Editorial | Coluna Dia a Dia
Portogente
Não. Independentemente do fim do chamado ‘shutdown’, não. Quando uma complexa máquina é desligada, não basta ligá-la novamente na tomada, é preciso ir religando todos circuitos internos, um por um. Demora. Enquanto isso, por mais rápido que essa operação ocorra, muito tempo é perdido (‘time is money, yes...”). Anos. Quanto maior a paralisação, pior.
Principalmente sabendo-se que os problemas que o causaram não estão resolvidos, apenas adiados: em janeiro/2026 pode começar novo ‘shutdown’. Recorde, como este iniciado em 1º de outubro. O curto-circuito que desligou a máquina enorme foi resolvido com um frágil esparadrapo.
Ah, sim, estamos falando de portos, logística e processos de movimentação de cargas, fundamentais para a economia dos EUA (USA). Não, ainda não dá para usar o sistema. E nada garante que será possível. Trocaram por areia (tarifaços e incertezas) o óleo que lubrificava o motor da economia. Peças estão desgastadas e não foram repostas, outras foram retiradas ou propositalmente danificadas (estatísticas, por exemplo: quem lembra como eram e vê como são agora, entenderá).
Veja mais: Shutdown nos EUA pode se encerrar; especialista analisa impactos – 11/11/2025
Mesmo escritos pouco antes do fim da paralisação do governo (aprovado pelo Senado, ainda passa pela Câmara e aguardará sanção presidencial), estes comentários não perdem atualidade.
É que tratam dos efeitos deste evento desastroso apenas na área de transportes/logística, sem sequer aventurar análises de como afetarão direta e/ou indiretamente, talvez por décadas, segmentos como agricultura, indústria, comércio, economia em geral, turismo, educação, pesquisa científica governabilidade do país, saúde e bem-estar dos cidadãos...
Nota: essa previsão negativa não é feita por opositores ou gente mal informada, o analista tem nome: Kevin Hassett, diretor do Conselho Econômico Nacional dos Estados Unidos. Afirmações feitas no dia 7/11, na White House. E ele não está só. Os EUA perderam pontos nas análises de risco-país feitas neste ano pelas chamadas ‘agências de rating’.
Veja mais: Hassett diz que impacto do shutdown é pior que esperado, mas prevê recuperação rápida - 7/11/2025
Imaginemos um raro exportador que conseguiu reter clientes nos EUA, apesar dos tarifaços, embarcando sua mercadoria em setembro. O navio chegou ao porto estadunidense já fechado. Ou conseguiu descarregar, mas a Aduana estava paralisada. Ou teve entrada liberada mas não havia transporte. Ou havia transporte mas o importador estava com atividades suspensas/prejudicadas como efeito indireto do ‘shutdown’.
Quantos dólares foram perdidos aí? Mesmo que enviasse diretores ou técnicos, por avião, para desobstruir caminhos burocráticos, 4% de todos os vôos internos foram cancelados por falta de gente no controle aéreo. Peças de reposição despachadas emergencialmente para algum conserto também enfrentaram esses problemas para chegar. Esse é um quadro geral dos tipos de prejuízos causados.
Veja mais: Maior shutdown da história dos EUA chega ao 36º dia; veja impactos - CNN Money, 5/11/2025
Recuperação rápida? Imagine um trem com 120 vagões, parado há semanas: calcule quanto tempo demora para acelerar a meros 30 km/h. Não esqueça: primeiro ache o maquinista; inspecione a locomotiva, faça todos os engates, confira os vagões e suas cargas, consiga a liberação das linhas... Para os curiosos: no Brasil, o limite é de 80 km/h em trechos específicos de ferrovias bem conservadas e a velocidade média é de 20,48 km/h. Nos EUA, até 112 km/h para ‘Z-trains’ (intermodais/alta velocidade); média nacional de 32 a 48 km/h. Feitos os preparativos, serão mais uns 2 a 5 minutos acelerando até chegar à velocidade média.
Agora, repita o processo com números adequados para um navio. Para uma indústria ser religada e conseguir funcionar plenamente. Para uma fazenda falida voltar a produzir (com seus novos donos). Para refazer ou recuperar atrasos na pesquisa científica teórica e prática... Para as pessoas recuperarem sua saúde, seus empregos...
A própria White House faz a conta nacional: US$ 15 bilhões semanais de PIB perdido durante o desligamento. Menos 0,2% do PIB a cada semana. Menos 43 mil empregos a cada sete dias, informa o banco J.P.Morgan. Só que não basta virar a chave e religar a luz, considere efeitos econômicos e sociais por muitos anos. Valor incontável. Quanto vale confiar no parceiro?
Quanto perdeu aquele exportador citado acima? Fustigado pelas tarifas e agora pela paralisação – que pode recomeçar em dois meses –, ainda quererá negociar com um país não mais confiável? Onde o que era momentâneo está virando permanente? Quanto o USD se desvalorizou perante o EUR e até o BRL?
Mesmo que nosso exportador prefira arriscar, encontrará caminhos desimpedidos para seus produtos? O mercado estadunidense encolheu para eles? Funcionários federais estarão motivados para ajudá-lo, após ameaças de demissão em massa? O importador está motivado e consegue ainda manter os negócios ou há um Chapter 11 no seu horizonte? Consumidor desempregado, enfrentanto carestia e futuro incerto, continuará comprando?
Veja mais: Paralisação nos EUA Pressiona Portos e Logística - 1/10/2025
País paralisado alguns dias incomoda. Mas a maior paralisação geral da História no governo federal estadunidense incomoda muito mais: desorganiza tudo. Ainda mais quando o que ocorre agora não é necessariamente seu fim, apenas uma trégua de talvez dois meses.
Os enormes e desastrosos efeitos são em cascata. A desorganização eleva os custos e atrasos. Depósitos e silos ociosos têm um custo fixo para ser compensado. E se toda a mercadoria chega de uma vez, não há espaço... adivinhem o resultado? O transporte terrestre tem impactos semelhantes.
Veja mais: Portos dos EUA entram em colapso logístico – 22/5/2025
Para completar, lembremos que o sistema portuário dos EUA tem seus próprios problemas. Os tarifaços deste ano causaram quedas drásticas na movimentação, num quadro de colapso logístico. Se um tarifaço trava o comércio, sua anulação causa “um tsunami de mercadorias”. Mesmo as grandes armadoras do mundo sentem fortemente os efeitos.
A cereja do bolo? Um ano atrás (10/2024), ocorreu uma greve geral dos estivadores na Costa Leste e no Golfo dos EUA. Afetou mais de 30 portos, foi a primeira em 50 anos e não será a última. Relembre os efeitos:
Veja mais: Possibilidade de Greve dos Agentes Portuários nos EUA: Impactos e Precauções - 25/9/2024
Tio Sam sabe que não é simples reacender a economia após esse enorme desligamento
Imagem: Inteligência Artificial CoPilot








