Os opositores da proposta do Ministério da Educação demonstram crer piamente em um componente “mágico” dos kits: basta ver relações homossexuais que as nossas criancinhas vão mudar de orientação e se transformar em pervertidos. Ok, como se isso fosse possível.
Repercutiu mais do que deveria. O kit de combate à discriminação sexual, proposta lançada pelo Ministério da Educação, gerou uma polêmica gigantesca, que ultrapassou as fronteiras da decisão administrativa, atingindo o cerne da democracia brasileira. Até a presidente Dilma fez uma declaração decepcionante, mas que expõe como a sociedade ainda convive com dilemas e posicionamentos arcaicos.
Ultimamente, a questão tem ganhado destaque nas discussões, principalmente depois da decisão do STF; do beijo lésbico no SBT, do beijaço gay em Belém, Marinor x Bolsonaro. A movimentação mais recente, no entanto, foi com relação ao tal kit. O que foram aquelas matérias da Record, minha gente? Mais tendencioso que aquilo, só a concorrente em 1989.
O que acontece é que é fácil os opositores confundirem a população com um discurso que menos esclarece do que apavora. Vamos analisar a questão com mais calma e de modo racional, sem levar em conta crenças e religiões.
Em primeiro lugar,precisamos entender qual o real objetivo do Ministério da Educação. Criar polêmica? Gastar dinheiro com bobagem? Transformar a população brasileira em uma multidão de gays e lésbicas? Duvido muito disso. Provavelmente a ideia era criar um material de apoio para que os professores pudessem colocar um assunto tão delicado, quase um tabu, em discussão com os estudantes. A proposta é educar na época em que as pessoas estão mais abertas a aceitarem ideias diferentes, encarando como algo natural o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo.
A meta do kit não é incentivar que crianças e adolescentes mudem de orientação sexual, até porque isso NÃO É POSSÍVEL.Não existe mágica que faça um gay virar hetero nem o contrário. Você pode até fingir muito bem, mas não dá para influenciar alguém a mudar a orientação sexual. A prova disso é que durante toda a história humana, quando existia um preconceito muito maior com homossexuais e era proibido falar sobre o assunto, eles continuaram existindo. Mesmo com toda a propaganda pró-hetero da cultura ocidental, livros, filmes, poesias, músicas, tudo exaltando o amor hetero, ainda existem homos. Como explica?
Mas qual a importância de que crianças aprendam a respeitar homossexuais? Não é só porque o MEC acha bonitinho. É uma questão de educar o respeito à Constituição brasileira:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Instigar a homofobia é instigar a violência, intolerância e uma atitude inconstitucional. Um kit desses teria o mesmo objetivo que um kit anti-racismo. Tenho certeza que ninguém acha que as crianças vão querer ser negras quando virem vídeos que mostram os negros como pessoais dignas e tão importantes/bonitas/inteligentes quanto as brancas. Elas vão simplesmente respeitar, encarar o diferente como algo natural. É deveras um absurdo um país laico se escandalizar com um kit desses.
Hipocrisia nossa de cada dia
Um argumento é de que nossas crianças são puras e ainda estão formando sua sexualidade, não podendo ser expostas a imagens desse tipo. Mas vamos à realidade: muitas crianças assistem às novelas da Globo, por exemplo, e ninguém acha um escândalo. Por que imagens de heteros fazendo sexo podem e de homos se BEIJANDO não? Qual é desse tabu?
Bundas e bundas no Carnaval. Lembrando que não tem problema as crianças serem expostas a peitos femininos, desde que seja um menino.
Ok, acho que todo mundo tem o direito de ter a opinião: “Não acho que isso seja moralmente certo” ou “Minha religião não concorda com isso”. Você é livre para pensar assim, mas lembre-se: o Brasil é um país laico e opiniões religiosas nunca poderão ser a base para uma lei no país. O segredo é respeitar. Que tal ter pitis quando o governo divulga o número de pessoas que vivem na miséria no país? Lei e religião, nesse caso, andam de mãos dadas e é muito mais importante se indignar com esse tipo de absurdo. Se você acha que a Constituição tem que mudar, mude-se você para qualquer país teocrático e sinta a pré-modernidade na veia.
Não podemos sentir medo ou nos apavorar. Precipitação sobre o assunto só vão levar a bate-bocas inúteis. A verdadeira discussão está em analisar o caso de modo racional.
Por que odiar gays? O que eles fazem de tão ruim para a sociedade? Os homens heteros, que geralmente são os que praticam esse tipo de violência contra gays, deveriam era comemorar, já que sobra mais mulher no “mercado”. Se esse não é o seu interesse, que tal voltar toda sua raiva reprimida para questões muito piores, como a violência que aumenta nas grandes metrópoles? Que tal se escandalizar com as páginas ensagüentadas dos jornais ao invés do beijo gay na TV?
A própria Igreja erra ao não medir esforços no combate à homossexualidade e ao mesmo tempo, por outro lado, ficar omissa em ações como “malhação de judas”, que nada mais é do que violência gratuita. Os homens se tornam animais, contrariando todos os ensinamentos de Jesus de respeito e perdão. Não é muito pior do que duas pessoas do mesmo sexo se beijando?
Fonte: Jornal Sanitário