Editorial | Coluna Dia a Dia
Portogente
Existe uma expressão bem conhecida no universo lusóffono, indicando que algo tanto pode ser absurdo/improvável como espetacular/maravilhoso. Sua origem está ligada a uma ave e a um país. O peru é uma ave do gênero Meleagris, nativa das florestas da América do Norte e domesticada por indígenas do então futuro México, como os astecas.
Introduzido na Europa em 1511, virou uma tremenda confusão geográfica. Seus diferentes nomes indicavam supostas origens (Turquia levou ao nome ‘turkey’, outros pensavam ser uma variedade de “galinha da Índia”), mas, como foi levado por espanhóis que atuavam nas áreas da civilização inca próximas à Cordilheira dos Andes, virou peru. Como o futuro país sulamericano.
É que, quinhentos anos atrás, “Peru” era a designação genérica de todo o território inca, de que os viajantes falavam maravilhas (acentuando as fabulosas jazidas de prata e outras riquezas...).
Veja mais: Peru (o país) e peru (a ave) - Wikipédia
Estabelecida a origem do termo, passemos ao presente. Que pode indicar um futuro maravilhoso ou absurdo, conforme as premissas que colocarmos no cenário a ser avaliado, permitindo especulações que – de tão diversas – só poderão ser provadas com o passar do tempo.
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Tentemos ver se é possível não “por o peru na roda” (expressão usada quando vários jogadores trocam passes em volta de um adversário, deixando-o confuso). Vamos aos fatos, que aliás podemos circunscrever aos últimos sete anos, culminando com o mais recente, nesta mesma semana.
Queira o leitor anotar estes nomes e anos, veja se lembram algo: Pedro Pablo Kuczynski (2016/2018); Martin Vizcarra (2028/2020); Manuel Merino (2020/2020); Francisco Sagasti (2020/2021); Pedro Castillo (2021/2022); Dina Boluarte (2022/2025); José Jeri (2025/...). Pois, é, de 2018 aos dias atuais, em sete anos, o Peru teve sete presidentes! A troca mais recente foi na madrugada do dia 10/10.
Veja mais: Lista de presidentes do Peru – Wikipédia
Alguns mais conhecedores da famosa loteria zoológica (vulgo “Jogo do Bicho”) dirão que “Peru de fora é 20” (ou seja, “não devemos nos meter no jogo dos outros”). Mas como não fazê-lo, se o jogo também é nosso? (e aqui entra um personagem improvável nesta história: o povo chinês).
Como assim? Simples: os chineses estão investindo pesado na Nova Rota da Seda, um cinturão multimodal de transporte de cargas que atravessa a América do Sul para fazer a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico. No Brasil, afeta desde Santana/AP até Ilhéus/BA e... Santos/SP. Já adivinharam o que tem no outro lado, não? Chancay, valioso porto-chave da estratégia chinesa, recentemente inaugurado... no Peru!
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Vamos aos cenários: em meio a uma das frequentes instabilidades políticas (que não são exclusivas daquele país, porém parecem mais frequentes que terremotos no Chile – outra possibilidade para esta rota bioceânica), pode ocorrer uma guerra civil, um fechamento de fronteiras, a ruptura de relações diplomáticas e, claro, o fechamento de acessos terrestres e marítimos.
Basta dizer que nesta quarta-feira, 15/10, já ocorreu greve nacional pedindo deposição do novo governo e se anunciava um feriado prolongado para o resto da semana...
Também pode haver uma mudança de planos, na esteira da chegada ao poder de um governo mais (ou menos) sensível a questões ambientais...
Claro, estamos acostumados, já vimos isso em várias fronteiras sulamericanas. Mas agora, os problemas logísticos decorrentes crescerão exponencialmente, pois deixam de atrapalhar economias regionais e ganham o condão de prejudicar toda a volumosa economia mundial. Algo parecido com os tarifaços de Trump... só que ainda mais imprevisíveis (se é que isso é possível), pois pelo menos os tarifaços são avisados com alguns momentos de antecedência (grande consolo!).
Veja mais: El ferrocarril interoceánico chino y nuestra desordenada visión de desarrollo – 1/6/2015
E é isso. Um pouquinho de água fria na fervura. Como se diz nos países onde se comemora o Dia de Ação de Graças ou o Natal, “o peru é quem sofre de véspera”, decerto não é preciso explicar o motivo. Mas, se por qualquer motivo o peru faltar, quem talvez sofra sejam os comensais que o esperavam como o convidado de honra da festa.
Talvez isso não preocupe a China, pois a nova Rota da Seda tanto pode apontar para o Leste como para o Oeste, só vai atrapalhar um pouco. E, de fato, os chineses não têm a tradição de comer peru em suas festividades, preferem destrinchar o pato...
Isso não impede que fiquemos atentos por aqui, no Ocidente. Afinal, no dia certo, o peru geralmente está lá sobre a mesa. Com ou sem aquele apito que inventaram para indicar a hora de tirá-lo do forno... E quem tem de levar o assado até a mesa seremos nós, profissionais de transporte e logística. Sem peru, a batata quente fica em nossas mãos. É ou não é do Peru?
Veja mais: Temos CAPacidade? - Portogente

O peru está nos trilhos... que levam ao Peru!
Imagem: Inteligência Artificial Copilot