O presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou ontem a primeira retaliação de seu governo contra um país sul-americano beneficiado pela política externa da solidariedade diplomática. O alvo foi o Equador, de Rafael Correa, que anteontem elevou o tom de ameaça de expulsão da Petrobrás e reiterou a decisão de não permitir mais as operações da Construtora Norberto Odebrecht no país.
Ciente da carência de investimentos no setor de infra-estrutura do Equador, Lula suspendeu a viagem de uma missão a Quito do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, marcada para quarta-feira, que trataria do apoio financeiro do Brasil a investimentos para a construção de rodovias. Fez questão também de divulgar a decisão em nota oficial do Itamaraty.
Entre as obras afetadas estão as das rodovias do complexo Manta-Manaus, que ligarão o porto equatoriano de Manta, no Pacífico, ao pólo industrial de Manaus, no Brasil. Por vias diplomáticas, o Planalto também advertiu Correa que, se a Petrobrás for expulsa, o Equador terá obrigatoriamente de ressarcir os investimentos da companhia no país - cerca de US$ 430 milhões, desde 1997.
"A Petrobrás nunca precisou investir no Equador. Se o Equador não quer a Petrobrás lá, a companhia vem embora. Mas o Equador terá de pagar um ressarcimento", afirmou um ministro próximo de Lula. Segundo relatou a fonte ao Estado, o presidente mostrou-se ontem "desapontado" e "decepcionado" com Correa, que prometera uma solução tranqüila para o impasse com as duas companhias durante o encontro privado que ambos mantiveram dia 30, em Manaus.
TRAIÇÃO
Na manhã de ontem, ao ser informado sobre o recrudescimento das posições de Quito, Lula convocou o chanceler Celso Amorim. Do encontro saiu a nota oficial com a retaliação, em razão do que foi considerado um ato de traição de Correa.
O texto deixa claro que havia uma espécie de acerto entre Lula e Correa para resolver o problema com as empresas, mas "a expectativa de uma solução" não foi confirmada. Em razão disso, "o governo brasileiro decidiu postergar por tempo indeterminado a ida ao Equador de uma missão chefiada pelo ministro dos Transportes", informou o texto. A nota foi entregue ontem à chancelaria equatoriana pelo embaixador do Brasil em Quito, Antonino Marques Porto-Santos.
O Palácio do Planalto e o Itamaraty esperam agora que Correa se disponha a desfazer o clima de tensão nas relações bilaterais e passe a negociar sob o arcabouço jurídico empresarial. Um ministro do Planalto disse que o Brasil nunca pretendeu entrar no mérito das questões sobre a atuação da Petrobrás e da Odebrecht no Equador. Mas esperava que as insatisfações não fossem lançadas para a relação bilateral. Na conversa com Correa, em Manaus, Lula reiterou essa expectativa.
A retaliação indicou o equívoco do Planalto ao avaliar que o decreto de expulsão da Odebrecht do Equador, do dia 23, devia-se aos interesses de Correa de ampliar o apoio popular à sua nova Constituição, que seria aprovada por ampla margem em referendo cinco dias depois.
O vice-chanceler equatoriano, José Valencia, disse ontem ao Estado que o país tem alternativas, caso a Petrobrás deixe o país. "Há muito interesse pelo petróleo equatoriano. Temos empresas de todo o mundo interessadas (em operar no Equador), incluindo chinesas e indianas", afirmou.
FRUSTRAÇÃO
Ainda ontem, Luiz Mameri, vice-presidente da Odebrecht para América Latina e Angola,expressou a frustração da empresa com a decisão de Correa de manter a expulsão, "apesar da extensa negociação". "Nossa principal preocupação agora são os dois executivos retidos no país", disse Mameri, referindo-se aos dois brasileiros que tiveram os direitos constitucionais suspensos pelo decreto de Correa e estão abrigados na residência da embaixada brasileira.
COLABORARAM JAMIL CHADE E LUCIANA ALVAREZ
CORREA X EMPRESAS
ODEBRECHT
O que alega o Equador: A empresa usou material de baixa qualidade na construção da hidrelétrica San Francisco, o que causou os danos que paralisaram a usina um ano após inauguração.
Também teria subornado funcionários do governo
Como se defende: Diz que realizou as obras conforme previa o projeto do governo equatoriano e os problemas foram decorrentes de erro de projeto. Havia se comprometido a arcar com o custo do conserto, mas Equador não aceitou
PETROBRAS
O que alega o Equador: País quer mudar contratos com todas as petroleiras, tornando-as apenas prestadoras de serviço. Diz que os acordos atuais, que deixam 18% da receita do petróleo para o país, são injustos
Como se defende: Para a companhia não interessa renegociar contrato e tornar-se prestadora de serviço. Diz que, caso governo equatoriano queria assumir o campo onde atua, terá de pagar indenização
Fonte: O Estado de S.Paulo - 10 OUT 08