Sexta, 31 Janeiro 2025

As técnicas são criativas e, a olhos mais conservadores, podem parecer experimentais demais. Existe na Itália uma escola onde crianças de quatro anos criam por conta própria as regras de um jogo com base em elementos estipulados pelo professor. Neles, expressam o que aprenderam por meio de pintura e dança. Em Portugal, os melhores resultados do ensino fundamental vêm de uma escola sem paredes, sem séries definidas. Um lugar onde os alunos participam da discussão do que vão aprender naquele ano e decidem quando estão prontos para serem testados. Nos EUA, jovens e adultos, semi-analfabetos, aperfeiçoam a leitura e a escrita embalados por poemas.

Esses e outros modelos criados em Portugal, Itália, EUA, Cuba e Brasil serão discutidos no 1º Encontro Internacional de Arte e Analfabetismo Funcional, que começa hoje no Palácio Gustavo Capanema, no Rio. Organizado pelo Casa Daros, centro de arte latino-americana em construção na cidade, o seminário é uma tentativa de discutir no Brasil os caminhos para diminuir os índices de analfabetimo funcional. Existem hoje no País 29,9 milhões de pessoas com mais de 15 anos que têm menos de quatro anos de estudo. São classificadas pelo IBGE e pelo Ministério da Educação como analfabetos funcionais - não conseguem interpretar o que lêem nem escrever o que pensam.

“Essa limitação impede que a pessoa possa continuar aprendendo e que crie um espaço de ação na sociedade”, define o cubano Eugenio Valdés Figueroa, diretor de arte e educação da Casa Daros. “A arte treina a curiosidade natural da criança. Ela transforma a pessoa em criador em qualquer situação de vida”, afirma. Com essa idéia, ele e Bia Jabor, também da Casa Daros, montaram o seminário chamando representantes de projetos experimentais de vários países.

“Buscamos projetos que têm um longo período de trabalho, com bons resultados e com metodologia”, explica Bia. Da Itália, vem a Reggio Emilia. Dos EUA, o Arts Literacy. De Portugal, a Escola da Ponte. Da Bahia, o Projeto Axé. Da Colômbia, o Lugar a Dudas. Cada projeto tem trajetória e método muito particulares. “Nenhum método se aplica integralmente a dois lugares diferentes”, defende o português José Pacheco, que criou há 32 anos a Escola da Ponte na pequena cidade de Vila das Aves, no norte de Portugal. “Há escolas brasileiras que se inspiram no que é feito na nossa escola. Mas não são clonagens, e sim adaptações locais”, diz. É o caso da Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, em São Paulo, que, assim como a irmã portuguesa, demoliu as paredes das salas de aula.

Pacheco ajudou a criar um método radical. “Não temos séries, turmas, provas e todas estas inutilidades”, explica. “O que temos lá na verdade é uma escola que rompeu completamente com o modelo tradicional. O que aconteceu na Ponte a partir de 1976 foi a transformação de uma escola miserável, que nem banheiro tinha, na escola que obtém os melhores resultados em português e matemática nas provas em Portugal”, comemora. A Escola da Ponte, com cerca de 250 alunos a partir de 5 anos de idade, é mantida com recursos do governo, mas tem autonomia total.

CRIANÇA X CURRÍCULO

Assim como a escola portuguesa, a Reggio Emilia, no norte da Itália, também nasceu em uma situação de crise. Com o final da 2ª Guerra, em 1946, um grupo de mães construiu e organizou uma nova escola para os filhos. Tiveram ajuda do pedagogo Loris Malaguzzi. Menos de 20 anos depois, a pedagogia da Reggio Emilia foi aplicada pela prefeitura a todas as escolas de nível básico da cidade.

A Reggio Emilia, que hoje atende a quase 4 mil crianças de 0 a 6 anos em unidades diferentes, defende uma pedagogia que dê mais atenção para a criança do que para os temas do currículo escolar. “Nosso objetivo é desenvolver as várias linguagens da criança”, diz o texto que apresenta a Reggio para o seminário. Sem deixar que as crianças façam só o que bem entenderem. O método se expandiu tanto que hoje na cidade existem formas diferentes de administração da escola: rede pública, privada e cooperativa de pais. “Neste modelo da Itália, a criança participa da decisão do que vai aprender. Cabe ao professor estruturar essa curiosidade”, explica Figueroa. O resultado são trabalhos de arte bem elaborados pelas crianças. “Elas trabalham com luz, sombra e com pinturas em grandes áreas de tecido”, conta Bia Jabor.

O seminário pretende revelar todos os pontos de contato entre educação e arte. Figueroa defende que o uso da arte nas escolas pode ir muito além das aulas da pré-escola. “A arte pode recuperar a curiosidade que mataram em nós pela educação tradicional”, diz.

Fonte: O Estado de S.Paulo - 01 DEZ 08

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