A preocupação em garantir políticas públicas que promovam, no País, a segurança necessária para se ter uma alimentação saudável, faz com que a Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU), desde 2012, realize uma campanha contra o uso abusivo de agrotóxicos na agricultura brasileira. Nesse sentido, a entidade promoveu o debate, no início de junho, que integrou a 5ª Jornada Brasil Inteligente, sobre a “Alimentação nas Eleições 2014”, reunindo vários especialistas no tema. A atividade contou, também, com a parceria da Federação Interestadual dos Nutricionistas dos Estados de Alagoas, Bahia, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco e São Paulo (Febran) e do Sindicato dos Nutricionistas de São Paulo, e tem como intuito elaborar uma plataforma política para os candidatos que disputam o próximo pleito eleitoral.
Na entrevista, a seguir, uma das participantes do evento, Susana Prizendt, defende a mudança radical do modelo vigente na agricultura do País, passando da monocultura com uso intensivo de agrotóxicos para a agroecologia sem uso dessas substâncias. Ela é arquiteta urbanista, trabalha com bioarquitetura e atua também como ativista e educadora, participando de grupos nas áreas de agroecologia, permacultura, segurança alimentar, agricultura urbana, valores humanos e economia solidária. Atualmente também coordena, no Estado de São Paulo, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e é co-criadora da iniciativa Muda-SP, Movimento Urbano de Agroecologia de São Paulo.
Quais os principais problemas que a senhora apontaria na utilização do agrotóxico em nosso País? E como está o Brasil em relação a outros países?
Susana Prizendt – Desde 2008, adquirimos o pesado título de campeões mundiais na utilização de agrotóxicos nos campos em que cultivamos nossos alimentos. Nosso solo recebe cerca de 20% do total dos pesticidas fabricados no mundo. Um bilhão de litros a cada ano. Se dividirmos essa quantia pela população do país, teremos nada menos do que 5,2 litros por brasileiro. Para agravar o cenário, ainda permitimos o uso de 20 substâncias perigosas, que já foram proibidas na maior parte dos países por provocarem graves consequências sociais, econômicas e ambientais. Por ser um país tropical, com temperaturas altas durante os dias de trabalho no campo, é muito complicado para os agricultores utilizarem equipamentos de segurança, como máscaras, luvas e roupas especiais devido ao calor e essa dificuldade de utilização acaba provocando uma maior exposição aos produtos tóxicos pulverizados por eles sobre as plantações.
Como conciliar produção agrícola em grande escala e meio ambiente?
Prizendt – O modelo predominante, instalado a partir do que se chamou Revolução Verde, baseia-se em monoculturas sobre grandes propriedades individuais de terra e na utilização de produtos tóxicos para o controle de pragas. Ele até agora não solucionou o problema da fome mundial porque é um sistema que concentra renda e não distribui os alimentos produzidos de uma forma justa. Além disso, ele tem como foco o cultivo de commodities para serem comercializadas pelo grande capital, destruindo a biodiversidade da natureza de cada região, através do rompimento do equilíbrio dos ecossistemas, do solo e dos ciclos da água.
Continua sendo rentável somente através da expansão das fronteiras de cultivo, já que provoca a degradação das terras que utiliza por períodos contínuos. Para que seu expansionismo seja viável, há a incorporação permanente de novos territórios a serem cultivados, avançando em direção às áreas preservadas e expulsando os pequenos camponeses de suas terras.
Como nossos territórios no planeta não são infinitos, tal modelo está condenado ao fracasso, necessitando urgentemente ser transformado para garantir a sobrevivência dos bilhões de seres humanos que habitam a Terra.
Para solucionar esse imenso problema, é que nós, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, temos como meta a promoção da Transição Agroecológica, que nada mais é do que a implantação de um novo modelo, caracterizado pelo cultivo sem produtos tóxicos, pela manutenção do equilíbrio dos recursos naturais e pela valorização harmônica da biodiversidade, reorganizando os atuais latifúndios em propriedades menores, nas quais os camponeses poderão praticar suas técnicas milenares, baseadas em relações harmônicas com o ambiente, somadas os novos conhecimentos que pesquisadores comprometidos com o equilíbrio dos ciclos naturais estão gerando.
Quais os prejuízos que a utilização excessiva pode causar à saúde humana e ao meio ambiente?
Prizendt – Em relação à saúde humana, a Abrasco (Associação Brasileira de Profissionais de Saúde Coletiva) produziu um extenso relatório, disponível no site da campanha www.contraosagrotoxicos.org , em que descreve um conjunto de danos desencadeados pela exposição aos venenos usados no campo. Entre os males descritos, encontram-se as disfunções neurológicas, a indução ao aborto e à má-formação fetal, o desregulamento endócrino e mesmo o câncer, doença de difícil tratamento que está se ampliando até mesmo em crianças.
Já na área ambiental, todas as vezes em que essas substâncias são aplicadas, elas escapam ao controle humano, sendo transportadas pelo vento e pela água da chuva; se infiltram no solo, atingindo os lençóis freáticos; entram no organismo dos seres vivos, onde se acumulam no tecido gorduroso, se perpetuando na cadeia alimentar, que é o sistema em que os animais se alimentam da carne de outros animais. Ou seja, há um processo contínuo de contaminação em que cada vez uma presença maior de princípios tóxicos é constatada nos ecossistemas, gerando a desagregação das condições para a manutenção equilibrada da vida.
Para a senhora é totalmente descartada a utilização desses defensivos na produção de alimentos?
Prizendt – Realmente não há como prosseguir na utilização dos agrovenenos, já que com seu uso fica impossível garantir a segurança no consumo dos alimentos produzidos, nem como impedir a contaminação e a degradação ambientais. Não existe um uso correto ou moderado de pesticidas porque eles acabam gerando pragas cada vez mais resistentes, necessitando de aumento de toxicidade ou quantidade para combatê-las. Sua lógica de funcionamento é essencialmente anti manutenção da vida, já que foram criados com a função de matar seres vivos.
Em relação à segurança de pesquisas já realizadas para a aprovação dessas substâncias, devemos atentar para o fato de não existirem estudos que analisem a interação dos diversos princípios de que são compostas no ambiente e em nossos corpos por períodos mais amplos. Assim, a ideia de que há doses seguras para o consumo é totalmente falsa.
E a política atual do País com relação aos agrotóxicos?
Prizendt – No Brasil, há políticas públicas que favorecem os agrotóxicos, como a isenção fiscal para comercialização, ou seja, há ampliação do lucro privado de uma minoria e cada vez mais gastos para o setor público, já que os danos provocados pelos venenos não contam nem com os recursos dos impostos que seriam cobrados em sua venda.
Os programas de crédito ao cultivo exigem, para aprovar o financiamento, que os agricultores apresentem notas fiscais de agrotóxicos, adubos químicos e sementes, criando a obrigação da compra de um pacote básico de produção imposto pelas multinacionais. Se um agricultor não compra esse pacote, é muito mais difícil que consiga financiamento para sua produção.
Sobre a análise das substâncias para a aprovação e a fiscalização de seu uso no país, há uma situação precária nos órgãos públicos responsáveis, com poucos funcionários para um trabalho gigantesco e uma forte pressão dos setores econômicos envolvidos que, através do judiciário, chegam até a bloquear processos de revisão, efetuados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), das liberações para agrotóxicos atualmente permitidos,mas sobre os quais já existem evidências de serem danosos à saúde, paralisando a conquista de melhorias do sistema. A bancada ruralista do Congresso, representante dos latifundiários e das multinacionais, que bancam suas campanhas, exerce grande influência nessa política, com ameaças em votações estratégicas ao governo, tornando-o refém dos seus interesses.