Editorial | Coluna Dia a Dia
Portogente
É só o começo deste novo capítulo, mas faz justiça poética. Afinal, um samba-lelê desses, envolvendo o Brasil, tinha que acabar “pelo telephone”...
E foi pelo telefone (na realidade, uma videochamada), neste dia 6/10, que os governantes dos EUA e do Brasil começaram em termos práticos a resolver suas diferenças em modos mais pacíficos, permitindo aos mercados internacionais vislumbrarem um alívio depois de tantos meses de montanha-russa (é, com muitos altos e baixos e até a Federação Russa sendo citada na história...).
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O Brasil mostrou resiliência: os tarifaços dos últimos meses não abalaram tanto a economia nacional, talvez tendo prejudicado muitíssimo mais a própria economia daquela nação norte-americana, com inflação, desemprego etc. Os primeiros números preocupantes por lá são apenas... os primeiros.
Lógico, o impacto negativo na economia dos EUA não foi apenas pelo encarecimento dos produtos importados do Brasil, mas pelo efeito acumulado com situações semelhantes com produtos que eles compravam de outros países. Os importadores dos EUA não tiveram escolha, porque, além disso, a incerteza do mercado quanto aos rumos da economia ianque fez com que todos os países, como o Brasil, buscassem novos parceiros mais confiáveis.
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Café, carne e móveis, os setores mais impactados pelas medidas dos EUA, serão os primeiros alvos das negociações bilaterais – não tanto pela perda de mercado com o tarifaço (grande parte de sua produção foi rapidamente transferida para outros compradores mundo afora), mas porque também os importadores querem reduzir o enorme impacto que sofreram.
Dos três, talvez os móveis tenham sido os mais impactados, considerado seu peso nas exportações nacionais. Há setores mais prejudicados, embora menos citados por constituírem nichos de mercado, como o calçadista, com produção adaptada a exigências e normas do país-cliente, sendo mais trabalhoso/demorado mudar linha de produção e logística para conquistar outros mercados. Em outras palavras, o impacto econômico guarda relação direta com as alterações em que essa mudança implica.
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De qualquer forma, com a retomada das negociações, o Brasil ganha tempo precioso para fortalecer sua economia, tornando-a menos dependente dos humores estrangeiros. É aquele conselho da avó: nunca coloque todos os ovos num cesto só, pois se ele cair todos quebram. Diversificar é a palavra, seja em produtos, seja em compradores.
Como muitos perceberam, voltamos de certa forma aos tempos pré-Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil passou a ser visto por alemães e estadunidenses como peça-chave no Hemisfério Sul/Ocidental, que precisava ser cortejada para não se alinhar ao concorrente. Então, ganharam os americanos (e os brasileiros). Souberam trabalhar o ‘soft power’, reforçando laços históricos de amizade e cooperação.
Agora, os chineses têm oferecido muito mais, não só em investimentos e mercados, mas até em sedução, colocados que foram lado a lado com o Brasil, em solidariedade mútua. Já os europeus parecem não se entender ou saber o que querem, apesar da possibilidade de sair enfim, na prática, o acordo da Comunidade Europeia com o Mercosul. A conferir.
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Para o empresariado brasileiro, é um momento raro de fazer a diferença, aproveitando para recalibrar sua participação no comércio internacional, de forma a afastar de vez a possibilidade de dependência e condicionamento aos ditames de um único cliente ou de seu governante.
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É a chance de lembrar, a um mundo cansado de conflitos e negacionismos, que aqui existe um povo muito criativo, de mente aberta, do bem, com natureza exuberante (“em se plantando, tudo dá...”), empreendedor, com potencial enorme para novos negócios, direcionado à sustentabilidade do planeta...
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O conceito pejorativo de “país do futuro” pode ser ressignificado. O “Celeiro da Humanidade” pode ser também um depósito de inovações que moldem o futuro da Terra. Basta querer de fato investir nisso, pois toda a matéria-prima, de excelente qualidade, está aqui.
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A propósito, no país do samba e da MPB, uma canção mais moderna poderia embalar a continuidade das conversas bilaterais, se não puderem ocorrer pessoalmente: “Pela Internet” (de Flora e Gilberto Gil, aliás a primeira lançada em ‘streaming’, em 16/12/1996).
De qualquer forma, estaremos preparados. Neste jogo de grandes interesses envolvidos, a ginga brasileira vai ditando o ritmo pelo qual podem fluir as tratativas internacionais neste admiravelmente conturbado mundo novo. É isso aí, “cumpanhêro” Trump, está aprendendo, rs.

EUA aprendem, por telefone, a gingar ao som do nosso samba
Imagem: Inteligência Artificial Copilot