Quarta, 22 Janeiro 2025

A euforia inicial gerada nos mercados internacionais pelo pacote de estabilização de 750 bilhões de euros para combater crises sistêmicas na União Europeia vai aos poucos dando lugar à percepção de que o socorro terá impacto positivo apenas no curto prazo. Alguns analistas já começam a chamar a atenção para problemas que podem persistir no longo prazo.

A decisão dos ministros das Finanças da UE de criar um pacote para ajudar os países-membros da zona do euro que enfrentam uma crise financeira proporcionará algum alívio ao mercado, mas é apenas uma solução de curto prazo, afirmou ontem Marek Belka, diretor do departamento europeu do Fundo Monetário Internacional (FMI). "O que aconteceu no domingo à noite dá um pouco de alívio, mas não o considere como uma solução de longo prazo", ressaltou Belka.

A intenção dos ministros é conter a crise das dívidas soberanas. Segundo a proposta, 440 milhões de euros serão oferecidos por meio de empréstimos por parte dos governos da zona do euro, 60 milhões de euros virão de um fundo já mantido pela Comissão Europeia, mas que até agora era destinado só para o socorro de países de fora da zona euro, e 250 milhões de euros serão disponibilizados pelo FMI.

Mitul Kotecha, estrategista chefe de câmbio do Credit Agricole, observou que a crise da Grécia atingiu o coração do projeto do euro e, por si só, o pacote de resgate anunciado será insuficiente para trazer de volta a confiança no médio prazo. "Para haver um impacto mais duradouro, é preciso haver uma prova de consolidação orçamentária, bem como maiores reformas estruturais", disse Kotecha.

O ex-economista chefe da Comissão de Comércio Internacional dos Estados Unidos Peter Morici, que é professor da Universidade de Maryland, acredita que ao elaborar o pacote de resgate para a Grécia e outros países em dificuldade, a Alemanha e as outras nações europeias fortes estão perseguindo um sonho que pode não ter lugar na realidade: uma moeda única europeia e uma união mais ampla dos países do bloco europeu. "Mais crises orçamentárias vão surgir, se não na Grécia então em Portugal, Espanha, Irlanda ou Itália, simplesmente porque o euro não é apoiado por um forte governo central", afirmou Morici.

Para Alex Heath, analista de metais do RBC Capital Markets a euforia não deverá durar muito tempo. "Embora o pacote possa ter reduzido as perdas do euro, continua difícil imaginar que a moeda vai sustentar qualquer tipo de força tendo em vista a escala de consolidação fiscal que precisa ser feita, a incerteza que prossegue com relação à implementação dessa consolidação, o efeito imediato que ela terá sobre o crescimento e a redução das perspectivas de aumento das taxas de juros", disse Heath.

Trichet não vê impacto sobre economia global

Mesmo em meio à crise da dívida soberana e necessidade de aperto fiscal na Europa, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, avalia que a economia global está acelerando e que a inflação é o principal risco do momento. Em entrevista coletiva nesta segunda-feira, na Basileia, ele não reconheceu a possibilidade de impacto dos problemas europeus sobre o desempenho da atividade mundial. Segundo ele, esse é o sentimento que predomina entre as principais autoridades monetárias do mundo. Trichet avalia que alguns países estão mostrando crescimento maior do que o esperado, caso dos emergentes e inclusive de algumas nações da zona do euro.

Sobre possíveis efeitos da crise na Europa sobre o Produto Interno Bruto (PIB) dos países, ele disse que avaliará a situação, sem dar detalhes. "O risco de um duplo mergulho sempre existe, mas é cada vez menos importante."

Para a autoridade monetária, o maior obstáculo para a economia global atualmente é a inflação e a alta das commodities, algo já verificado em alguns países, onde é necessário monitoramento das expectativas de elevação dos preços. Trichet também negou que a independência e a credibilidade do BCE tenham sido afetadas pelas últimas medidas anunciadas para combater a turbulência nos mercados. O BC europeu decidiu comprar títulos de dívida soberana dos países da zona do euro, algo descartado dias atrás, e restaurou outras medidas para dar liquidez às operações. "A decisão não é resultado de nenhum tipo de pressão", afirmou.

Crise nos Piigs preocupa exportadores gaúchos

Marcelo Beledeli

A instabilidade financeira no grupo dos Piigs (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) pode ter repercussão nas exportações gaúchas. Segundo dados da Secretaria do Desenvolvimento e Assuntos Internacionais (Sedai), os cinco países representaram 6,63% das vendas externas do Estado no primeiro trimestre, somando cerca de US$ 180 milhões. Embora pareça pequeno, o índice é maior do que a quantia exportada para a China (US$ 115 milhões) ou o Paraguai (US$ 147 milhões) no mesmo período. Além disso, as vendas estavam apresentando uma leve melhoria em relação ao primeiro trimestre do ano passado, quanto atingiram US$ 149 milhões (6,03% do total).

Na comparação entre janeiro e março de 2009 e o mesmo trimestre de 2010, os três países do grupo que mais apresentaram crescimento na importação de produtos gaúchos são justamente os que vem sentindo mais fortemente os efeitos da crise: Grécia (com uma variação de 28,7%), Espanha (39,54%) e Portugal (44,19%). Sozinha, a Espanha foi o décimo mais importante parceiro comercial do Rio Grande do Sul nos primeiros três meses deste ano, importando US$ 71 milhões. A Itália, que se manteve na oitava colocação do ranking, adquirindo US$ 74 milhões, teve um crescimento menor no período (7,4%).

Um dos setores mais preocupados com a crise é o de calçados. As indústrias gaúchas já sofriam uma redução nas vendas para os mercados dos Piigs, que diminuíram suas compras de US$ 51 milhões, em janeiro-março de 2009, para US$ 46 milhões no primeiro trimestre deste ano. "Todos os manufaturados brasileiros já sofriam com a crise internacional, que determinou uma redução expressiva das vendas para a Europa, e essa nova situação pode significar que esse movimento terá continuidade", destaca Heitor Klein, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).

Embora a crise tenha um lado positivo para o setor exportador nacional, que é a valorização do dólar às custas do enfraquecimento do euro, Klein acredita que ainda é muito cedo para avaliar seus efeitos sobre as vendas externas nacionais. Segundo o dirigente, mesmo uma possível melhora no câmbio pode ser balançada pela redução no consumo de bens brasileiros no mercado europeu, caso a crise se expanda para outros países do continente. "É certo que, nesse ritmo e direção que a situação está se compondo, teremos sérios prejuízos pela frente", afirmou.

Segundo o economista Antônio Carlos Fraquelli, pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE), os maiores problemas podem ocorrer se a atual crise, iniciada na Grécia, acentuar-se na Espanha e Itália, parceiros comerciais mais importantes. No entanto, para Fraquelli, mesmo uma redução nas vendas para esses países não significa que a crise nos Piigs apresentará efeitos acentuados no Estado. "Eles são parceiros comerciais que já estavam em recessão, e que pertencem a um bloco comercial que vem perdendo espaço para a China", lembrou.

Entusiasmo leva bolsas mundiais a operarem em forte alta

A BM&FBovespa acompanhou a onda de euforia mundial com o pacote europeu bilionário para defender o euro e evitar uma crise ainda maior no velho continente. O Ibovespa avançou 4,11% no fechamento, aos 65.452 pontos. O giro financeiro foi de R$ 6,54 bilhões, pouco abaixo da média (R$ 7 bilhões/dia). Nos Estados Unidos, o índice Dow Jones subiu 3,9% na conclusão dos negócios. Todos os principais índices de ações da Europa também fecharam em alta acentuada ontem. Na bolsa de valores de Londres, o índice FTSE-100 subiu 5,16%; em Paris, o CAC-40 avançou 9,66%; o Dax, da bolsa de Frankfurt, teve alta de 5,3%. Na bolsa de Madri, o índice Ibex-35 subiu 14,43%.

Profissionais de mercado têm recomendado aos clientes que saíram da bolsa na semana passada que permaneçam de fora, aguardando os próximos desdobramentos. Para os que ficaram, o conselho é não mexer na carteira, pelo menos no curto prazo. "As bolsas podem sofrer ajustes nos próximos dias. Assim como foi um exagero as quedas de 5% na semana passada, foi um exagero essa alta de 4%", afirma Pedro Braz, da mesa de operações da TOV Corretora.

Entre outras notícias importantes do dia, o boletim Focus, elaborado pelo Banco Central, revela que a maioria dos economistas do setor financeiro reajustou para sua cima para suas previsões para a inflação deste ano: o IPCA projetado para 2010 passou de 5,42% para 5,5%. Trata-se da 16ª semana consecutiva que a mediana dessas estimativas é revista para cima.

Já a taxa de câmbio brasileira teve o seu maior recuo desde 24 de novembro de 2008, quando os mercados mundiais foram sacudidos pelas turbulências da crise dos subprimes. O dólar comercial foi negociado por R$ 1,773, em um decréscimo de 4,11% sobre a cotação da semana anterior. "Há grandes possibilidades do dólar continuar rodando abaixo de R$ 1,80 pelo restante da semana, pelo menos", comenta Carlos Alberto Postigo, gerente da Casa Paulista.

Fonte: Jornal do Comércio

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