A falta de uma legislação própria para regular o mercado de derivativos foi uma das causas da crise financeira norte-americana. Mais: a melhor saída é deixar as grandes montadoras americanas (Chrysler, GM e Ford) falirem. A opinião é de Alex Raskolnikov, professor de direito na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos e acadêmico titular da Associação Tributária das Américas (ATA). Raskolnikov palestra hoje na Capital durante o I Simpósio da ATA, que acontece na escola da Ajuris. Nascido na Rússia, ele formou-se em engenharia química em 1988, ainda durante a era soviética, e emigrou para os Estados Unidos aos 23 anos. Nesta entrevista para o Jornal do Comércio, o professor fala sobre os derivativos e analisa como os norte-americanos deverão enfrentar a nova situação econômica.
Jornal do Comércio - Por que o senhor considera os derivativos um problema para a economia?
Alex Raskolnikov - Por que não existem regras de taxação para lidar com estes instrumentos financeiros. Esta falha na regulação, que lhes dá vantagens fiscais, fez com que houvesse um incentivo para investir em derivativos. Se você pudesse escolher entre um contrato regular e um contrato derivativo, você faria um derivativo e reduziria seus impostos. Por isso, ao menos nos Estados Unidos, eles contribuíram para o surgimento desta crise financeira. Por isso agora existe interesse em criar regras para regulá-los.
JC - Esta regulação é possível de ser realizada?
Raskolnikov - Ela é um tanto difícil de fazer. Em tese é possível, mas você precisaria de uma reforma fundamental dos sistemas de regulação, e isso envolveria modificar incentivos fiscais, trade-offs (escolhas), criando outros problemas que muitos de nós não queremos encarar.
JC - Como a crise está afetando o povo americano?
Raskolnikov - A melhor evidência de que as pessoas estão preocupadas com a crise é que estão gastando menos. Existem dois segmentos onde as pessoas comuns estão sentindo mais fortemente a nova situação econômica. O primeiro é a habitação, muitos estão perdendo seus lares, ou sabem que não terão dinheiro para pagar a próxima prestação. O outro é o consumo em geral, no setor de veículos. As compras de natal também estão muito baixas para esta época.
JC - Um dos maiores impactos da crise foi sobre as montadoras americanas. Existe alguma solução para os problemas financeiros da Chrysler, Ford e General Motors?
Raskolnikov - Existem duas maneiras de lidar com o problema das montadoras. Uma é deixar estas companhias operando como elas estão fazendo agora, com algumas mudanças, mas basicamente operando do mesmo jeito de sempre. Isto é, agora elas precisam de US$ 20 bilhões de dólares, e digamos que recebam esses US$ 20 bilhões do governo. Mas em alguns meses elas vão precisar de outros US$ 20 bilhões, por que estão perdendo dinheiro. As montadoras não sofrem do mesmo problema que os bancos, que apenas enfrentam uma crise de confiança. Se a ajuda governamental faz com que as pessoas sintam que as instituições bancárias não vão falir, então eles ficarão bem. Mas com a General Motors, Ford e Chrysler não é assim. Então a alternativa é deixá-las falir, mas você não pode simplesmente fazer isso, por causa do grande desemprego que seria gerado.
JC - Qual seria a resposta então?
Raskolnikov - A solução é deixá-las falir, não emprestar dinheiro, mas gastar estes US$ 20 bilhões ou mais para treinar as pessoas que vão perder os empregos e recolocá-las no mercado de trabalho. Isso seria base para a criação de novas companhias, com executivos que saibam lidar com uma montadora, algo que os dirigentes da General Motors não são.
JC - Qual sua expectativa em relação às ações que o novo presidente Barack Obama tomará em relação à crise?
Raskolnikov - Eu acho que o desafio de Obama será como gastar os US$ 700 bilhões destinados para enfrentar a crise. A administração Bush já fez muitos danos à situação fiscal americana. Tradicionalmente, os republicanos sempre defenderam cortar impostos e diminuir os gastos do governo, mas o que Bush fez foi cortar impostos e aumentar os gastos. Então nós estamos em uma situação financeira que não é boa. Mas, ao mesmo tempo, a economia americana está muito melhor do que a de muitos países europeus. Nós podemos sustentar esse gasto de US$ 700 bilhões, mas temos que nos perguntar como gastar isso de forma a não gerar desperdícios.
JC - Na sua opinião, como o governo americano deveria investir estes recursos?
Raskolnikov - Uma forma é em infra-estrutura, como nos tempos da Grande Depressão. A maioria das estradas e pontes americanas está em mau estado de conservação, e seriam um bom alvo para investimentos. Outra seria em habitações populares. Existem muitas coisas que Obama pode fazer, o problema agora é levar estas idéias ao Congresso e ter pessoas inteligentes administrando os programas financiados por estes recursos.
JC - Como deverá ficar a situação econômica dos países emergentes, como o Brasil?
Raskolnikov - Desde que os governos destes países dêem suporte aos seus bancos, eles deverão ficar bem. Isso depende em que a economia do país é baseada. Para a Rússia o futuro não deve ser tão bom, por causa da dependência do petróleo. Mas a economia brasileira não é tão dependente dele, e desde que não exista falta de confiança, e não vejo por que deveria haver, não me parece que haverá grandes problemas no futuro.
Fonte: Jornal do Comércio - 25 NOV 08