Quinta, 25 Setembro 2025

Editorial | Coluna Dia a Dia

Portogente

“O clima que pintou” em 39 segundos (como ‘ele’ cronometrou isso?) de “química muito boa” no encontro ‘casual’ na sede das Nações Unidas, os elogios rasgados de Trump a Lula, para o mundo ver e ouvir, podem ser o mel para atrair a uma armadilha, mas podem também ser encarados como uma volta momentânea a 92 anos atrás, quando, na Conferência Panamericana de Montevidéu (12/1933), os EUA apresentaram a proposta da Política de Boa Vizinhança com a América Latina.

Veja mais: Política de Boa Vizinhança - Wikipédia

Por aqui, ela aconteceu principalmente pela via cultural: a Disney criou o Zé Carioca (junto com o Gauchito para a Argentina e o Panchito para o México), e logo o Pato Donald os levou para Hollywood – junto com sua nova paixão, a cantora Aurora Miranda, e a atriz luso-brasileira Carmen Miranda...

Para o leitor avaliar melhor o contexto: até uma continuação de ‘The Tree Caballeros’ foi proposta para homenagear Cuba – mas ‘Cuban Carnival’ foi cancelada por falta de orçamento...

Os resultados de tanta sedução foram os esperados: o Brasil reduziu os laços com a Europa, afastando-se da influência de Hitler e buscando o “american way of life”, com expressivos lucros para os estadunidenses, após a Quebra da Bolsa de 1929 e subsequente Grande Depressão dos anos 30. Só para lembrar: o Brasil foi um dos fundadores do Fundo Monetário Internacional (FMI) e os 19 países latinos foram quase a metade dos participantes da conferência de Bretton Woods-1944 em que o dólar americano substituiu a libra esterlina como moeda de referência mundial...

Veja mais: The Three Caballeros - Wikipédia

Vejamos pela perspectiva brasileira: governava o país Getúlio Vargas. Como os EUA, presididos por Franklin D. Roosevelt, o Brasil mantinha neutralidade às vésperas da Segunda Guerra Mundial, oscilando entre Alemanha e EUA e internamente entre Integralismo e Comunismo. Os EUA queriam garantir bases sólidas na América do Sul antes de marcar posição na Europa.

Resultado prático da sedução ianque, ganhamos o financiamento da Cia. Siderúrgica Nacional (CSN, inaugurada em 9/4/1941), necessária ao esforço de guerra. Logo, os EUA entraram no conflito mundial (em 8/12/1941) e o Brasil (em 22/8/1942), integrado ao esforço bélico dos Aliados contra Hitler.

Veja mais: Integralismo e Integralismo Brasileiro – Wikipédia

Parceiros históricos desde a Independência das duas nações, EUA e Brasil se afastaram meses atrás com as ameaças à soberania nacional e sanções impostas por Trump, que sequer aceitava negociar.

A reviravolta ocorrida dia 23/9 em dependências da ONU foi claramente por vontade de Trump (se ele não quisesse, sua segurança garantiria que o breve encontro não ocorresse), e abriu espaço para eventual retorno das velhas políticas de sedução. Cabe ao Brasil verificar se precisa de um novo Zé Carioca, alguma siderúrgica, um espelhinho... ou uma política consistente de apoio econômico mútuo.

Veja mais: Trump diz que encontrou com Lula por 39 segundos e que vão marcar reunião: 'tivemos ótima química'

Não percamos tempo investigando que interesses transitam pelos corredores da Casa Branca. O fato é que a economia brasileira demonstrou resiliência perante as sanções e a política resistiu às coações. Ante os tarifaços inesperados, vários setores responderam prontamente redirecionando exportações, ficando o maior prejuízo para os importadores estadunidenses, desabastecidos e sem opções.

Pontualmente, setores ou empresas mais dependentes dos EUA (calçados, madeiras, roupas, pesca) sentiram impacto mais forte, até porque cumpriam encomendas específicas, repentinamente canceladas.

Veja mais: 'Encontros inusitados e constrangedores': o que imprensa internacional disse sobre Lula e Trump na ONU

Então, este é o ponto. Lula, novo Getúlio, tem oportunidade de conseguir que o Brasil novamente faça a diferença no cenário mundial, se negociar com o “companheiro” Trump em bases igualitárias e equilibradas, sem ficar dependente da China, por mais que ela ofereça infraestrutura e mercados.

EUA e China são parceiros importantes, desde que não fiquemos em posição subordinada. Queremos manter – como fez Getúlio – respeitosa e proveitosa equidistância para alcançar nossos legítimos interesses. Assim, todos ganham. Já provamos não precisarmos nos ajoelhar perante estrangeiros, pois temos muito potencial a desenvolver e podemos ser ótimos parceiros, se eles quiserem. Que a “boa química” prevaleça, tanto nas relações Sul-Norte como nas Oeste-Leste.

Mas, Lula, se for a Washington na próxima semana, talvez encontre portas fechadas. Nada contra o Brasil, apenas um probleminha interno dos EUA...:

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Trump e Lula na ONU

Trump viu Lula aplaudido na TV da ONU e quis conhecê-lo. E agora?
Foto: UN Photo-UN71118211/Mark Garten, 23/9/2025

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