Sexta, 19 Abril 2024

Especial para o Portogente

Conversamos com a professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Carmem Sílvia Rial, que preside o Conselho Mundial de Associações Antropológicas, além de coordenar o Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH-UFSC). Em ritmo ainda de Copa do Mundo, cujo término foi em 15 de julho último, na Rússia, a docente mostra o quanto o futebol se relaciona com as “coisas” políticas.

600 Carmen RialCarmen Rial: a relação entre futebol e política é mais estreita do que imaginamos. Foto: Vera Gasparetto.

O que lhe motivou a fazer estudos sobre futebol....
Carmen Sílvia Rial – O futebol é central no Brasil e uma porta de entrada fundamental para estudar o imaginário da população, o Brasil e seus habitantes. Ao mesmo tempo é uma linguagem universal. Não importa em que país do mundo que você chega, se você conversar com o motorista de táxi a caminho do hotel ele terá o que dizer. O que me motivou a estudar o futebol é sempre que fui muito interessada desde pequena, acompanhando meu pai. A ideia de estudar o tema já existia, mas no meu mestrado e doutorado achei que devia estudar temas muito “sérios”. Quando terminei, pensei “tô livre e posso estudar o que quiser”. Particularmente me interessei em verificar a emigração de jogadores brasileiros para o exterior, por que vivendo no exterior como já vivi percebi que a imagem que o Brasil tinha lá fora era a do jogador de futebol. Quando falava que era brasileira a primeira coisa que me falavam era Pelé, Ronaldo, depois Ronaldinho, agora Neymar. Somos muito conhecidos lá fora pelo futebol.

Em suas pesquisas, como você observa a relação entre futebol e política, pois muitos acusam que o futebol aliena, que é o ópio do povo. Isso é um mito ou é uma “verdade”?
De fato muitos intelectuais veem o futebol de duas formas: ou como uma religião e, portanto, algo que aliena da realidade; ou como ópio do povo, que é uma perspectiva pobre. Ele até pode ser uma religião no seu significado de “religar”, e ele de fato une muitas pessoas, mas não é uma religião, embora tenha algumas características semelhantes, como jogos aos domingos, a presença nos estádios, os jogadores idolatrados quase como santos. Também descobri que os jogadores têm um pé muito forte na fé, que é central para atletas emigrantes, pois lhe permite viver no exterior. Tem quem pense que todos esses atletas são ricos. De fato os quinhentos jogadores que vivem na Europa são milionários, mas existem uns três mil espalhados pelo mundo que ganham salários mais baixos, exceto quem está na China e Arábia Saudita. Para esse grupo de atletas o dinheiro não é o principal, pois eles têm outros valores na vida.

Essa fé é devido a origem da maioria desses atletas vindo de camadas populares?
É uma fé como a das camadas populares brasileiras, onde muitos são neopentecostais, chegam a abrir templos no exterior, como foi o caso Jorginho que tinha templo em Munique, Ricardo Oliveira nos Emirados Árabes. Essa fé ajuda-os a terem a disciplina corporal que o futebol exige, mas também os ajuda a viver o que eles chamam de “sacrifício”, de estar sozinho muito tempo, de viver longe da família, a ter uma vida onde não conhece a língua, não tem amigos. A leitura da bíblia é algo muito importante para esses jogadores.

Quanto a serem ligados à política, desde o seu início teve uma relação muito forte com a política pelo fato de a Copa do Mundo reunir nações que muitas vezes estão em combate. É uma relação com a política. Muitas vezes essa relação é mais forte como foi o caso da Copa na Argentina, em 1978, durante a ditadura militar naquele país. Ocorreram muitos boicotes e se diz que o próprio resultado da Copa foi muito em função de ameaças dos militares sobre jogadores do Peru, que perderam um jogo por 6 a zero. Também tem o fato do impeachment da presidenta Dilma ter iniciado nas manifestações nos estádios de futebol com uma elite branca, rica, proferindo palavrões (durante a Copa no Brasil em 2014). Mas o fato também de que a abertura política no Brasil teve como palco a “Democracia Corintiana”, com a torcida e jogadores.

O futebol e a política sempre jogaram juntos. Existem casos em que isso foi mais extremo, como durante a ditadura Salazar em Portugal, o time da academia de Coimbra era formado por jogadores que numa final contra o Benfica entraram de cabeça baixa em protesto, e os estudantes abriram faixas no estádio, abrindo uma série de protestos contra o ditador dali por diante. Então não é só o ópio do povo por que reúne pessoas, e as pessoas fazem e isso é sempre inesperado, que pode ser para um lado ou para outro.

Qual sua opinião sobre a realização da Copa na Rússia, num período em que a “guerra fria” persiste. Qual o papel desse evento para tirar daquele país a ideia de estranho e desconhecido do Ocidente?
O [Vladimir] Putin precisava de holofotes. Eles já haviam organizado com sucesso os “Jogos Olímpicos de Inverno”, que, para nós, não tem muita importância, mas para os países do Norte é de grande valor. Aparentemente as coisas ocorreram bem. Estranhei que no Manual do Itamaraty havia uma orientação para que casais homoafetivos não tivessem troca afetiva em público por que na Rússia é proibido. Ao contrário, acho que o seu papel é fazer uma política junto ao Putin que isso não é crime.

Sobre a guerra fria, a derrubada do Muro de Berlim trouxe uma nova configuração em termos globais. Antes tínhamos uma certa “estabilidade”, onde de um lado os Estados Unidos dominando uma boa parte do planeta e a Rússia dominando outra parte. E o capitalismo estava muito satisfeito com isso, por que precisa de uma certa “paz social” para realizar seus objetivos, que é o lucro. A queda do muro foi o sintoma de uma desestabilização geral.

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