⚖️ Denúncia de fraudes no Porto de Santos vai para Justiça Estadual
A ação de uma rede criminosa contra empresas do setor agrícola e indústrias que utilizam o Porto de Santos (SP) para enviar os seus produtos a outros países foi denunciada por três associações às quais as exportadoras são filiadas. As entidades requereram à Polícia Federal que investigasse a série de delitos relatada. Porém, acolhendo parecer da própria PF, endossado pelo Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal não detectou lesão a interesses da União a justificar a apuração pleiteada.
“Diante desse quadro, por não vislumbrar ofensa a interesse ou bem jurídico da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, atento ao disposto no artigo 109 da Constituição Federal, acolho a manifestação ministerial, reconheço a incompetência da Justiça Federal para processar o presente feito e determino a remessa dos autos a uma das varas criminais da comarca de Santos”, despachou o juiz federal substituto Anderson Vioto Silva, da 5ª Vara Federal de Santos.
Conforme a deliberação do julgador, na prática caberá à Justiça Estadual, a seu critério, requisitar à Polícia Civil que instaure inquérito para investigar os fatos noticiados pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) e Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea). As entidades encaminharam ofício ao chefe da PF em Santos, delegado Rodrigo Perin Nardi, relatando a ação da organização criminosa e solicitando providências.
As associações também pediram uma “audiência” à autoridade policial, “oportunidade que relataremos de modo detalhado nossas preocupações setoriais e também os reflexos negativos para a União”. Porém, esse encontro sequer chegou a ser agendado. O delegado entendeu não haver crime a ser apurado dentro da esfera de atribuição da PF e a sua análise foi ratificada pela procuradora da República Juliana Mendes Daun Fonseca. Ela opinou pelo afastamento da competência da Justiça Federal, que foi acolhido pelo juiz.
🚨 Cadeia delituosa
Abiove, Anec e Anea expuseram ao delegado que os crimes cometidos no Porto de Santos e em seu entorno consistem em adulteração de soja, farelo de soja e açúcar. Nesses produtos são adicionadas impurezas e matérias estranhas, como cascas, serragem e outros. Essas misturas teriam por finalidade camuflar desvios de cargas, evitando-se diferenças significativas em seu peso. O esquema ainda contaria com a adulteração de documentos, inclusive fiscais, e o recrutamento de diversas pessoas para a sua execução.
Segundo as associações – apenas a Abiove e a Anec têm 60 empresas associadas – foram detectados mecanismos de ação usados pelo crime organizado. Elas citaram “o aliciamento da cadeia de negócio, desde produtores rurais, cerealistas, motoristas, classificadores de certificadoras terceiras, operadores portuários, colaboradores dos terminais e, em situações mais complexas, a criação de empresas (pessoas jurídicas) com a finalidade única de dar aparência de legitimidade às cargas fraudadas”.
De acordo com as entidades, as fraudes têm sido identificadas no início e/ou até antes de ser realizado o carregamento das mercadorias, durante o transporte por modais rodoviário e ferroviário, dentro das instalações portuárias e, “mais preocupante ainda, nas etapas operacionais de embarque dos produtos nos navios”. Além da insegurança e dos prejuízos às empresas, esse quadro gera impacto negativo aos cofres da União com a redução da arrecadação oriunda da atividade mercantil, destacaram as associações.
“Como se trata (o cais santista) de importante rota para o escoamento de produtos destinados à exportação, a prática da conduta delituosa tem causado manifesta insegurança, bem como prejuízos econômicos de considerável monta às aludidas entidades. Considerando a importância desses produtos para a balança comercial, pode-se seguramente afirmar que os prejuízos afetam a economia brasileira e a geração de empregos e renda dos setores relacionados”, concluíram a Abiove, Anec e Anea.
📑 Modelo de gestão
Rodrigo Nardi explicou que, embora existam diversas empresas atuando na área pública do cais santista, elas operam sob regime de arrendamento e concessão, não se configurando, por si só, interesse direto da União a atrair a competência da Justiça Federal e, por consequência, a atribuição investigativa da Polícia Federal. O delegado também discorreu sobre o modelo de gestão portuária adotado prioritariamente no Brasil, conhecido como landlord port.
Nesse modelo há separação entre a autoridade portuária e a exploração operacional privada. O Poder Público é o dono da infraestrutura do porto e o setor privado opera as instalações por meio de arrendamento ou concessão. “Não basta que a área onde se desenvolve a atividade empresarial seja pública ou sob regime contratual com ente público. É imprescindível a demonstração de que a conduta criminosa tenha causado ou visado causar lesão direta a bens, serviços ou interesses da União”, anotou Nardi.
O chefe da PF em Santos acrescentou que, no modelo landlord port, as empresas arrendatárias assumem os riscos e a responsabilidade pela atividade que exercem. “Embora eventuais atividades ilícitas estejam ocorrendo parcialmente no Porto de Santos, supostos delitos não parecem recair sobre a atividade pública portuária ou a integridade do patrimônio público federal. As condutas, em tese, não resultam em prejuízo econômico ou funcional direto à União”.
Na decisão que determinou a remessa da notícia de fato da Abiove, Anec e Anea à Justiça Estadual, com o aval do MPF, o juiz Anderson Vioto Silva referendou os argumentos do delegado. “Ainda que parte das condutas supostamente delituosas tenha se dado nas instalações portuárias, tais atos recaem exclusivamente sobre atividades privadas, não configurando prejuízo direto a bens, serviços ou interesses da União que justifique a atração da competência da Justiça Federal”.