A degravação da caixa-preta que registrou os últimos 30 minutos do vôo 3054 mostrou que tudo corria tranqüilamente a bordo do avião, que saiu de Porto Alegre com destino a São Paulo (leia transcrição na página 10). Faltando meia hora para o pouso, uma comissária revelou aos pilotos que nem sabia aonde a aeronave desceria. O comandante respondeu que seria em Congonhas. Ela se mostrou alegre e disse: “Grande”. Também, pela transcrição, ficou claro que os pilotos foram avisados pela torre que a pista estava molhada e escorregadia. O comandante Henrique Stephanini di Sacco pareceu fazer uma reflexão quando foi informado do estado da pista. “Molhada e escorregadia”, comentou, em tom exclamativo no final.
O texto da degravação está em inglês. Os deputados Rocha Lores (PMDB-PR) e Luciana Genro (PSOL-RS) fizeram o papel de tradutores para os demais membros da CPI. O brigadeiro Jorge Kersul Filho, comandante do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), deu as explicações técnicas. Por exemplo: a voz que pede para que o pouso seja retardado é de um computador de bordo. O brigadeiro teve de esperar quase três horas para começar a falar. Antes disso, ouviu queixas de deputados ao esclarecer que eles não poderiam ouvir os diálogos porque o software capaz de fazer a leitura só é disponível nos Estados Unidos.
Luciana Genro impôs um tom dramático na sua narração, justamente a parte que relata o acidente, os gritos, o desespero. O presidente em exercício da CPI, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), suspendeu a sessão por 15 minutos após a leitura.
Ficou muito claro que os pilotos sabiam que a aeronave tinha apenas um dos reversores – que fica nas turbinas e se abre, para ajudar no sistema de frenagem dos aviões. O comandante até pediu ao co-piloto Kleyber Lima que não se esquecesse disso. “Lembre-se de que temos apenas um reverso”, disse. “Sim, nós só temos o esquerdo”, respondeu o auxiliar.
Ao se aproximar para o pouso, e já sobre Diadema, o comandante avisou que estava tudo pronto para que a aeronave descesse. Em seguida, recebeu a autorização para pousar na pista principal. Pediu ao co-piloto para checar o estado da pista. Este perguntou e a torre respondeu que estava molhada e escorregadia. A aeronave foi mantida no curso normal. Momentos antes de o avião tocar a pista, o computador de bordo fez uma advertência: “Retarda. Retarda. Retarda”. Quando a aeronave já se encontrava na pista, o co-piloto voltou a lembrar que havia um reverso apenas. E deu o alarme de que os spoilers (abas que abrem em cima da asa para ajudar na frenagem) não funcionavam. A partir daí, houve terror.
Ao ouvirem as últimas palavras dos pilotos, os deputados fizeram um minuto de silêncio. Abatido, o brigadeiro Kersul ficou com os olhos marejados. Mais tarde, disse que se fosse piloto hoje só iria se comunicar com o co-piloto por meio de uma prancheta para não permitir que em caso de acidente tudo fosse divulgado.
Fonte: Jornal do Commercio - 02 AGO 07