Segunda, 18 Novembro 2024

 Osvaldo Agripino – Advogado (UERJ, 1991), consultor em logística de comércio exterior e negócios imobiliários e Pós-Doutor em Regulação de Transportes e Portos – Harvard University

O Acórdão nº. 542/2024, em denúncia da relatoria do Diretor Lima Filho, determinou o desarquivamento de processo de fiscalização extraordinária que havia sido arquivado tendo em vista que o transportador marítimo havia cancelado cobrança de detention em processo de dispute, após protocolo de denúncia de usuário na Antaq.

Precedente da Antaq contribui para reduzir abusos na cobrança de valores ilegais e aumenta o poder dissuasório

No citado caso, o usuário não deu causa ao atraso no depósito do contêiner no terminal, mas mesmo assim, foi cobrado pelo transportador marítimo, o que viola o marco regulatório do setor.

A decisão é relevante para inibir práticas abusivas de cobrança de serviços como demurrage, detention e armazenagem, dentre outras, por parte de alguns prestadores de serviços, dentre os quais o transportador marítimo, o agente intermediário e o operador portuário.

Isso ocorre porque em muitos casos, o prestador de serviço, confiante na certeza da impunidade, ilegalmente cobra por serviço que é proibido pela Antaq. Acredita que o usuário, se questionar a cobrança, aceitará um desconto e nunca buscará a tutela do seu direito no órgão competente.

Em alguns casos, o usuário notifica o suposto credor para que cancele a cobrança ou busca solução no sistema de dispute do prestador de serviço. Ocorre que, a falta de transparência nesse sistema de dispute, faz com que o usuário, insatisfeito, ainda, com a ineficiência e a morosidade, muitas vezes efetue denúncia na Antaq.

Surpreendido com a denúncia no órgão regulador e com o receito de punição com multa em valor superior ao da própria cobrança, o suposto credor decide, então, cancelar a cobrança e pede o arquivamento do processo de fiscalização, tal como nesse caso.

O arquivamento era a regra. Nesse caso, o usuário protocolou a denúncia na Antaq menos de um mês após a abertura do dispute.

Pois bem, mudando o entendimento anterior, que acolhia o arquivamento, sem lavratura de auto de infração e aplicação de sanção, o relatório de fiscalização deu uma guinada de 180 graus e, entendeu que, mesmo não dando causa, o usuário denunciante sofreu a cobrança constante na referida nota de débito.

Assim sendo, resta configurada a conduta da denunciada em promover a cobrança, e se trata de infração ao previsto no art. 30, inciso I, da Resolução Antaq nº 62/2021, in verbis:

Art. 30. Constituem infrações administrativas de natureza média: I - cobrar valor de sobre-estadia de contêiner referente ao prazo de livre estadia: multa de até R$ 100.000,00 (cem mil reais);

Dessa forma, a denunciada possui legitimidade para responder a infração em tela, uma vez que o núcleo do verbo do tipo é cobrar e a nota de débito foi emitida pela mesma. Ou seja, a denunciada foi quem efetivamente promoveu a ação ensejadora da infração.

Por tais motivos, foi lavrado auto de infração com possibilidade de multa de até R$ 100 mil, quantia que pode aumentar quando o infrator é reincidente, que ainda não transitou em julgado.

Diante desse cenário, não mais cabe o argumento que o prestador tem direito ao arquivamento do processo de fiscalização quando efetua o cancelamento de cobrança.

Atuando desde muito antes da edição dos normativos que regulam os direitos e deveres dos que atuam no setor regulado pela Antaq, e crítico do seu modelo de regulação ex post, que impõe um enorme ônus probatório ao usuário, devo reconhecer a curva de aprendizagem do regulador, acredito que algumas lições podem ser consideradas nesse caso:

a) o usuário que tem a faculdade de buscar o dispute, não precisa aguardar a decisão final para que denuncie o suposto infrator na Antaq;

b) é preciso que a Antaq regule o sistema de dispute para que, ainda que facultativo ao usuário, possa garantir transparência, previsibilidade e eficiência na solução do conflito entre usuário e o prestador de serviço e

c) os prestadores de serviços não poderão mais aguardar o protocolo de denúncia da Antaq, para somente a partir do risco de sanção, efetuem o cancelamento da cobrança, com a certeza de que ficarão sem sanção, com o arquivamento.

A decisão da Antaq acima inova e contribui para reduzir o número de denúncias na Antaq, porque aumenta o seu poder dissuasório diante de práticas abusivas por parte de alguns prestadores de serviços que, decorridos quase dez anos da edição de normas que regulam os interesses da carga e dos prestadores, ironicamente, ainda acreditam na certeza da impunidade.

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Dr. Osvaldo Agripino, advogado, sócio do Agripino & Ferreira www.agripinoeferreira.com.br
Pós-Doutorado em Regulação de Transportes e Portos, Kennedy School of Government, da Harvard University

 
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