De mãos atadas pelas leis do mercado e dependendo do voluntarismo dos governos, a Organização das Nações Unidas (ONU) pena para anunciar uma estratégia internacional para lidar com a crise da alimentação. Na terça-feira, em Berna, a ONU revelou um plano em três etapas para tentar dar uma resposta à crise que já afeta 100 milhões de pessoas. Para a ONU, a ameaça da fome hoje é maior que a do terrorismo.
Mas com apenas 3% do dinheiro pedido para superar a crise e distribuir alimentos, a ONU não tem como controlar especuladores e nem como forçar governos a eliminar medidas que distorcem o comércio que estão inflando a crise. Em um encontro de dois dias em Berna, as lideranças das 27 agências da ONU fecharam uma estratégia para dar uma resposta à crise, com a criação de uma força-tarefa.
Mas o debate em meio a almoços luxuosos regados com vinho, salmão e carpaccio apenas evidenciou a esquizofrenia do sistema e foi criticada por entidades como a Care e a Oxfam. Todos os participantes concordam que a crise é resultado do abandono da agricultura nos países em desenvolvimento. Enquanto isso, em seis meses, os alimentos subiram em 50%. "Não podemos repetir os erros do passado", afirmou Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, alertando que os problemas já eram conhecidos há anos.
"Lamento que a comunidade internacional não ouviu antes os sinais de alerta", disse o chefe da diplomacia da ONU. "Há a ameaça de fome geral no mundo. Trata-se de uma crise sem precedentes", afirmou. "Sabíamos que chegaríamos a esse ponto e alertamos a todos. Mas não tomamos decisões na hora certa com investimentos e ajuda aos países mais pobres. Agora, pessoas morrem e até governos são derrubados", afirmou Jacques Diouf, secretário da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Já o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, criticado por não ter feito investimentos suficientes no setor agrícola, prefere culpar governos, que são os clientes do banco. "Os países investiram menos na agricultura", alertou. Diante do tiroteio, a ONU chegou a um plano em três fases. No curto prazo, o objetivo é conseguir doações para financiar a distribuição de comida a 73 milhões de pessoas.
Hoje, a entidade tem em mãos menos de 3% dos US$ 775 milhões que pediu para completar o novo orçamento de US$ 3,1 bilhões para alimentar os mais pobres. Na prática, a ONU conta em caixa com US$ 20 milhões e promessas de mais de US$ 400 milhões. "Mas promessas não alimentam", alertou Zoellick.
Segundo ele, se os fundos solicitados aos doadores não forem cobertos, o mundo correrá o risco de presenciar ainda mais o aumento da fome, da desnutrição e do surgimento de distúrbios sociais em uma escala sem precedentes. Para Zoellick, a crise não acabará com as doações e a ONU precisa sentar com os países mais afetados para elaborar medidas. A conclusão da Rodada de Doha, com a redução dos subsídios nos países ricos, também é uma medida de médio prazo para permitir que as economias pobres possam ter espaço no mercado mundial para produzir e vender sem distorções.
Fonte: Jornal do Comércio - 30 ABR 08