“Foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida. Em julho de 1964, zarpamos de Santos com destino a Montevidéu e Buenos Aires, em uma viagem em torno de 13 dias. Naquela época os cruzeiros eram mais longos.
O navio era o novíssimo Rosa da Fonseca e foi construído na antiga Iugoslávia em 1962 para a Companhia Nacional de Navegação Costeira (CNNC). A chaminé preta ostentava uma enorme cruz de malta dourada e o casco era todo branco.
A viagem seguia sob o comando do comandante Paulo Bier da Silveira e o gerenciamento era da Agaxtur Turismo, do pioneiro e desbravador Aldo Leone.
Eu tinha 22 anos, na época. Tudo era maravilhoso! A bordo, mais de 500 passageiros – havia mais moças do que rapazes, talvez na razão de 60% para 40%. As brincadeiras eram constantes. Fiz camaradagem logo no início da viagem.
Em uma passagem noturna, alguém da tripulação contou que cruzaríamos com o porta-aviões Minas Gerais, na oportunidade a maior e mais importante belonave da Marinha do Brasil, que havia realizado manobras no Atlântico Sul, mas fazia uma rota distante da nossa – e, infelizmente, não poderia ser visto.
Um dos amigos, o mais velho, inventou uma história de que viria um helicóptero do porta-aviões buscar as moças e depois as traria de volta – tudo cortesia da Marinha.
E não é que muitas acreditaram naquilo, e vinham após o jantar fazer a inscrição conosco, ou seja, com nome completo e número da cabine para serem chamadas no momento preciso? Dá para acreditar?
A brincadeira valeu, porque fizemos um enorme cadastro – e, quando ficava muito tarde, dissemos que a operação fora suspensa em virtude das más condições atmosféricas.
Brincadeiras à parte, naquele tempo a gente podia andar pelo navio todo, inclusive na casa de máquinas, na área dos estabilizadores, na ponte de comando – e tudo mais a bordo do transatlântico. Com isso, fizemos camaradagem com o imediato João e o chefe de máquinas Lauro.
Naquele ano, o forte inverno deixou o mar com uma coloração entre o cinza e o esbranquiçado e muito encrespado, na costa sul do País. Com as forças dos motores, o navio arfava como um cavalo bravo, subia e descia sem parar sobre o mar encapelado.
Eu gostava de ficar no parapeito da ponta da proa (frente), ou na orelha de manobra da popa, de onde se via a hélice girando durante as arfagens. Quando o navio voltava, estremecia inteiro e saltava para vante. Coisa de louco, inesquecível!
Naqueles momentos os espaços de uso público ficavam desertos, pois as pessoas recolhiam-se na cabines, e reinava o silêncio.
Ainda assim o cruzeiro foi maravilhoso! Tudo a bordo era excelente, desde as refeições até os jogos e brincadeiras. Para mim já estava óltima a navegação em si, pois até a roda do leme tive o prazer de manobrar em alto-mar!
Quando entramos em Montevidéu, pela manhã, foi uma grande surpresa ver o cais apinhado de jovens vestidos com sobretudos acenando para nós, como se tivessem combinado recepcionar o navio e seus passageiros.
Na realidade a simples chegada do navio já era um acontecimento, acrescida do fato de que lá era a data nacional e, portanto, feriado. Um lindo dia, muito azul e gelado. Não dá para esquecer!
O Rosa da Fonseca era belíssimo e muito alvo. E, com o pendão verde-amarelo na popa, nos dava um imenso orgulho! Que o digam os cadetes navais argentinos que vieram a bordo quando o navio estava no Porto de Buenos Aires, atracado na dársena (píer) A.
Na noite seguinte houve uma partida de futebol entre o Boca Juniors e o Santos de Pelé, no estádio da Bombonera. Não faltaram provocações dos estivadores e motoristas ao pessoal do navio, aos passageiros e aos tripulantes.
No dia do jogo, muitos brasileiros do Rosa da Fonseca foram ao estádio, brigaram, bateram e apanharam, foram roubados – e alguns ficaram sem os relógios, como meu amigo Raul Fantini!
Um fato isolado foi a nota destoante do péssimo comportamento de alguns “moleques!” irresponsáveis que acharam divertido lançar ao mar uma das espreguiçadeiras de bordo do navio. Mas o castigo não se fez por esperar. Apuradas as responsabilidades, a bagagem dos tais rapazes foi aprendida até o ressarcimento do dano. Afinal, o que jogaram no mar era patrimônio nacional.
Esse esplendoroso cruzeiro foi inesquecível para todos os participantes. Caso algum deles lerem o que aqui relatei, com certeza entrarão na cápsula do tempo, fazendo uma viagem até 1964 – e sentirão muitas saudades do maravilhoso cruzeiro!
A única coisa triste dessa agradável viagem foi que terminou!”