Informação do Relatório Reservado (RR) especula que a presidente Dilma Rousseff deverá criar um grupo de acompanhamento da indústria automobilística com o objetivo de planejar o desenvolvimento do setor e promover mudanças estratégicas já a partir de 2015. A medida, informa RR, vem sendo acalentada no Palácio do Planalto desde março deste ano, portanto muito antes do início da campanha eleitoral. A coordenação dos debates internos sobre o projeto está a cargo do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que, por sinal, demonstra não se sentir muito à vontade com a missão. Mercadante é uma espécie de Deus e Diabo na terra das montadoras. Se, por um lado, considera que é inevitável intervir no setor automotivo, por outro tem ligações históricas com o setor - o PT nasceu nos parques das montadoras.
A nomenclatura adotada pelo governo é propositalmente dúbia. Não se trata apenas de um grupo para acompanhar o desempenho da indústria automobilística, mas também para adequar a produção às necessidades de um novo modelo de mobilidade urbana. As montadoras estão cuspindo muito mais carros nas cidades do que o crescimento das taxas demográficas. Automóveis, que já foram sinônimo de solução, tornaram- se eufemismo de problema, seja pelo efeito nocivo sobre a circulação nos grandes centros, seja pelo seu elevado impacto ambiental. Ao mesmo tempo, a indústria automobilística tem contribuído menos na arrecadação de tributos. Talvez seja o setor com maior poder de chantagem fiscal sobre os governos. Ano sim, outro também, arranca uma desoneração por motivos igualmente invariáveis: elevação do custo de financiamento, aumento excessivo da folha de salário, mudanças drásticas do câmbio. Só que as montadoras são favorecidas por uma redistribuição de renda perversa. Nadam em subsídios e incentivos doados pelo Tesouro. Se, por um lado, a indústria automobilística economiza em tributos, por outro exporta mais capital. É um dos segmentos que realiza a maior repatriação de lucro entre as empresas estrangeiras. No ano passado, as fabricantes de automóveis instaladas no país remeteram à matriz cerca de US$ 3,3 bilhões.
No entanto, nem tudo são espinhos. O setor é intensivo em mão de obra - entre vagas diretas e indiretas, soma mais de 1,5 milhão de postos de trabalho -, emprega pessoal especializado, ou seja, com remuneração salarial mais alta, está entre os segmentos com maior coeficiente de inovação e tem um papel razoável na pauta de exportações brasileiras, além de responder por algo em torno de 18% do PIB industrial. Ressalte-se ainda que o segmento fez uma espécie de ocupação geoeconômica. Em algumas localidades do país, fábricas de automóveis são o próprio município em que estão. Em razão das tantas variáveis positivas e negativas que pesam na balança, a indústria automobilística tem um pé no paraíso e outro no inferno. Esta ambígua combinação torna ainda mais complexo qualquer movimento de reorientação do setor. Dobrar o lobby das montadoras é uma tarefa nuclear. Mas Dilma Rousseff está convencida de que é necessário confrontar o segmento e caminhar progressivamente para outras soluções de transporte. O governo não vai se furtar a apoiar essa transição. De antemão, até que alguma decisão seja tomada, pode se esperar que o oligopólio das quatro rodas se dirija em carreata para Brasília com a faca entre os dentes.