Domingo, 02 Fevereiro 2025

O Ministério de Minas e Energia terá a partir de hoje um novo comandante. O senador Edison Lobão (PMDB-MA) assume o cargo com o desafio de evitar uma nova crise de abastecimento energético, como a que ocorreu em 2001. Crise esta que, segundo o deputado federal pelo PPS de São Paulo, Arnaldo Jardim, já chegou. "Ela não está ocorrendo quando você vai na tomada ligar algum aparelho e a energia não surge; ela não está, ainda, na desativação de uma determinada indústria. Mas está presente pelo preço, que teve uma escalada formidável, que fez com que setores industriais descartassem expansões ou novas unidades", conta, em entrevista ao programa Panorama do Brasil, da TVB, que foi ao ar na manhã de hoje e pode ser acessado no site do DCI (www.dci.com.br).

Segundo Jardim, o valor do megawatt está nos níveis que alcançou no período do apagão, no governo Fernando Henrique Cardoso. Na entrevista, o deputado apresenta alternativas para os problemas enfrentados, mas avisa: "Hoje, fazendo uma avaliação realista, vamos passar por um sufoco grave nos próximos dois anos, sempre tendo o risco de que o humor de São Pedro comprometa muito a situação". O deputado é especialista na área de energia e integra a Comissão de Minas e Energia da Câmara.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista do deputado federal Arnaldo Jardim ao programa Panorama do Brasil.

Roberto Müller Filho: Vamos começar falando de uma área que é uma das suas paixões, a energia.

Arnaldo Jardim: Acho que este é o tema que vai dominar o primeiro semestre deste ano. De repente, ele pode ser atropelado um pouco pela questão econômica, a situação internacional pode dar um condicionante distinto e temos também por aqui uma certa tensão inflacionária e o problema cambial, mas acho que a questão energética vai dominar o debate deste primeiro semestre e ela é estratégica para o crescimento do País.

RM: Vamos ter apagão ou não?

No ano passado crescemos em torno de 5% e o crescimento do consumo de energia foi de 6,7%, ou seja, superior à taxa de crescimento. O que é uma disposição energética? Significa disponibilidade para a cidadania do ponto de vista residencial, do ponto de vista da produção de um conjunto de energia que deve ser abundante, bem distribuído e a um custo acessível, porque isso implica diretamente a competitividade do País. No último dia 10, os indicadores e a negociação no mercado paralelo de energia, chamado de mercado livre, voltou à casa de R$ 500 o megawatt, que equivale a quase o preço que no auge do apagão, em 2001, foi negociado o megawatt.

Getulio Bittencourt: Ou seja, o mercado está achando que terá apagão. E o por que isso pode acontecer novamente? Faltou investimento?

AJ: Faltaram várias questões. Primeiro, faltou investimento. E onde faltou investimento? Em fontes alternativas de energia. Hoje não há como não utilizar a energia nuclear. Acho que está certa a retomada de Angra de Reis. Este projeto deveria ter sido tocado anteriormente, ele tem sustentabilidade do ponto de vista econômico e as questões ambientais estão praticamente resolvidas. Existe uma questão sobre a disposição dos dejetos, do resíduo nuclear, mas a usina tem condições de segurança para operar. Então, precisamos aprofundar e acelerar a discussão da energia nuclear. A disponibilidade de hidroelétrica também é outro ponto. Atualmente, 93% da matriz energética vem das grandes hidroelétricas. Temos ainda potencial a ser explorado, particularmente, no Norte e no Centro-Oeste, como a hidroelétrica do rio Madeira, que veio e foi uma solução positiva. Tivemos um atraso que vai implicar uma penalidade, ele aconteceu basicamente por falta de gestão ambiental adequada. Ninguém defende, em uma situação como a de hoje, que se ignorem as questões ambientais ou que se faça letra morta das exigências, mas você tem que ter mais agilidade no processo.

GB: A falta de gestão ambiental a que você se refere foi da parte das empresas privadas, da parte do governo ou de ambos?

AJ: Do governo, porque cabia ao governo a análise ambiental primeira, isso só se transfere para a empresa na medida em que existe um modelo definido, quando existe esta delegação, que foi feita a partir da licitação. Agora as tratativas de implantação se fazem pela empresa, mas o momento inicial é o aporte de estudo ambiental, que deve ser feito pelo governo. Repito: não é abrandar nenhuma exigência, mas seria ter mais velocidade. Então, o potencial hidroelétrico ainda existe, é muito importante que ele integre a matriz. Mas precisamos ter definitivamente incorporado a biomassa, o bagaço de cana e outras fontes na nossa matriz energética. Hoje existe também a questão solar e a dos ventos [eólica]; embora sejam componentes mais caros, precisamos ter uma política clara para estas fontes alternativas. Vamos ter de usar também o carvão. Ou seja, você vai ter de aumentar o cardápio, diversificar as matrizes energéticas. Sempre tive um preconceito muito grande com o carvão. Vamos ter de importar. Nosso carvão é um carvão limitado, tem um aterro de cinzas muito alto, ele se concentra basicamente em Santa Catarina. Então ele tem um aproveitamento, mas hoje existem metodologias de diminuir a poluição do carvão e o carvão é mais abundante que o próprio petróleo na natureza.

RM: O uso mais intenso do carvão não agrava os problemas ambientais?

AJ: Infelizmente agrava, acho que o ideal é exatamente o uso das fontes hidroelétricas. Boa parte do potencial no Sul e no sudeste, cerca de 50%, já é utilizada, mas no Centro-Oeste ainda há uma boa capacidade para ser utilizada. No Norte é o que se faz agora com a construção das usinas hidroelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira. Precisa dar seqüência a Belo Monte. Vamos ter de ampliar essas fontes hidroelétricas, mas nossa matriz para suprir a necessidade de energia, teremos de ter outras alternativas.

Milton Paes: O mercado vem se comportando de uma forma adversa ao que o governo vem afirmando sobre a crise energética. Dá para dizer que a possibilidade de apagão não está descartada?

AJ: Existe o risco do apagão, e, sob certo aspecto, já está ocorrendo. Ele não está ocorrendo no aspecto de você ir à tomada ligar algum aparelho e a energia não surgir; ele não está existindo com a desativação de uma determinada indústria; mas ele está existindo por este preço que teve uma escalada formidável, que fez com que setores industriais descartassem a expansão ou novas unidades - e não estou falando nisto como uma questão retórica, como um parlamentar dando uma opinião política, quem falou isso foi a Companhia Vale do Rio Doce, que anunciou que estava postergando investimento por conta de não ter garantias de suprimento de energia. Quem falou isso foi o doutor Jorge Gerdau, na Comissão de Minas e Energia que integro na Câmara dos Deputados. Um dos maiores empresários deste país disse o seguinte: que uma série de seus empreendimentos ele estava pensando em levar para o exterior, e ele falou especificamente o Canadá, porque lá tem garantia de suprimento a um preço mais acessível. Então, já está tendo um efeito perverso, que está exatamente no preço, que está inibindo a atividade produtiva.

RM: Por enquanto o aumento é só na energia livre?

AJ: O outro mercado é um mercado onde temos a figura de pré-contratação, são os contratos estáveis. Estou me referindo à energia elétrica. No caso do gás, que merece todo um capítulo à parte, tivemos uma expansão muito acentuada, a Bolívia não tem cumprido os contratos de fornecimento conosco, apesar de um ano atrás o presidente ter lançado mão, nacionalizado, os ativos da Petrobras, o fez a preço menor do que era o preço de mercado. Interrompeu, mesmo não tendo disponibilidade de entregar tudo ao nosso país do que seria necessário e fez um acordo com a Argentina de entrega do gás, ou seja, aumentou ainda mais a sua dificuldade de honrar os contratos anteriores. Agora, na última ida do presidente, anunciou a disposição de fazer novos investimentos, mas mesmo assim os fornecimentos não estão sendo honrados pela Bolívia.

GB: Estamos vivendo um período de seca. Se esta seca se prolongar por mais algum tempo, você tem idéia do impacto imediato na nossa distribuição de energia?

AJ: O que já estamos vivendo hoje em Sobradinho, por exemplo. Ela está com uma capacidade de 18%, o que é uma situação muito grave para o período que estamos vivendo, de águas. Podemos, ainda, nos meses de fevereiro e março, ter alguma recomposição. Neste instante as termoelétricas estão passando a ser todas despachadas. E quando despachamos as termoelétricas, o que despachamos é o seguinte: Põe as termoelétricas para produzir, então você pega o gás e usa nas termoelétricas, com isto você não tem gás suficiente a todo o mercado consumidor de gás. Já existe um plano de racionalização, de contingenciamento, que está sendo determinado. Foi isto que gerou a crise, por volta de novembro, do ponto de vista da Comgás e da CGE no Rio de Janeiro, que foi a diminuição do suprimento. Aqui a Petrobras bancou a diferença e algumas indústrias deixaram de usar o gás e passaram a usar o óleo, em um processo que tem um comprometimento ambiental e uma alta de custos que a Petrobras está sendo obrigada a bancar.

RM: Quais soluções o senhor preconiza para evitar o apagão?

AJ: Primeiro, os empreendimentos na área energética devem ter prioridade nas análises de órgãos ambientais, isso é fundamental. Particularmente os investimentos na área de hidroelétricas. Segundo: ampliar a exploração dos recursos hidroelétricos na Região Norte, implementar os programas de Pequenas Centrais Hidrelétricas [PCHs] Não temos mais espaço aqui em São Paulo para ter mais uma nova Água Vermelha ou Porto Primavera, mas temos uma rede imensa de PCHs. Terceiro ponto: acelerar o programa nuclear, acho que não podemos ter hesitação sobre isso. Também impulsionar o programa de biomassa, gerar energia a partir do bagaço da cana da palha de arroz ou material lenhoso, que tem alguns problemas de conexão, algumas portarias que devem ser baixadas agora pela Aneel vão viabilizar isto e há também um primeiro leilão, marcado para o dia 15 de abril - e é importante que sejam garantidas as condições para que ele tenha sucesso. E daí, só o setor sucroalcooleiro pode garantir uma outra Santo Antônio, são 3 milhões e novecentos mil megawatts. O setor sucroalcooleiro do jeito que está hoje constituído garantiria isto. E num prazo de implantação muito rápido, porque a estimativa otimista é que Santo Antonio passe a gerar energia em 2012 e podemos fazer isto em dois anos no setor sucroalcooleiro. Existem soluções. Tem uma lição que é simples, que aprendemos em 2001. Mais uma vez, a boa surpresa veio de onde? Do povo, da população, que fez com que o consumo residencial caísse. Então, acho que o governo tem de entrar hoje com uma campanha de educação, de convocação, de mobilização e também de estimulo tarifário - quem economizar tem de ter uma premiação. Acho que houve um relaxamento, todas aquelas campanhas de eficiência energética diminuíram Além disso, é preciso uma estabilização do marco regulatório e a entrada do gás na produção é fundamental. Temos o potencial da Bacia de Santos, e da Bacia de Camamu, na Bahia. Acelerar isso para que o gás venha em abundância. Vamos ter agora o sufoco de dois anos. Passar 2008,2009 e 2010 é meio como cruzar o Rubicão, depois disto alguns projetos vão ter maturidade e vai ter uma relativa tranqüilidade. Mas estes próximos anos vão ser de muito aperto.

RM: No caso do biodiesel, qual é a relevância que ele tem, embora cubra um percentual tão pequeno das nossas necessidades?

AJ: O combustível mais usado no nosso país é o diesel. Quando falamos do biodiesel, falamos em adicionar o óleo vegetal no diesel. Em um primeiro momento, a partir deste ano, a regra é fazer o B2, que é adição de 2% de óleo vegetal - pouquinho, mas dentro do consumo de combustível passa a ser muito relevante, porque 2% equivalem a 800 milhões de litros, então é uma coisa grande em significado. Acho que o governo cometeu um erro na formulação do programa e está pagando o preço por isso agora, porque neste início não estamos conseguindo cumprir a meta de mistura de 2%. Por quê? Veja, acho que temos de prestigiar a agricultura familiar, é importante, mas você não poderia fundamentar uma alternativa energética só na agricultura familiar. O programa ficou muito calcado nisso e ele não tem escala. É preciso de uma agricultura mais extensiva, se buscou fontes alternativas, como a mamona, mas existe algo do tamanho da soja, que já tem know-how e escala para você poder fazer isso. Acho que tem de retomar, tem de estender benefícios tributários também para o centro-oeste, eles estão só localizados no norte e no nordeste, porque vale a pena se investir e se trabalhar no horizonte para se ampliar o B2 para B3, B4 e assim por diante.

GB: Das alternativas que o senhor citou para evitar uma crise energética, pergunto se algumas delas são realistas em relação ao tempo? A solução mais rápida são as termoelétricas; fora isto, todas as outras demoram mais.

AJ: No setor de energia é isso mesmo, o mais rápido, embora tenha um custo elevado são as termoelétricas. Tem o custo econômico e tem o custo ambiental. Você tem a questão da biomassa que pode ser feita de maneira relevante. Mas hoje, pela situação, fazendo uma avaliação realista, nós vamos passar por um sufoco grave nos próximos dois anos sempre tendo o risco que o humor de São Pedro comprometa muito a situação.

RM: Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a energia enquanto combustível que, parece, tem um cenário mais promissor. Em específico, o combustível petróleo e o combustível etanol. O que representa isso para o crescimento do País?

AJ: O Brasil perdeu, há dois anos a posição de maior produtor de etanol do mundo. Perdemos para os Estados Unidos. Mas é uma boa notícia esta, porque mostra que o etanol ganhou reconhecimento internacional e passa a ser uma alternativa. Hoje é facultativa a mistura de etanol no Japão - se ela passar a ser obrigatória isso significa um novo salto de qualidade do ponto de vista ambiental. Então, o álcool veio para ficar e o Brasil é campeão na qualidade e no preço. No caso do petróleo, o cenário é muito produtivo. Quanto ao cenário de gás, ainda não temos garantida a auto-suficiência, mas a Bacia de Santos, no Espírito Santo, vai nos permitir não ficarmos tão dependentes como estamos hoje. Nosso consumo de gás é em torno de 46 milhões de metros cúbicos por dia, sem contar o que a Petrobras utiliza para o seu consumo próprio, dos quais 30 milhões vêm da Bolívia, ou seja, uma situação de dependência muito acelerada.

Fonte: DCI - 21 JAN 08

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