Temos que reconhecer. Este é um país muito especial. Enquanto o mundo se debate com o tarifaço de 10% sobre todos os produtos importados pelos Estados Unidos – e que, como os sobrinhos do Sam estão descobrindo, será paga por eles mesmos –, o Brasil impõe um ‘tarifaço’ de 15% sobre suas exportações e, por incrível que pareça, ninguém parece perceber ou se importar.
Vamos aos números, divulgados em 3/4 pelo jornal ‘Valor Econômico’ e repercutidos nos dias seguintes por vários veículos de comunicação nacionais: em 2024, ‘apenas’ por eventos de ‘demurrage’ (quando há uma demora da carga no terminal além do prazo para embarque) o Brasil pagou US$ 2,3 bilhões (ante US$ 2 bilhões de 2023). Façam as contas, senhores: 15% de acréscimo, nesta comparação.
Claro, não é cálculo perfeito, pois aponta elevação de gasto com multas e não sobre o valor total de entrega das cargas. Mesmo que não mudem os fatos geradores das ‘demurrages’, o aumento nos fluxos de comércio exterior se refletiria nesse cálculo (consideremos uns 4% lineares, que foi o quanto cresceu em tonelagem o nosso comércio exterior no período).
Mas, fique claro também que ‘demurrage’ não é o único item de despesa a incidir sobre as cargas de nosso comércio exterior, todos eles somados resultando no eterno Custo Brasil, que nos deixa lá atrás na fila, em termos de participação brasileira no comércio mundial.
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Está lá a “ponte que partiu” do rio Tocantins, a lembrar que historicamente 30% da produção brasileira é perdida entre a porteira da fazenda ou indústria e o portão do porto. Linearmente, é como se pagássemos mais uma sobretaxa de 30% sobre os produtos exportados.
Acrescentemos os efeitos da falta de armazenagem agrícola reguladora, dos roubos de cargas rodo-ferroviárias, da criatividade burocrática traduzida em bitributações, impostos em cascata e até imposto sobre o pagamento de impostos...
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Deixando de lado uma cachoeira de números divulgados sobre o que provoca tanto atraso nas cargas e as respectivas multas, o que temos são portos de Norte a Sul soterrados por muita conversa e pouca ação, por divergências entre instâncias de poder, por falhas em planejamento e execução, investimentos poucos e mal aplicados...
Nada de novo sob o sol, apesar de tantos projetos salvadores, logo esquecidos... para reaparecerem com outra roupagem anos depois, reiniciando os debates do zero. Debates infindáveis, que não levam à ação, pois morrem na praia da falta de vontade política de realizar. Ou, da incapacidade do Brasil para planejar seu futuro para além dos poucos anos de mandato do governante ou legislador. “Melhor ficarmos todos sem empadas, que permitir a alguém colocar azeitonas na empada dos outros”, não é?!?
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Como a moda, o planejamento portuário parece obedecer a ciclos que se alternam, ora concentrando, ora descentralizando; ora estatizando, ora privatizando; ora especializando, ora generalizando as atividades dos portos.
Por exemplo, a novidade de agora já se debatia na década de 1980; os papeis dos portos concentradores (‘hub-ports’), e alimentadores (‘feeders’), definidos em Brasília pelo Ministério dos Transportes. Política: cada governador queria um superporto em seu estado. Resultado: devido a essa guerra de interesses, ficou sendo um esquema um tanto capenga, obrigando os navios a mais escalas, com custo global maior por viagem.
Sejamos otimistas: agora vai. Para onde, é outra história.
Transporte de cargas é uma ‘brincadeira’ que custa muito caro ao Brasil
Imagem: montagem com imagens da Internet