Sexta, 31 Janeiro 2025

Dita pelo próprio secretário da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Ceará, Roberto Monteiro, a frase desaba ainda mais pesada: "Enquanto tivermos uma estrutura de Polícia Civil falida como é hoje, não vamos ter uma maneira de investigar de forma eficiente essas execuções. A Polícia Civil está falida".

A afirmação vem carregada de constrangimento, diante de uma matança assustadora na Capital e suas cidades metropolitanas, com 248 mortes até julho deste ano contra 337 ao longo de 2007. Como investigar homicídios sem efetivo? Como confirmar a autoria de uma morte sem polícia científica? Como intimidar a ação de alguns policiais que se corrompem para o crime e matam sumariamente por serviço ou vingança? E as milícias clandestinas, que sacramentam o "bico policial" e estabelecem um poder paralelo?

Roberto Monteiro admite que o trauma das execuções urbanas não arrefece. Mesmo com programas públicos de policiamento ostensivo como o Ronda do Quarteirão, ou medidas emergenciais adotadas, como a criação de uma força-tarefa de delegados para investigar esse tipo de crime. Nos próximos dias, ele confirma que assinará portaria para reunir um novo grupo de delegados e reabrir a apuração de assassinatos por encomenda em Fortaleza.

Na força-tarefa anterior, os cinco delegados designados descobriram pelo menos nove mortes associadas a um mesmo grupo de PMs da ativa e a seguranças clandestinos, que agiam a mando de empresários ou vingavam a morte de colegas de farda. Um dos casos, sobre a morte do comerciante Miguel Luiz Neto, ocorrida em 27 de abril de 2007, esmiuçado pela Polícia por mais de um ano, levou ontem quatro dos sete réus a julgamento, na 5ª Vara do Júri.

Para o secretário, a federalização na investigação desses casos seria uma vergonha, "um desprestígio para o Ceará". Monteiro até admite que a incapacidade de investigar tantas ocorrências de execução e a falta de pessoal o obrigam a interferir e escolher quais devam ser priorizados na apuração.

Há uma ordem expressa dele, desde os primeiros dias que assumiu o cargo no Ceará, no início de 2007. Diariamente, um dos primeiros relatórios que recebe em sua mesa é o da contagem de "homicídios suspeitos". É assim que internamente a SSPDS denomina os "crimes contra a vida cometidos mediante paga ou promessa de recompensa, comumente chamados de pistolagens", quando a vítima quase sempre não tem chance de defesa. Pouco antes de conceder a entrevista ao O POVO, em seu gabinete, duas semanas atrás, o secretário havia sido informado de mais um crime de pistolagem ocorrido na noite anterior. De lá para cá, já foram vários a mais.

O POVO - O senhor dizia que as execuções são o calcanhar-de-aquiles da Secretaria da Segurança Pública no Ceará. Continuam sendo?
Roberto Monteiro - Continuam. E eu já afirmei também que esse tipo de delito continua crescendo. Crescimento pequeno (0,9%), mas sistemático em relação ao ano passado, embora o número de homicídios em geral tenha diminuído. No ano passado dava um média de 0,9 homicídio por dia. Hoje temos em média 1,1 homicídio por dia. Esta estatística (de 2008), passada pela Ciops em junho, tivemos 34 homicídios suspeitos de execução em janeiro, 34 em fevereiro e 37 em junho. É bem verdade que esse relatório ainda não está consolidado. Vai ser consolidado pela Coin (Coordenadoria de Inteligência da SSPDS) para evitar as discrepâncias que podem haver. O homicídio suspeito de execução tem todas aquelas gêneses, de pistolagem, vingança, acerto de contas, as mais diversas. O matador de aluguel mata porque acha que deve matar ou porque acha que só resolve o problema da segurança matando bandido.

OP - O que o senhor elencaria como causa dessa não intimidação desses grupos ou dessas pessoas? A prática não diminuiu.
Roberto Monteiro - Não se intimidaram com a operação "Companhia do Extermínio", onde prendemos até um oficial graduado. Não se intimidaram com a presença do Ronda, principalmente em Caucaia e Maracanaú, onde mais ocorrem casos. O Ronda não tem sido fator inibidor para esse tipo de ocorrência. Provavelmente porque eles sabem da missão do Ronda. Realmente, eu não me arriscaria a dizer a causa da não intimidação. São profissionais, sabem das limitações da Polícia. Escolhem o momento exato para praticar o crime. Eles têm todo um planejamento. Uma execução não é feita de supetão.

OP - A principal característica do grupo é o fato de a maioria ser policial. Esses policiais atuam também em grupos de milícias, com uma força paralela muito perigosa. Que tipo de política a Secretaria pensa para desmontar essa prática?
Roberto Monteiro - Esse crime específico é o que mais me preocupa. São vidas humanas que estão sendo ceifadas de uma forma deliberada. Esse tipo de crime coloca o Estado numa posição muito incômoda perante os órgãos federais e perante a comunidade internacional, pessoas ligadas a direitos humanos. Eu recebo o relatório da Anistia Internacional e lá eles dão enfoque ao Ceará por ter problemas dessa natureza. Há um mês eu respondi a uma cobrança do Procurador Geral da República, sobre uma série de homicídios de autorias desconhecidas desde 2006. O assunto é de nossa preocupação. Nesse ofício, o próprio Procurador disse que a minha resposta serviria de subsídio para o pedido de deslocamento de competência (federalização). Mas para nós isso não interessa, pois representa um desprestígio para o Estado.

OP - A federalização é pelo caso do Lenimberg (Rocha, morto em 2006, confundido com outro rapaz acusado de matar um PM)?
Roberto Monteiro - Sim. E outros casos também. A nós não interessa essa federalização, pois representa um desgaste para o Estado. Segundo porque o homem de polícia cearense não vai poder desenvolver sua capacidade para investigar esse tipo de delito. Estamos remontando a força-tarefa que foi dissolvida para investigar esses crimes. A delegada (Alexandra Medeiros) que presidia a força-tarefa pediu afastamento por motivos pessoais. Eu quero pelo menos mais dois delegados. Quero pelo menos três na força-tarefa.

OP - E a criação da Divisão de Homicídios?
Roberto Monteiro - Essa, sim, vai impor mais respeito. Porque a força-tarefa é temporária, provisória. Ela é pontual. Uma investigação dessa natureza tem que ser feita de uma forma integral. Tem que pegar vários casos e confrontá-los.

OP - Foi o que aconteceu, por exemplo, no caso de um policial que receberia promoção pela morte de um acusado e, durante a investigação, acabou-se usando essa ação para provar a participação dele em outro crime.
Roberto Monteiro - Exatamente. Por isso que não gosto muito de elogiar. Só elogio quando ele prende e a pessoa fica viva para contar os crimes que cometeu. O ideal é que prenda o infrator vivo. Esse que a gente prendeu em Jaguaribe (Renilson Torquato), eram debitados em sua conta 20 homicídios. E ele só confessou seis. Mas quem confessa seis confessa 20.

OP - Já falamos aqui o que poderia não intimidar a ação desses criminosos...
Roberto Monteiro - Já orientei o pessoal do Ronda e a Polícia Civil a abrir inquérito porque a montagem de qualquer empresa de segurança precisa ser autorizada pela Polícia Federal. Pegamos em Ipu uma empresa este ano. Eu já passei pelo bairros orientando as pessoas a não pagarem por esse serviço, a chamar o Ronda. Essas empresas de segurança particular alimentam a criminalidade. Até provocam certas situações para justificar, perante a comunidade, a necessidade de se contratar uma empresa. Bico é uma coisa perigosíssima para a Segurança Pública. A Secretaria tem que remunerar bem e ocupar o homem durante seu expediente, para que ele não privatize a segurança pública com empresários.

OP - E a falta de polícia técnica nas delegacias de Polícia Civil. A delegacia do Bom Jardim, por exemplo, tem 97 inquéritos desde 2004 parados sem nada.
Roberto Monteiro - Eu fico constrangido em falar sobre isso. Na realidade, nós não temos efetivo. Um delegado tem o tempo dele todo ocupado resolvendo problemas imediatos. Ou seja, ele precisa ter uma equipe para investigar o homicídio. Se ele não tem efetivo para isso, fica difícil. Às vezes há 20 presos numa delegacia e apenas um inspetor. Cadê aquele homem que fica o dia todo nas ruas, investigando, conversando com as pessoas? Uma investigação é complexa. Às vezes um pequeno detalhe acaba sendo a solução. Enquanto tivermos uma estrutura de Polícia Civil falida como é hoje, não vamos ter uma maneira de investigar de forma eficiente essas execuções. A Polícia Civil está falida.

OP - Qual é o grande caso hoje que o senhor tem conhecimento que as distritais estão investigando? Ou só ficam mesmo na factualidade, no que ocorra de imediato?
Roberto Monteiro - Ficam na factualidade. Um ou outro que chegam até mim eu faço gestões para que seja investigado de uma forma mais visível, para que o pessoal "corra atrás" da investigação. O caso da senhora que morreu queimada, por exemplo. Eu chamei o doutor Dantas (Luiz Carlos Dantas, superintendente da Polícia Civil) que ele falasse com o delegado. Aí ele correu atrás e descobriu. É o que acontece em alguns casos...

OP - O senhor está dizendo que esses casos precisam ter uma interferência??
Roberto Monteiro - Exato. Todas as manhãs e todas as tardes eu recebo da Ciops a relação dos fatos mais importantes. Eu soube, por exemplo, que hoje houve uma execução. Eu ligo para o Dantas e peço que ele acompanhe. Quando há casos envolvendo policiais, eu tomo mais cuidado. Eu zelo pela integridade dos policiais. Eu reforço e fico acompanhando, cobrando. Tem um caso que me chamou muita atenção pela maneira como ocorreu. Não foi nenhum figurão. Mas acompanhei de perto. Foi um caso ocorrido em janeiro deste ano. Uma jovem grávida tomou um tiro quando os policiais perseguiam um bandido. Ela ficou paraplégica, se não me engano. Pedi que fizessem a reconstituição do crime.

OP - A Polícia é obrigada a trabalhar só com prioridades?
Roberto Monteiro - Trabalha. Como não tem estrutura, trabalha dessa forma.

OP - Como senhor pensa em melhorar a estrutura da criminalística?
Roberto Monteiro - Estamos reformando, equipando. Gastamos nove milhões de reais com essa reforma. Vai abrigar o IML e o Instituto de Criminalística. Vamos equipar com o que há de mais moderno. Já temos bastante coisa moderna. Estamos tentando resolver esses problemas.

Fonte: O Povo - 04 SET 08

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