Quinta, 21 Novembro 2024
escrito por Priscila Silva Guimarães e Renã Margalho Silva

O acordo sobre valoração aduaneira, apesar de muito utilizado nos contratos de compra e venda internacional é de extrema importância para a resolução de litígios, constituindo um procedimento rígido a ser seguido pela Receita Federal do Brasil, é pouco conhecido pelos juristas brasileiros.

No ano de 1979, com o objetivo de uniformizar de forma neutra e equitativa a regulamentação da valoração aduaneira, foi assinado em Genebra o “Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral de Tarifas e Comércios (General Agreement on Tariffs and Trade – GATT)”, também denominado de Código de Valoração Aduaneira, ou Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), sendo promulgado pelo Brasil por meio do Decreto 92.930/1986.

Em 1994, com a Rodada do Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais, que teve como resultado principal a criação da Organização Mundial do Comercio (OMC). O AVA-1979 deu lugar ao AVA-1994, que foi aprovado pelo Decreto Legislativo n. 30 de 1994, e promulgado pelo Brasil por meio do Decreto 1.335/1994.

Além disso, tem-se a chamada Norma de Aplicação sobre a Valoração Aduaneira de Mercadorias, a qual foi aprovada pela Decisão CMC n. 13 de 2007, e internalizada pelo Decreto 6.870/2009.

Como princípios norteadores, o AVA-1994 trouxe: neutralidade, equidade, uniformidade, simplicidade, harmonia com as práticas comerciais, igualdade entre fontes de suprimentos, primazia do valor de transação, concorrência leal, precisão, sigilo e publicidade. Ressaltamos que o princípio do sigilo se dá somente em relação a terceiros estranhos a relação comercial principal e à publicidade, em contrariu sensu, dar-se diante dos principais interessados da relação obrigacional (importador e exportador). Outra inovação trazida pelo AVA-1994 foi a possibilidade de imputação do ônus da prova ao importador em comprovar a autoridade competente – Receita Federal do Brasil -, a veracidade do valor aduaneiro declarado.

Da mesma forma, o Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), que regulamenta a administração das atividades aduaneiras, bem como a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior, possui previsões acerca da Valoração Aduaneira em seus artigos 76 a 83.

Além da legislação referida acima, destaque-se que a Secretaria da Receita Federal do Brasil editou diversas Instruções Normativas que dispõem sobre o tema, como: a) a IN 80/1996, que foi alterada pela IN 24/1998, e que instituiu a Nomenclatura de Valor Aduaneiro e Estatística, e cujo Anexo foi substituído pelo Anexo Único da IN 1.268/2012; b) a IN 75/1998, que dispõe sobre a seleção manual de mercadorias para controle do valor aduaneiro no curso do despacho de importação; c) a IN 318/2003, que divulga atos emanados o Comitê de Valoração Aduaneira (OMC), da IV Conferência Ministerial da OMC e do Comitê Técnico de Valoração Aduaneira (OMA); e d) a IN 327/2003, que estabelece normas e procedimentos para a declaração e o controle do valor aduaneiro de mercadoria importada.

Nos moldes no artigo 2º do Decreto 2.498/1998, toda mercadoria submetida a despacho de importação (DI) está sujeita ao controle do valor aduaneiro. A declaração do respectivo valor aduaneiro serve como base de cálculo de tributos incidentes na importação. O controle aduaneiro, por sua vez, é o procedimento que auferirá a veracidade do valor declarado pelo importador, dentro de padrões internacionais pré-estabelecidos.

O Acordo de Valoração Aduaneira, em seu artigo 8º, § 2º, alíneas “a” a “c”, confere aos países signatários a liberdade de acrescer ao valor aduaneiro os gastos com seguro, frete e valores derivados da carga, descarga e manuseio da mercadoria até o porto de chegada.

A inclusão desses custos foi adotada pelo Brasil, que, por meio do Regulamento Aduaneiro, artigo 77, I a III, que soma ao valor aduaneiro da mercadoria, para fins de base de cálculo do imposto, aqueles incorridos até a data da chegada do produto no país.

Por outro lado, alguns gastos, como o seguro, o frete, gastos associados ao transporte e os juros derivados de acordos financeiros com o exportador, são excluídos do valor aduaneiro na importação de certos produtos, como software para equipamento de processamento de dados, conforme previsão dos artigos 5º, 6º e 7º da IN SRF 327/2003.

O novo Acordo de Valoração Aduaneira estabelece seis métodos de valoração que devem ser aplicados de forma sequencial, subsidiária e rígida. Em suma, a regra geral é que se aplique o primeiro método, em caso de impossibilidade, se aplique o segundo, caso ambos se mostrem inviáveis, aplicar-se-á o terceiro método e assim por diante. A única exceção à regra de aplicação sucessiva e sequencial desses métodos ocorre com o quarto e o quinto método, uma vez que o importador pode requerer à autoridade aduaneira o deferimento da inversão de sua ordem, sendo tal decisão de caráter discricionário.

Para se auferir o valor aduaneiro e, por conseguinte, a base de cálculo para incidência de tributos derivados da importação, devem ser observados os seis métodos do AVA-1994, que são divididos em: valor de transação da mercadoria importada; valor de transação de mercadoria idêntica e importada nas mesmas condições; valor de transação de mercadoria importada similar; valor da revenda da mercadoria importada; valor computado da mercadoria importada; e valor condizente com a razoabilidade e os princípios norteadores do GATT.

O primeiro método é o valor da transação da mercadoria. Integram este valor: o valor da compra da mercadoria; o frete; os gastos com manuseio, embarque e desembarque da carga; os custos com corretagem, comissões – excerto de compra -, embalagens; e o seguro.

No caso de impossibilidade de aplicação do primeiro método, aplicar-se-á o segundo, observando os mesmos padrões do primeiro, com uma mercadoria idêntica e importada nas mesmas condições. A “mercadoria parâmetro” deve ser importada do mesmo país, em período aproximado, preferencialmente do mesmo fornecedor e comercializada em mesma escala – atacado ou varejo.

O terceiro método é utilizado de forma subsidiária ao segundo, devendo ser observadas as mesmas exigências deste, só que com mercadoria similar.

O valor da revenda da mercadoria importada é o quarto método. Aufere-se com base na dedução feita a partir do valor da revenda. O raciocínio é simples, a autoridade competente deverá, com base no custo de revenda no mercado interno, abater os custos que não integram o valor aduaneiro – como frete interno e impostos -, abater possível margem de lucro do importador, resultando, a partir desse cálculo, o valor aduaneiro presumido.

O quinto método consiste na apuração do valor computado. O cálculo será realizado com base na contabilidade da empresa exportadora. De acordo com os dados fornecidos por esta, serão computados os custos de produção e/ou venda da mercadoria ao importador. Destaca-se que a Receita Federal do Brasil não tem autoridade para exigir quaisquer documentos de pessoa física ou jurídica de nacionalidade e domicílio estrangeiro, necessitando da colaboração do importador e exportador para a aplicação de tal método.

Se todos os métodos anteriores se mostrarem inviáveis para a apuração do valor aduaneiro, utilizar-se-á o sexto método, baseado no arbitramento do valor nos moldes do princípio da razoabilidade. Apesar de parecer um critério com grande margem de discricionariedade, o próprio AVA-1994 delimita, de forma exemplificativa, a forma de aplicação dos chamados critérios razoáveis, vedando: A utilização, como base, do preço de venda no país de importação, de mercadorias produzidas neste; a adoção de sistema que preveja o valor mais alto, dentre sistemas alternativos possíveis; a utilização do preço cobrado no mercado interno da empresa exportadora; o arbitramento do valor diverso do computado no custo de produção de mercadorias idênticas ou similares; o custo auferido na exportação para país diverso do país importador; ...em valores aduaneiros mínimos, arbitrários ou fictícios.

Considerando que os valores das mercadorias em geral variam muito de acordo com suas características e com cada negociação, os critérios da valoração aduaneira procuram determinar um valor o mais próximo possível do real preço desses bens importados.

Então, o controle de valoração aduaneira é um procedimento previsto em lei, que pode gerar um processo. A Receita Federal do Brasil deve obedecer aos princípios da Administração Pública. O controle aduaneiro está atrelado ao princípio da formalidade e, por conseguinte, ao princípio da legalidade, descrito no caput do artigo 37 da Constituição Federal, ou seja, seus atos devem estar vinculados às diretrizes normativas pré-estabelecidas, sob pena de nulidade do mesmo em decorrência da ilicitude da conduta do Poder Público.

Temos que ter em mente que a legalidade é um direito do homem ligado a vários outros princípios, como o da liberdade e da segurança jurídica. Por ser um direito do homem, torna-se um dever do Estado e, ao mesmo tempo, uma limitação a este. Então, o princípio da legalidade é uma forma de garantir ao homem que o Estado, que naturalmente tende a ser tirano, respeitará seus direitos e pautará suas condutas de acordo com as normas, sendo a chamada “legalidade pública” uma limitação ligada ao direito da “legalidade particular”. Então, a rigidez na forma nada mais é do que a garantia da segurança jurídica ao particular, evitando condutas abusivas e antijurídicas por parte do Poder Público.

Portanto, se houver ilegalidade no procedimento de controle de valoração aduaneira, automaticamente se inviabilizará o processo, nos moldes do artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal.

Pode-se conceituar o controle de valoração aduaneira como um procedimento de fiscalização, dentro da fase do despacho aduaneiro de importação, que busca verificar se o valor aduaneiro informado pelo importador condiz com a realidade, bem como se está em conformidade tanto com o Acordo de Valoração Aduaneira quanto com as normas aduaneiras brasileiras que versam sobre essas valorações.

Primeiramente, considera-se como valor aduaneiro aquele que constar na Declaração de Valor Aduaneiro (DVA), documento emitido pelo importador através do Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX).

O controle aduaneiro na importação é realizado com base na parametrização da mercadoria. A partir do registro do despacho de importação, a Receita Federal direcionará a mercadoria para um dos canais de parametrização, sendo eles, de acordo com o art. 21, I a IV da IN SRFB 680/2006: verde, amarelo, vermelho e cinza. Em síntese, se a mercadoria for direcionada ao canal verde, estará pronta para o desembaraço aduaneiro. Se for direcionada ao canal amarelo, necessitará, antes de proceder ao desembaraço, efetuar a conferência documental. No caso do canal vermelho, será preciso realizar, além da conferência documental, a conferência da carga. No canal cinza, a mercadoria será retida por um prazo de noventa dias, podendo ser prorrogado por igual período, para averiguação do valor aduaneiro, além da possibilidade de conferência física e documental. Ressalta-se que a retenção de mercadoria indevida, deve, nos moldes do artigo 37, § 6º da CF, ser indenizado pelo Poder Público.

Então, se a autoridade aduaneira se questionar acerca do valor atribuído e sentir a necessidade de maiores esclarecimentos, esta encaminhará a mercadoria para o canal cinza, e, por meio de procedimento especial de fiscalização, irá apurar a exatidão e veracidade dos valores declarados pelo importador, sempre se atendendo aos princípios da legalidade e formalidade da Administração e da Tributação.

Caso fique constatado o desacordo do valor aduaneiro declarado com o apurado, existem três penas previstas. A de perdimento, tipificada no artigo 689, inciso VI do Decreto 6.759/2009, a de multa de cem por cento sobre a diferença entre o valor real e o declarado, além dos tributos exigidos, exposto no parágrafo único do artigo 108 do Decreto-Lei nº 37/1966 e no artigo 703 do Regulamento Aduaneiro e a multa de cinquenta por cento, da diferença do imposto apurado em decorrência da inexatidão da informação, exposto no artigo 108 caput do Decreto-Lei nº 37/1966.

Nos moldes do artigo 112 do Código Tributário Nacional (CTN), a norma que imputa penalidade deve ser interpretada da forma mais benéfica ao acusado. Então, caso se vislumbre o subfaturamento, mesmo com má-fé, aplicar-se-á a pena de multa de cem por cento sobre a diferença da operação, ademais, caso não se vislumbre a má-fé, mas mero erro material, será aplicada a pena de cinquenta por cento sobre a diferença do imposto apurado. A pena de perdimento só aplicar-se-á nos casos de falsificação ou adulteração dolosa do documento necessário ao embarque e desembarque.

Ressalte-se que a aplicação dessas penalidades se dá mediante processo administrativo, tendo este que respeitar todas as garantias constitucionais e legais, como ampla defesa, contraditório, devido processo legal, propriedade privada, livre iniciativa, livre concorrência, livre exercício de atividade econômica, entre outros.

Por fim, se o procedimento de controle do valor aduaneiro for concluído com a verificação da conformidade dos valores declarados, a mercadoria será desembaraçada e entregue ao importador ou consignatário, devendo-se lembrar, porém, da possibilidade que o Fisco possui de promover uma Revisão Aduaneira, desde que ele não ultrapasse o prazo legal para realizá-la, não altere os critérios jurídicos que já tenha adotado quando desembaraçou os produtos, nem desrespeite os artigos 147 e 149 do Código Tributário Nacional.

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