Jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, professor em Gestão Ambiental na FAPPES e palestrante e consultor na área ambiental
Nossas cidades têm sido reféns do grande imperador automóvel desde o princípio do século passado. A chegada do transporte individual foi visto e festejado como um dos principais símbolos do capitalismo e da visão liberal de mundo. Liberdade, individualidade, desenvolvimento, portanto, a conquista definitiva do homem moderno rumo à felicidade plena e definitiva.
O conceito do fordismo dominou nossas vidas, desde então, baseado na produção em massa e entre uma grande quantidade de produtos a serem consumidos, o carro representava e, precisamos ser realistas, ainda representa, a verdadeira realização de um sonho de conquista e sucesso.
O que não se podia prever é que quanto mais pessoas passassem a ascender o olimpo do carro próprio, a realidade da mobilidade urbana e da configuração das cidades seria impactada de maneira cada vez mais dramática.
Eis que em pleno século XXI estamos a desconstruir paulatinamente o que foi erguido durante todo o século passado. Nossos gestores públicos por bem ou por mal já concluíram ser inviável continuar apostando cegamente em buscar soluções de transporte que priorizem o automóvel, até porque tornam os espaços urbanos definitivamente inviáveis.
Em lugar de uma cidade voltada para solucionar, ou melhor, apenas tentar sem sucesso, garantir espaços para os carros, o poder público começa a planejar baseado na busca da mobilidade que envolva todos os meios de locomoção privilegiando a ideia da “cidade para as pessoas”.
O direito de ir e vir colocado em sua real perspectiva toma o lugar da expressão: “ direito de andar com meu carro quando e onde eu quiser”, dá lugar ao direito da mobilidade, seja ela exercida de acordo com os meios mais adequados a determinada área ou região.
Pedestres, cadeirantes e ciclistas, entre outros, eram praticamente invisíveis e suas necessidades ou desejos absolutamente ignorados. Uma recente campanha lançada pelo Portal Mobilize, especializado em mobilidade urbana, deixa bem clara essa histórica negligencia ao concluir que mais de 90% das sinalizações existentes em cidades brasileiras são destinadas aos automóveis. Segundo informa a pesquisa Sinalize, “não existem totens com mapas que indiquem os principais pontos de referência, que podem ser alcançados a pé ou de bicicleta. Não há, salvo raras exceções, indicação das rotas adequadas aos ciclistas. Mais raros ainda são os sinais sonoros para pessoas com deficiência visual”.
Se levarmos em conta que, de acordo com pesquisa divulgada em julho pelo Datafolha, 79% dos moradores de São Paulo utilizam ônibus em seus deslocamentos, em segundo lugar o metrô com 39% das viagens e o carro apenas em terceiro com 17%, é óbvia e ululante a necessidade de planejar e investir em soluções que busquem atender essa grande maioria.
Só para complementar outros dados do estudo realizado pelo Datafolha. Os trens estão em quarto lugar com 14% dos deslocamentos diários, seguido de vans, peruas e lotações com 13% das respostas dos entrevistados e ainda 7% que fazem seus trajetos a pé, 2% são usuários de motos e por fim 1% respondeu que fazem uso de bicicletas ou táxis.**
Muito trabalho pela frente
Se a percepção do colapso se espalha com alguma velocidade, isso não significa que essa visão esteja consolidada de maneira clara e definitiva. Ainda mais fora dos eixos já fortemente impactados.
Infelizmente, as grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro continuam a representar exemplos de “progresso” e “modelos de exportação” a serem seguidos por outras capitais e cidades brasileiras em geral. Apesar da lenta mudança de rumos, os terríveis congestionamentos verificados nessas cidades têm sido replicados em outras regiões do país, graças às facilidades na compra dos automóveis e o estímulo insano ao transporte individual. O resultado é que nos últimos anos o trânsito parado e estressante passou a ser vivenciado até mesmo nas cidades médias do país quase sem exceção.
Seduzidos por esse modelo fracassado, infelizmente ainda somos obrigados a conviver com algumas autoridades públicas de visão limítrofe que, tentam resolver a questão do transporte construindo mais túneis, viadutos, novas pistas e novas avenidas. É muito dinheiro público investido em obras de resultado pontual e de curto prazo, quando em alguns casos sequer representem uma solução paliativa, mas meramente cosmética.
A equação em cidades já dominadas pela visão puramente automobilística não é de fácil resolução, mas o fato é que já não mais faltam informações para que saibamos os caminhos a trilhar. Sejam eles quais forem os obstáculos, é chegada a hora de envidar todos os esforços para a construção de uma mobilidade que contemple todos os meios de transporte sejam eles motorizados ou não.
**O total da pesquisa é superior a 100%, pois as pessoas entrevistadas podiam citar mais de uma opção de transporte.