Recebi, em meu e-mail, uma carta crítica quanto à generalização que fiz de que a religiosidade é um terreno da direita. O debate é muito importante. Não há como se pensar a afirmação de uma nova hegemonia no Brasil sem repensar a religiosidade do povo, a sua incorporação no novo Brasil e no projeto de nação que estamos construindo.
O autor solicitou ser mantido em off, assim que publico apenas trechos:
“Olá, Paulo Cezar.
“Li com alegria o seu artigo “Eleição de Dilma é a maior vitória do lulismo no Brasil”… Apenas penso que você generalizou quando usou a expressão religiosidade para dizer que isso é terreno da direita.
“No Brasil a religiosidade é terreno da esquerda (graças a Deus). Se há alguns que se usam dela para o conservadorismo e a direita, há outras, e mais, que ajudaram muito no Lulismo, especialmente no resgate da cidadania dos mais pobres.
“Paulo Cezar, não entenda como crítica, mas apenas um complemento ao seu artigo.
“Um abraço.”
A manifestação tem origem em meu artigo anterior, de balanço das eleições. Lá escrevi: “Temendo ser invadida em seus espaços de atuação e apoio eleitoral (o que já vinha ocorrendo com os mais de 80% de aprovação de Lula), a direita se viu obrigada a, pela primeira vez, defender-se em seu próprio terreno. O terreno do preconceito. Do conservadorismo. Da “ética”. Da religiosidade e da hipocrisia na questão do aborto….”
A religião e a esquerda – De fato, a generalização feita não está correta. A religiosidade como um todo não é um terreno da direita. Há diversos e importantes setores religiosos, na Igreja Católica e em outras religiões, que se coadunam com princípios e preocupações de esquerda. Não tenho acompanhado as mudanças que vem ocorrendo na religiosidade do povo, mas correntes como a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, por exemplo, foram fundamentais para a construção do Brasil que temos hoje. Tiveram papel decisivo nos primeiros passos do PT e dos movimentos sociais em todo o país.
Por outro lado, talvez porque eu tenha inflexionado num sentido, também não posso me colocar de acordo quando a carta diz “No Brasil a religiosidade é terreno da esquerda (graças a Deus).” Faltou, nesta correção, a afirmação de que a religiosidade TAMBÉM é terreno da esquerda no Brasil.
Religião sem hipocrisia – De qualquer modo, penso que este debate é extremamente necessário. A esquerda não pode, em face à religiosidade, reproduzir a mesma hipocrisia que a direita, só que com sinal inverso. Se se trata de construir um Brasil de Todos, é preciso pensar o tema da religiosidade dentro deste Brasil.
Na igreja católica, olhando de fora, a sensação é que, na última década, houve uma reação conservadora e uma diminuição dos espaços dos setores eclesiais mais vinculados às lutas sociais e à esquerda. Faz tempo que não se ouve mais falar, por exemplo, em Teologia da Libertação ou mesmo na realização de trabalhos mais visíveis das comunidades de base da igreja. A manifestação do Papa (ou o uso que fizeram dela para a campanha de Serra), a instrumentalização da questão do aborto e todas as baixarias lançadas contra Dilma na campanha, tomando por base a religiosidade do povo brasileiro, talvez tenha sido um dos piores momentos da história do catolicismo no Brasil, mas não podemos pensar que isso é fortuito. Pelo contrário, encarar com seriedade esse assunto é mais que urgente.
Imagino que o cenário não seja muito diferente em outros segmentos da religiosidade do povo. Os evangélicos, por exemplo, vem crescendo ano a ano. E também não podemos simplesmente imputar esse crescimento a uma manipulação dos desejos e sentimentos do povo. Entender estas manifestações, sem preconceitos e sem a busca da instrumentalização política talvez venha a ser uma chave para a afirmação de uma renovação cultural religiosa do povo brasileiro.
Paulo Cezar da Rosa é jornalista e publicitário. Publicou o livro O Marketing e a Comunicação da Esquerda. É diretor da Veraz Comunicação e da Red Marketing, ambas sediadas em Porto Alegre. [email protected]
Fonte: Carta Capital