Quarta, 27 Novembro 2024

Por Wilson Périco, presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam)

É irresponsável e padece de fundamentação a afirmação feita em palestra recente e publicada no portal do Insper, pelo economista Marcos Lisboa, vice-presidente da instituição, segundo o qual “O programa Bolsa Família é barato e muito eficaz, e custa 0,5% do PIB. Mas há outras despesas com pouca comprovação de benefícios à sociedade. A Zona franca de Manaus e os subsídios do BNDES custam, cada um, o equivalente às despesas do Bolsa Família por ano”. A afirmação categórica sobre a Zona Franca de Manaus sugere desinformação e se vale de comparações vazias de argumentos, incoerentes no formato e levianas de conteúdo. O Brasil leviano desconhece o Brasil da exclusão que bur ocratas e arautos do descaso fazem questão de remover de sua geografia obtusa.

Seria a ilação “despesa não comprovada” um atestado de desinformação ou má-fé? Como ex-burocrata de primeiro escalão da Receita Federal ele não pode ignorar que não há custeio público no modelo industrial da Zona Franca de Manaus. Há renúncia. Nenhum centavo sai da União para as empresas instaladas na ZFM. A isenção parcial de impostos só se aplica a partir da inserção do produto no mercado. E se não houvesse o modelo como Marcos Lisboa parece defender, não haveria renúncia muito menos essa generosa remessa de recursos federais à União. Criado para reduzir as desigualdades regionais através de renúncia fiscal - como se lê na Constituição Federal de 1988, e reafirm ada em 2014, por reconhecimento praticamente unânime do Congresso Nacional - o modelo ZFM foi transformado historicamente num exportador de recursos para a União. Nessa distorção perversa, a maior parte, 54,42% da riqueza produzida pelos benefícios fiscais, volta para os cofres da União, de acordo com os estudos feitos pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Foram analisados, em tese de doutorado, os efeitos que os incentivos fiscais concedidos a indústrias instaladas na região têm na distribuição de riquezas entre funcionários, proprietários e governo. Para o pesquisador Jorge de Souza Bispo, autor da dissertação "Criação e Distribuição de Riqueza pela Zona Franca de Manaus", a configuração assim aparece: 54,42% vão para o governo; 27,28% são distribuídos entre os empregados; e apenas 1,82% fica com os empresários. Em compensação, no restante do país o governo recebe 41,54% de toda a produção; os empregados ficam com 36,31%; e os empresários, com 6,44%. Uma conclusão surpreendente em modelos com incentivos fiscais. As empresas locais geram em média 31% de riqueza sobre o faturamento, enquanto no restante do país as demais plantas criam aproximadamente 50%.

O modelo Zona Franca de Manaus, açoitado por uma crise que decorre da omissão de responsabilidades federais no que se refere ao provimento de infraestrutura, que solapou historicamente sua competitividade, comparece com 50% dos impostos recolhidos pela União na Região Norte. E o Amazonas é um dos oito estados da Federação que mais recolhem do que recebem recursos. A exportação de recursos para a União arrecadou em 2012, R$ 8,958 bilhões, e recebeu de volta apenas R$ 2,535 bilhões, uma informação que não poderia escapar a um economista, que ignora a diferença entre assistencialismo e empreendedorismo. Na aritmética das transferências constitucionais, a renúncia fiscal real gira em torno de R$ 6 bilhões. No portal da Receita Federal, esses dados est&ati lde;o claros, assim como estão claros numa consulta rápida e acessível, os impostos federais recolhidos pela cadeia integral do modelo Zona Franca de Manaus, que gera 120 mil empregos no chão de fábrica, 600 mil indiretos no Amazonas e, a partir daí, aproximadamente 2 milhões ao longo da distribuição de seus produtos em todo território nacional.

Os benefícios seriam maiores para esta parcela esquecida da brasilidade se os recursos de Pesquisa e Desenvolvimento e as Taxas da Suframa, recolhidas ambos junto às empresas locais, não fossem confiscados pela União progressivamente ao longo de mais de uma década, algo em torno de R$ 3 bilhões. Este modelo gera, sim, muitos benefícios não só ao Amazonas, mas ao Brasil, os brasileiros que consomem os produtos fabricados aqui. Esse discurso raivoso da renúncia é risível se esta for comparada à renúncia histórica da indústria automobilística. Aqui, as empresas instaladas, comprovadamente, lucram menos que outros arranjos industriais do país, mesmo assim patrocinam integralmente o orçamento da Universidade do Estado do Amazonas, a maior uni versidade multicampi do planeta, presente em 62 municípios, além dos fundos estaduais de turismo, fomento e interiorização do desenvolvimento, que permitem, por exemplo, financiar os projetos de cadeias produtivas no interior. São mais de R$ 1,3 bilhão anual de investimentos, entre universidade, Centro de Educação Tecnológica, turismo e programas de agroindústria para a população ribeirinha. Sem quaisquer despesas ou investimentos, não há registros na História do Brasil de um modelo federal de desenvolvimento com tantos benefícios e acertos.

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