma cidade qualquer, depois de sair de quase um “transe” – uma ruptura provocada pela verdade que sempre esteve ao alcance das suas mãos, dos seus olhos e da sua inteligência (mas nem todos vão alcançar a sabedoria). Ou melhor, uma verdade que sempre esteve lá e que se mostra quando ele simplesmente faz as perguntas certas para o SO, ou “sua” Samantha, quando ele usa a própria inteligência, superando a máquina. A resposta é exata, matemática.

As reflexões provocadas a partir de um roteiro espetacular – a força do filme! – devem nos instigar a pensar e repensar os caminhos trilhados por nós nesses tempos de alta conectividade e redes sociais e, ao mesmo tempo, de isolamento, desafeto, intolerância, solidão, estranhamento, superficialidade, distanciamento, individualismo. De simulação, principalmente. Onde confundimos evolução tecnológica com evolução humana. Tempo em que não nos reconhecemos mais uns nos outros, porque esquecemos de nos olhar, de nos tocar, porque foi, é e será sempre difícil a relação humana, principalmente aquela que começa com nós mesmos.

Her mostra o mundo atual, fortemente marcado pela constante apresentação de novos “milagres” produzidos pelas inovações tecnológicas. O sistema aparece como tendo uma capacidade infinita de resolver problemas humanos pela “criatividade” que suscita. Mas as máquinas não estão na linha do horizonte. Lá ainda podemos ver o crepúsculo ou o pôr do sol. E contarmos com o calor humano. O que faz toda a diferença.

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