Pós-graduação, atualização, idiomas, leitura em geral, segunda formação, estudos com professores, ou autodidáticos, tudo, absolutamente tudo isso pode fazer a diferença no mercado de trabalho. Para o administrador, consultor de empresas e professor universitário Flávio Emílio Monteiro Cavalcanti, o fundamental é não parar de estudar. Ele alerta que conhecimentos considerados diferenciais até há alguns anos, hoje são exigências básicas para quem quer ter sucesso na carreira.
Nesta entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Flávio Emílio fala sobre a importância dos estudos, a aproximação entre universidades e mercado, as exigências de quem procura mão de obra nas instituições de ensino, o desafio de mudar as atitudes dos futuros profissionais e o peso do estágio no currículo do estudante:
Como anda a sintonia das instituições de ensino, sobretudo as de Educação Superior com o mercado de trabalho?
Tem havido um processo de evolução, ao longo dos anos, que vem buscando aproximar o conhecimento acadêmico do que o mercado quer. Hoje, grande parte dos cursos trabalha com o conceito de competências. Isso é bastante comum nas instituições. E quando se trabalha com competências, termina por se operar com um misto de três fatores: conhecimentos, habilidades e atitudes.
Então a técnica pura não é mais suficiente para preparar um estudante a ingressar no mercado de trabalho?
Técnica pura era um formato bastante utilizado nos anos 60. O tecnicismo. Hoje isso é pouco. Somente dominar a técnica relativa à sua profissão o mercado considera pouco. Então o grande desafio dos cursos, para que seus estudantes consigam vencer no mercado, é desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes em seus alunos.
E quem está mais próximo desse ideal? São as instituições privadas, já que possuem mais flexibilidade de ação?
As instituições privadas têm mais rapidez em seus processos de decisão. Elas são menos burocratizadas, então conseguem, de certa maneira, suprir essa carência mais rapidamente. No caso das instituições públicas esse processo também existe, mas vai caminhar a passos pouco mais lentos, em função da própria burocracia do poder público.
E os empresários têm levado quais características em consideração, na hora de optar por alguém formado por essas instituições?
Um fator chave que os empresários vão levar muito em consideração é, de novo, o fator competência. Onde o estudante estudou, por qual instituição ele passou, isso faz uma diferença, mas tem um peso menor. O que eu, que vou contratar, quero saber basicamente é o que é que esse estudante já fez, onde é que estagiou, qual o potencial dele. O fato de ter estudado na instituição A, B, ou C, hoje faz pouca diferença.
Então o estágio é fundamental?
Sim, fundamental. Sou um dos grandes defensores do estágio. Aquele estudante excessivamente teórico vai ter muitos problemas no mercado. A palavra de ordem, então, não é esperar para entrar no mercado de trabalho ao fim do curso, mas sim já ir procurando ingressar logo, desde o início. Um estudante que tem uma vivência de mercado até aproveita melhor o próprio curso, conseguindo participar de uma maneira mais ativa do aprendizado. O estágio acaba ajudando diretamente em seu desempenho acadêmico. Porque estágio é aprendizado, um aprendizado paralelo em relação ao que ele vem vendo em seu curso, na sala de aula.
Empresas como a Petrobras já realizam parcerias com a UFRN e o IFRN, onde ajudam as instituições e captam novos talentos. É importante a iniciativa privada também buscar essas parcerias e não só esperar que o egresso termine o curso para ir atrás desse profissional?
Sim. Existem empresas que já têm, inclusive, uma política de gerenciamento de estágios. Não só estágios, mas também vagas de trainees. Em geral, o trainee é visto como um profissional em início de carreira, que está finalizando seu curso; enquanto o estagiário é alguém que está em uma etapa mais inicial, com mais necessidade de aprendizagem. O trainee é aquele profissional que está dando os primeiros passos, com um potencial incrível, e que a empresa investe nele. Então existem empresas com programas nesse sentido e isso permite avaliar os jovens que vão para lá. Certamente, os jovens que têm mais potencial, os mais aptos, acabam sendo convidados a permanecer.
E o profissional que já está no mercado, precisa voltar sempre à sala de aula? Não abandonar os estudos?
Tenho tido oportunidade de ter contato semanal com alunos de pós-graduação, MBAs, especializações, e isso passou por uma mudança. Antes tudo isso era visto como um diferencial. Hoje é praticamente uma obrigação fazer uma pós-graduação e com um detalhe curioso, nem sempre na sua área de formação. Trabalho com pós-graduação na área de gestão e recebemos pessoas de áreas as mais diversas, que querem acrescentar conhecimentos de administração às suas carreiras. E tem ainda os cursos a distância, que também são uma tendência muito forte e diria até uma tendência irreversível. A palavra de ordem é não parar de estudar, quer seja em um curso formal, no qual o profissional se matricule, quer seja na linha do autodidatismo, leituras, eventos, rede de relacionamentos, a ordem é não parar.
É possível ensinar técnicas, mas é possível também trabalhar os estudantes para que eles mudem seus comportamentos?
Dentro das competências, essa é a dimensão da atitude. Essa é a dimensão mais desafiadora, porque implica em mudança de comportamento e isso é um processo mais gradual. É possível trabalhar atitudes. A gente não vai mudar a personalidade de ninguém, não existe isso, mas aprender atitudes novas é trabalhar com mais profissionalismo, com ética, administração de tempo. Uma realidade do mercado é que grande parte dos desligamentos, tirando daí as questões das reestruturações de empresas, acontecem por questões de atitudes. Não é porque o profissional não saiba fazer o serviço, ou não tenha habilidade. Muitos têm um trabalho bom, conhecimento, mas as atitudes os atrapalham. Não diria que é um ponto mais importante que conhecimento e habilidades, mas é tão importante quanto. E na época em que vivemos, o fator atitude é extremamente problemático.
E quais qualidades são fundamentais no estudante que vai buscar lugar no mercado? Iniciativa? Capacidade de trabalhar em grupo?
Em primeiro lugar o estudante não deve se ver como simples estudante, mas sim como um profissional em formação. É importante você se sentir um profissional, ainda que em formação, mas já um profissional. Uma das atitudes que são fundamentais eu chamaria de curiosidade intelectual, ou seja, aquela iniciativa de aprender, a busca por conhecer mais. Outra atitude fundamental é a capacidade de conviver e trabalhar em equipe. O fator relacionamento é muito importante. Pessoas com dificuldade em relacionamento interpessoal vão ter dificuldades imensas no mercado. Hoje, por mais que o trabalho seja muito técnico, é preciso ter gente que saiba se relacionar. Sem essa condição, vai ter problemas.
E dentro dessa necessidade de voltar a estudar cabem, por exemplo, os cursos tecnológicos?
Cabem. Do mesmo jeito que há crescimento na procura por pós-graduação e cursos a distância, existe também um crescimento na chamada segunda graduação, alguém que terminou o seu curso e está buscando agora ampliar seus horizontes. É muito comum encontrarmos essas pessoas na área da educação e os tecnológicos são uma opção delas.
E nesses casos deve se pesar o mercado, ou o gosto pessoal?
O gosto pessoal é algo que não deve ser descartado, mas essa equação não se resolve apenas se levando em conta esse gosto pessoal. É preciso entender como o mercado daquela área se encontra. Naturalmente, sempre vai valer o raciocínio de que, para o profissional competente, que se destaca, não vai faltar espaço, pois se não houver espaço ele cria seu próprio espaço. Como? Empreendendo. Em todas as área existe espaço para empreender, construir seu próprio caminho. O Brasil é um país muito empreendedor e eu sou um dos defensores de que orientações sobre empreendedorismos deveriam ser dadas em todos os cursos, a todos os estudantes, pois em todas as áreas pode se empreender.
O governo federal tem investido no aumento de vagas, em cursos noturnos, isso já é um bom caminho? O que ainda falta nas instituições públicas?
Temos de reconhecer que o Governo Federal tem, sim, investido na ampliação do acesso à educação. Isso é importante que seja reconhecido, pois o número de institutos federais de educação cresceu muito, o interior está cheio deles, e essa é uma das vitórias que o governo pode celebrar, mas o grande desafio é o da qualidade. Os números impressionam, a trajetória dos gráficos são sempre ascendentes, o detalhe é: e a qualidade disso? Trabalho com recrutamento e seleção e a gente sente, na pele, a dificuldade de achar profissionais de fato com o nível de qualidade excelente. Às vezes você pega 40 currículos e só cinco se enquadram nas exigências. Então a gente tem de ter cuidado porque alguns números podem ser impressionantes na quantidade, como o de matrículas, isso e aquilo, mas o que vai diferenciar mesmo é a competência.
Fonte: Tribuna do Norte