“Qualquer decisão sobre a taxa de juros será para manter a inflação na meta.” Essa foi a garantia dada pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a participar ontem do XXIII Fórum da Liberdade, em Porto Alegre. Durante o evento, Meirelles destacou que a taxa básica de juros é a ferramenta mais rápida e eficiente que o País possui para frear a inflação, e que, mesmo durante um ano eleitoral, essa é a prioridade da política econômica. “A população sabe e tem consciência de que o problema é a inflação, e não a taxa Selic, e portanto é preciso fixá-la no local adequado para que o poder de compra da moeda esteja mantido”, afirmou.
Segundo Meirelles, uma maior abertura do mercado e a desoneração de investimentos podem ajudar a reduzir a inflação e são todos desejáveis, mas apresentam respostas menos eficazes e rápidas do que a taxa Selic. Ele também criticou declarações que tem visto na imprensa, que defendem uma redução da taxa. Meirelles afirmou que, nos últimos sete anos, o Banco Central tem tomado decisões que têm mantido a inflação oscilando em torno do centro da meta. “Isso significa que a taxa de juros é a adequada, é a menor possível para manter a inflação na meta”, declarou. No entanto, evitou comentar previsões sobre os rumos que serão tomados na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que vai tratar do assunto nos dias 27 e 28.
O presidente do Banco Central também afirmou que é um direito básico da população ter moeda com poder de compra previsível. Além disso, lembrou que a estabilidade da moeda reflete em outros resultados positivos na economia. “Inflação na meta significa diminuição do grau de risco, aumento do investimento e diminuição de juros reais ao longo do tempo”, afirmou.
Meirelles defendeu o papel do governo na regulamentação financeira do mercado ao lembrar que, quando organizações sistemicamente importantes entram em colapso, há problemas para toda a sociedade por bloqueios aos canais que transformam poupança em investimento ou consumo. “O segredo do processo é haver regulação que, na medida em que existem instituições que possam demandar recursos do público, tenham determinadas normas que sistematicamente evitem ou mitiguem a crise”, afirmou.
Ao final da palestra, ao responder às perguntas dos participantes do evento, Meirelles considerou inapropriado falar sobre a blindagem do Banco Central, como órgão independente de intervenções do governo. “Isso é questão do Congresso, do presidente (da República)”, afirmou. No entanto, admitiu que países que possuem bancos centrais independentes do governo tendem a apresentar taxas de juro e inflação mais baixas.
Fernando Henrique compara Congresso Nacional a palco de fatos policiais
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez ontem uma série de críticas à atual conjuntura política e citou o Congresso Nacional como cenário de acontecimentos policiais, de onde, na prática, divulgam-se poucas notícias relacionadas à política. Em seu discurso no Fórum da Liberdade, FHC criticou ainda modelos de democracia aplicados de forma distorcida no continente latino-americano, criando uma falsa impressão de liberdade.
FHC disse que apesar de o Brasil possuir instituições sólidas, ninguém garante que todos os brasileiros sejam iguais diante da lei. “Quem pode nos garantir que ela não é aplicada de acordo com os recursos financeiros de cada pessoa?”, provocou. “Há uma descrença nas instituições políticas. O cidadão não se interessa pela política, enquanto maus políticos tomam decisões. Isso diz respeito a cada um de nós. Os mais jovens têm que forçar a politização.”
Para o empresário Jorge Gerdau, o conceito de liberdade passa por vários desdobramentos e o desequilíbrio dos poderes termina com a democracia. “Isso é uma doença hoje no continente latino. O mundo mudou e temos que aproveitar esta oportunidade.”
Incentivos oficiais inadequados e mau distribuídos geram crises e desequilíbrio
Os incentivos governamentais e a maneira como são distribuídos foram apontados no painel sobre inflação como alguns dos principais vilões da economia e causadores de variados desequilíbrios fiscais. Os palestrantes explicaram que o excesso de incentivos, por serem artificiais, pode pressionar os juros nominais e alimentar a inflação, jamais chegando a quem realmente precisa.
“Os liberais culpam a ganância pela crise financeira internacional, mas não há ganância sem produtos de qualidade e incentivos”, afirmou o consultor de empresas Stephen Kanitz. Argumentou que ninguém menciona a culpa das concepções econômicas neo-keynesianas, que não atribuem grande importância aos problemas estruturais ligados ao funcionamento dos mercados.
Kanitz discorreu sobre os incentivos do governo norte-americano para a compra de imóveis nos últimos anos. Em alguns casos, os subsídios do Estado cobriam até 84% do valor da compra de casas de até US$ 1 milhão, por descontos no imposto de renda. Após quitada a dívida, os proprietários das casas renegociavam o contrato para usarem o dinheiro para adquirir outros bens, mas continuavam inflando a bolha imobiliária.
Para o consultor, em situações como essa, empresas e consumidores aproveitaram uma oportunidade de ganho que tinham à frente. “Ironicamente, os incentivos, que deveriam beneficiar os pobres, serviram para financiar a dívida especialmente de ricos nos Estados Unidos”, explicou, ressaltando que, ao se perceber as peculiaridades da crise, torna-se errado falar em “mão invisível” do mercado.
Para o historiador norte-americano Tom Woods, os incentivos governamentais geralmente são artificiais e não atendem a quem realmente precisa. Esses estímulos chegam antes às mãos de ricos e influentes políticos, que depois os repassam a quem necessita por juros mais altos. Woods propõe um tipo de política fiscal que permita imprimir dinheiro sem mecanismos artificiais.
Já Ricardo Lopez Murphy, ex-ministro de Defesa e de Economia do governo argentino de Fernando de La Rua, trouxe à tona o debate sobre a inflação trazer ou não desenvolvimento e quais as causas e as soluções para esse problema. Citou as perspectivas de uma economia como ingrediente de reajustes reais ou artificiais de preços, sendo determinantes para inflações. “No Brasil, antes havia um pessimismo generalizado quanto aos rumos da economia e à inflação, mas hoje o cenário está diferente, com muito mais confiança e estabilidade”, exemplificou. O argentino criticou as fórmulas artificiais utilizadas pelo seu país para conter o descontrole fiscal durante a crise na Argentina, como o atrelamento do peso ao dólar.
Debate sobre regulamentação da concorrência contrapõe painelistas
Um encontro cheio de provocações. Assim foi o debate sobre intervencionismo estatal e políticas antitruste no Fórum da Liberdade. O painel reuniu o presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Arthur Badin, o fundador e ex-presidente da Junior Achievement da Argentina, Eduardo Marty, e o teórico-econômico norte-americano David Friedman.
Badin iniciou o debate afirmando que o próprio termo intervencionismo revela uma conotação negativa, ao implicar que a atuação do Estado na economia é uma invasão em domínio alheio. O presidente do Cade defendeu a política antitruste, destacando que nenhuma economia eficiente pode sobreviver sem a preservação da concorrência. Segundo Badin, o Estado ajuda a impedir que grandes concentrações gerem ineficiências econômicas.
Já o fundador e ex-presidente da Junior Achievement da Argentina afirmou que as leis antitrustes são desnecessárias, pois o próprio mercado pode controlar os cartéis. Segundo Eduardo Marty, o principal problema em relação ao estabelecimento de sistema sem regulação é de origem ética.
David Friedman concordou com Marty, citando a experiência norte-americana com a regulamentação das companhias ferroviárias. De acordo com o teórico, o Estado também age como um cartel, ao aprovar tarifas que tornam produtos mais caros, aumentando a renda de seus produtores. O norte-americano também afirmou que, no curto tempo que passou no Brasil, conseguiu encontrar um monopólio: a loteria. Ele afirmou que o controle estatal do jogo resulta em menores retornos aos apostadores e sugeriu a legalização dos jogos de azar no País.
Liberais massacram socialismo e reclamam do peso do Estado
Os governos que adotam ou já operaram os modelos socialistas foram alvo de críticas pesadas de liberais de carteirinha ontem em Porto Alegre. No segundo e último dia do XXIII Fórum da Liberdade, que atraiu mais de 5 mil participantes ao Centro de Evento da Pucrs, o socialismo foi derrotado por um placar de três a um. No palco, dois defensores da livre iniciativa, o brasileiro Rodrigo Constantino e o equatoriano Juan Fernando Carpi, mesclaram ironias e contrariedade a mecanismos intervencionistas. A plateia se rendeu ao pensamento dominante no evento. Restou ao professor e ex-militante de movimentos de esquerda no Brasil João Quartim de Moraes se livrar das “pegadinhas” antissocialismo esclarecendo as raízes do modelo que ainda embala Cuba, projeta o venezuelano Hugo Chávez e gera tensões na China.
O professor lembrou: o país com maior peso do Estado nas atividades econômicas é o império do livre mercado, os Estados Unidos, que soma gastos somente em aparato bélico de US$ 700 bilhões anuais. Depois de relembrar as teses de Karl Marx e a evolução histórica da formação das economias, Quartim admitiu que um dos erros dos governos socialistas foi trocar a busca da satisfação pessoal por palavras. “Não dá para ignorar, por outro lado, que há nostalgia no Leste europeu em relação a serviços de saúde e educação”, exemplificou o palestrante, indicando que a economia de mercado alterou para pior essas garantias.
Rodrigo Constantino mostrou preocupação com o avanço de governos de esquerda na América Latina. “É uma ameaça e veio para ficar”, prognosticou a contragosto o liberal. Constantino, economista e diretor do Instituto Liberal, confessou ter ficado decepcionado ao ser convidado para falar sobre socialismo no Fórum. Para o painelista, o tema é ultrapassado. “O socialista fugiu da primeira aula de economia, pois trabalha com recursos ilimitados, quando a lógica é outra”, descarregou o economista.
Constantino defende que a recente crise expôs esgotamento das ações intervencionistas. “A crise não foi do liberalismo. As pessoas propõem mais do mesmo veneno que causou o problema. A solução é mais liberalismo”, projetou, numa alusão a propostas de maior regulação de mercados dos Estados Unidos e alguns países da Europa.
O diretor do Instituto Liberal do Equador, Juan Fernando Carpio, afirmou que a maior regulação e tributação da mão de obra no País, que integra política do governo de Rafael Correa, está expulsando empresas do país. Carpio citou grupos do ramo têxtil que fecharam unidades, gerando desemprego, e se mudaram para o vizinho Peru. Ações como estatização de terras e criação de estatais em segmentos como mineração, segundo o liberal equatoriano, também geram instabilidade e desestimulam investimentos privados.
“A economia está recuando 40 anos. Há temor de virarmos uma Venezuela”, opinou o economista, numa alusão ao governo de Hugo Chávez, que inspira governos com linha de esquerda e mais afinados com o modelo socialista. Carpio definiu que Correa está no meio do caminho, entre o perfil do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e Chávez.
Entrada de capital estrangeiro é benéfica para os países em crise
O bloco sobre investimento estrangeiro no último dia do Fórum da Liberdade trouxe dois exemplos de países que receberam investimento de capital externo e obtiveram forte desenvolvimento econômico: China e Espanha. Em seguida, a plateia ouviu o depoimento do empresário David Neeleman, filho de norte-americanos nascido no Brasil, que investiu os próprios recursos agregados aos de investidores estrangeiros para criar a Azul Linhas Aéreas Brasileiras, dando o exemplo de como a iniciativa pode funcionar.
Tom Palmer, vice-presidente dos programas internacionais da Atlas Economic Research Foundation, apresentou dados econômicos da China e falou de sua experiência exitosa, citando seus “prós e contras”. Lembrou do crescimento do país após a entrada de capital estrangeiro e defendeu o investimento transfronteirista em nações que ainda precisam crescer.
“O capital estrangeiro direto tem levado grande benefícios à China. As empresas de fora passaram a administrar os empreendimentos e possibilitaram mudanças na forma de como fazer negócios no país”, citou, exemplificando a melhoria na qualidade da produção chinesa. Em contrapartida, Palmer lembrou que os chineses ainda são um povo que precisa poupar, porque não possui um mercado interno de seguros bem desenvolvido. E terminou citando que o liberalismo econômico relativo é o grande responsável pelo “milagre chinês”. Sugeriu, ainda, que a exemplo da China e de Washington, Porto Alegre crie seu próprio consenso econômico.
Após a explanação de Palmer, o economista Fernando Navarrete, do Banco da Espanha, citou a experiência do país europeu, traçando um histórico dos principais acontecimentos para o crescimento econômico. “Apesar das dificuldades atuais na Espanha e na Europa, o país tem um histórico de êxito na economia.” De acordo com Navarrete o país acertou com a abertura do mercado interno, o acordo de livre comércio com outros países e a adesão à União Europeia e ao euro. “O papel das empresas estrangeiras neste processo incrementou o volume de capital na economia”, ressaltou. O economista lembrou ainda a importância do conhecimento que os estrangeiros injetaram no país através da introdução de tecnologias e novos modelos de mercado. Navarrete disse que não funciona aplicar liberalização sem privatização, ou vice-versa. “O processo verdadeiramente exitoso é o que une privatização com liberalização”.
Fonte: Jornal do Comércio