Sábado, 21 Junho 2025

Ao revisitar o berço de sua trajetória política, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revelou que ainda custa a acreditar que chegou ao Palácio do Planalto. “De vez em quando fico em casa deitado, olhando para o teto, e me pergunto: será que é verdade que sou presidente da República?”, disse ontem à noite, nas comemorações de 30 anos da greve que levou 3 mil metalúrgicos a cruzarem os braços na fábrica da Scania, em 12 de maio de 1978.

De volta ao mesmo salão do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em que convocou tantas assembléias do movimento grevista no final dos anos 70 e começo dos anos 80, Lula disse que faria o possível para evitar que o momento fosse transformado em uma “noite da nostalgia”. A tentativa não surtiu efeito. “Voltar a São Bernardo 30 anos depois da greve da Scania é uma coisa emocionante, é uma volta ao passado”, reconheceu.

Quem olhava da platéia via de fato um Lula bem diferente do dirigente sindical que ia para a porta das fábricas. Vestindo terno e gravata, com a barba grisalha impecavelmente aparada, Lula preferiu entrar no salão do evento somente após encerrada a primeira etapa da comemoração: a projeção do documentário Linha de Montagem, do cineasta Renato Tapajós, produzido no início dos anos 80 para narrar as greves protagonizadas pelo hoje presidente e por seus colegas de sindicato.

O Lula do filme pedia a mobilização dos trabalhadores e falava até mesmo em nacionalizar empresas estrangeiras. A voz era perceptivelmente mais jovem, a barba e os cabelos compridos e desajeitados. Na mão, quase sempre um cigarro aceso. “Não subi aqui para ver o filme, até porque não é correto um presidente da República chorar.” Preferiu restringir as cenas de choro àquelas contidas no próprio filme.

Introduzido como “companheiro Luiz Inácio Lula da Silva”, ele disse ver no ato de ontem uma lembrança de onde tudo começou. Na época, o hoje presidente liderava as negociações do movimento grevista que começou na Scania e se estendeu por outras fábricas do ABC. Antes de pedir a volta de todos ao trabalho, teve a promessa de que ninguém seria demitido por 120 dias. O acordo não foi cumprido. “A greve da Scania foi a primeira grande lição que tive na vida, a lição de você fazer um acordo e não ser cumprido. A lição de você ser acusado de traição”, lembrou. “Para os trabalhadores da Scania, tínhamos feito uma traição imperdoável.” Aqueles, segundo Lula, foram “dias malditos”.

Para o hoje presidente, o maior ganho do movimento grevista daquela época não foi o aumento salarial ou melhores condições de trabalho, mas sim o surgimento de uma consciência política entre os trabalhadores.

Lula também teve a oportunidade de lembrar dos hábitos do tempo em que não era presidente. Falou várias vezes no prazer de “prosear” com os amigos e beber uma “51 com limão”. E rebateu os críticos: “Hoje as pessoas podem achar ruim essa coisa de beber, mas se tem uma assembléia às 4 da manhã na porta da Volkswagen, num frio desgraçado, se você não toma um copinho, de fato você não conseguiria.”

Com um discurso misto de presidente e de líder sindical, Lula arrancou da platéia gritos por um terceiro mandato. Num momento o coro era de “um, dois, três, Lula outra vez”. Em outro, “olê, olê, olá, Lula, Lula”. Seguindo a postura dos últimos meses, ele não incentivou as manifestações. Mas também não pediu que cessassem os gritos.

Fonte: O Estado de S.Paulo - 13 MAI 08

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