Sábado, 18 Janeiro 2025

O dia 28 de novembro de 2010 ficou conhecido como "o 11 de setembro diplomático" na imprensa norte-americana. Foi nesta data que o site WikiLeaks começou a revelar mais de 251 mil documentos diplomáticos secretos dos Estados Unidos, deixando nua a política externa da maior potência do mundo.

O WikiLeaks foi criado pelo australiano Julian Assange, 39 anos, em julho de 2007, e, desde então, faz o que o seu fundador chama de "vazamento com princípios". O site, que é mantido por donativos, já abrigou mais de um milhão de documentos, desde o manual da prisão de Guantánamo até a lista de filiados do Partido Nacional britânico, de extrema-direita. "Queremos três coisas: libertar a imprensa, revelar os abusos e salvaguardar documentos históricos", explica Assange.

O primeira revelação de alto impacto feita pelo WikiLeaks foi em novembro de 2009, quando o site publicou e-mails de cientistas que evidenciariam uma manipulação dos dados da Organização das Nações Unidas (ONU) para exagerar os efeitos do aquecimento global.

Em abril deste ano, o site voltou às manchetes de todo o mundo quando publicou um vídeo de 2007 que mostra um helicóptero dos Estados Unidos disparando contra um grupo de civis em Bagdá, no Iraque, entre eles dois repórteres da agência de notícias Reuters, que morreram. Também este ano, o WikiLeaks revelou casos de tortura nas prisões iraquianas e críticas dos próprios militares americanos à guerra do Afeganistão.

No entanto, os documentos mais polêmicos foram divulgados no fim do mês passado. Entre outras informações constrangedoras e até perigosas, os chamados cabos publicados - telegramas confidenciais trocados entre embaixadas norte-americanas e o Departamento de Estado do país, chefiado por Hillary Clinton - mostram que os Estados Unidos orientaram os seus diplomatas a espionar as autoridades da (ONU). Hillary pediu dados pessoais, como o número do cartão de crédito e e-mail, até do secretário-geral do órgão, Ban Ki-moon.

Brasil

Os relatórios tratam de temas delicados que causaram mal-estar diplomático. Um deles, por exemplo, mostra que o rei Abdullah, da Arábia Saudita, pediu para os Estados Unidos atacarem o Irã para destruir o programa nuclear do país.

Vários documentos citam o Brasil. Os telegramas afirmam que o País disfarça a prisão de terroristas em seu território, investiga 23 brasileiros suspeitos de ligação com grupos extremistas do Irã e teme ser atacado durante as Olimpíadas de 2016. Além disso, o Itamaraty é visto como "um rival antiamericano". Alguns lugares do Brasil - inclusive Fortaleza - são citados em uma lista de interesses estratégicos norte-americanos como "vitais" para a segurança dos Estados Unidos.

Inicialmente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, classificou de "insignificantes" os vazamentos e afirmou que os "Estados Unidos fazem o que todo mundo faz". Depois, Lula mudou o tom e considerou "gravíssimas" as informações que "maculam o comportamento do governo americano no mundo".

Ironias

Alguns relatórios fazem revelações pessoais sobre os chefes de Estados em tom irônico. Hillary teria demonstrado preocupação com a saúde mental da presidente argentina, Cristina Kirchner, que é descrita como "nervosa, pouco tolerante e submissa ao marido", o falecido ex-presidente Néstor Kirchner. A divulgação fez Hillary telefonar para Cristina para se desculpar e prestar explicações.

Outro que é visto como um líder obediente é o russo Dmitri Medvedev, que seria "apenas o Robin do Batman, o primeiro-ministro Vladimir Putin".

O polêmico presidente venezuelano, Hugo Chávez, é chamado de "louco" e estaria transformando o seu país em um "novo Zimbábue". "Nem mesmo o Brasil deveria apoiá-lo", afirma o telegrama.

Já o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, é considerado "um líder europeu ineficaz e irresponsável", que não descansa apropriadamente devido às "festas selvagens" que oferece até tarde da madrugada.

Para Hillary Clinton, a divulgação foi "um ataque não apenas contra os Estados Unidos, mas contra a comunidade internacional". Os diplomatas que foram citados nos relatórios divulgados devem ser transferidos, pois, segundo o governo americano, alguns correm até risco de morte. Os funcionários também foram orientados a escrever somente o essencial nos telegramas enviados.

O procurador-geral e secretário de Justiça, Eric Holder, anunciou "ações significativas" na investigação sobre os vazamentos, mas não deu detalhes.

PIVÔ DOS DISTÚRBIOS

Julian Assange: o inimigo número dois

Herói para alguns e criminoso irresponsável para outros, o australiano Julian Assange, 39 anos, fundador do WikiLeaks, se diz um "profeta da transparência", mas pouco se sabe sobre sua vida. Atualmente, o inimigo número dois dos Estados Unidos, atrás apenas do terrorista Osama Bin Laden.

Antes de ser preso na semana passada por estupro, Assange vivia saltando de país em país, abrigando-se na casa de amigos ou apoiadores, trocando de número de celular várias vezes por dia, assim como a cor do cabelo.

Na adolescência, o criador do WikiLeaks destacou-se como hacker até ser descoberto pela Polícia de Melbourne. Para escapar, pagou uma multa e jurou que manteria boa conduta. O hacker arrependido foi depois "conselheiro de segurança, fundador de uma das primeiras companhias de serviços de informática da Austrália, assessor tecnológico, repórter e coautor de um livro", segundo ele próprio.

Em agosto, durante uma passagem pela Suécia, duas mulheres o acusaram de estupro e assédio sexual. Ele nega e diz que os relacionamentos foram consensuais. Assange foi preso pelas acusações na semana passada no Reino Unido, e luta para não ser extraditado para a Suécia. Para o fundador do WikiLeaks, as suspeitas são parte de uma campanha de calúnias.

O INFORMANTE

Arquivos eram gravados em um CD de Lady Gaga

"Se você tivesse acesso a redes confidenciais durante 14 horas por dia, sete dias por semana durante mais de oito meses, o que faria?", perguntou o ex-analista de inteligência do Exército, Bradley Manning, 23, ao seu colega Adrian Lambo. Em seguida, ele próprio respondeu: "Coisas incríveis, coisas horrorosas devem ser de domínio público".

Manning, que foi delatado por Lambo, é o autor do roubo dos 251 mil documentos. Ele está preso desde maio. O militar tinha acesso a duas redes confidenciais. "Chegava com um CD de Lady Gaga, apagava as músicas e gravava os arquivos. Movimentava os lábios no ritmo da música ´Telephone´, enquanto preparava o maior vazamento da história", contou.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Anarquia, imprensa e Internet

Julian Assange já entrou para a história. A primeira grande anarquia realmente revolucionária na rede veio de alguém que decidiu desmoralizar o jogo hipócrita que rege as relações diplomáticas internacionais. Desnudou os segredos dos jogos de poder. Em consequência, o governo americano se engajou numa campanha frenética para "calar" Assange. É extraordinário o efeito WikiLeaks! Pelo menos duas reflexões que vão além à questão dos conteúdos liberados pelo site se impõem. Primeiro, vale se perguntar: até que ponto WikiLeaks é imprensa? O site é um mero lançador de furos. Consegue informações importantes de fontes privilegiadas e as publica. Além disso, a última leva de documentos com informações que vazaram tiveram, antes de serem divulgadas, uma análise da imprensa de mais alto nível. O segundo aspecto que vale ressalva é sobre o poder que um País, em particular os EUA, terá sobre a rede. A tentação da censura existe, mas a teia tem sua vida própria e formas de se defender. Difícil bloquear WikiLeaks. Acho interessante a analogia com uma caixa-d´água com vazamento. Tenta-se tapar um vazamento, mas outros aparecem. Apoiadores do site não param de aparecer e WikiLeaks já está disponível em mais de 200 sites distribuídos no mundo. Haja bombeiro.

Vasco Furtado
Doutor em Inteligência Artificial

Fonte: Diário do Nordeste

Curta, comente e compartilhe!
Pin It
0
0
0
s2sdefault
powered by social2s

topo oms2

Deixe sua opinião! Comente!