No dia 2 de abril de 2015 a Secretaria de Portos (SEP) abriu uma consulta pública para a Concessão dos Canais de Acesso dos portos organizados. Inicialmente a concessão irá abranger os portos de Santos, Rio Grande e Paranaguá, onde segundo a SEP os Portos apresentam a maior necessidade de intervenções constantes (elevado assoreamento), ver Tabela 1.
A consulta pública tem como objetivo colher contribuições dos agentes envolvidos e serão consideradas para a definição final dos aspectos estratégicos e para estruturar a elaboração de estudos de viabilidade técnica e econômica das concessões. Todas as propostas foram coletadas até o dia 9 de maio de 2015 (o prazo inicial era 19 de abril, porém foi prorrogado pela própria SEP em virtude da complexidade do assunto e dos embates travados na Audiência Pública realizada em São Paulo no dia 09 de abril de 2015).
A SEP pretende conceder à iniciativa privada os canais de acesso aos portos públicos. O objetivo da Secretaria é manter sem interrupção a dragagem de aprofundamento e preservar a profundidade dos trechos navegáveis para permitir a circulação de navios maiores e, por consequência, com mais capacidade de carga.
Em princípio foi prevista apenas a concessão do serviço de dragagem para os canais de acesso, porém o ministro dos Portos, Edinho Araújo, e o ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Nelson Barbosa, decidiram estender a possibilidade de concessão para toda a gestão dos canais de acesso (gestão da infraestrutura aquaviária), hoje exercida pelas Companhias Docas e demais Empresas Públicas de Administração Portuária.
Ou seja, além da dragagem, a SEP tem a pretensão de incluir atividades como; sinalização, balizamento, e, se necessário, alargamento do canal - serviços que atualmente são atribuição das empresas públicas. Ainda não há prazo para a abertura dos primeiros editais de licitação nem definição de como as concessões serão constituídas e remuneradas.
Na primeira audiência pública em 09 de abril de 2015 muitos questionamentos e entraves foram apresentados contra a concessão completa dos canais de acesso. Neste texto são apresentadas as principais objeções: i) as implicações legais impostas pela lei nº 12.815/13 (com destaque para as alterações realizadas de comum acordo com o governo durante a tramitação da MP 595/12), ii) a função estratégica da atividade para o país, que conforme corroborado por alguns participantes da audiência, nos principais portos do mundo é papel e responsabilidade do governo, e iii) os impactos sobre as receitas das Companhias Docas e das Empresas Públicas de Administração Portuária.
Por fim, são destacadas algumas questões que deixam dúvida sobre os procedimentos da concessão.
I. ALTERAÇÕES DA MP 595/12 E A LEI Nº 12.815/13 – O NOVO MARCO REGULATÓRIO DO SETOR PORTUÁRIO
Antes de apresentar qualquer objeção referente à concessão de uma atividade pública e estratégica do setor portuário à iniciativa privada, vale retomar um histórico importante de construção do quadro legal que antecede o processo de aprovação da Nova Lei dos Portos (Lei nº 12.815/13), e que ocorreu em meio a um longo e duro embate entre as partes envolvidas durante a tramitação da MP 595 no congresso.
Após quase um mês de negociações entre trabalhadores, governo federal e representantes do Congresso Nacional, foram realizadas algumas alterações no projeto original. Nesta ocasião, o movimento sindical conseguiu suprimir o parágrafo único do Art. 4º da MP que permitia, expressamente, em seu texto que os contratos de concessão pudessem abranger a administração portuária, no todo ou em parte. Na compreensão do movimento sindical, tal menção poderia abrir espaço a possíveis privatizações nas Empresas Públicas de Administração Portuária, motivo pelo qual, se posicionou contrário ao artigo e solicitou sua retirada. Esta solicitação foi aceita pelos representantes do governo e ficou transcrita na Nota Informativa do Senado Federal, documento em que são analisadas as reivindicações dos trabalhadores portuários.
A MP 595/12 resultou na nova lei dos portos: Lei nº 12.815/13 que em seu Art. 18, inciso I, alínea “a”, deixa claro uma das competências da administração portuária dentro do porto organizado:
“Art. 18. Dentro dos limites da área do porto organizado, compete à administração do porto:
I - sob coordenação da autoridade marítima:
a) estabelecer, manter e operar o balizamento do canal de acesso e da bacia de evolução do porto;”
(...)
Dessa maneira, a iniciativa da SEP de estender a concessão para toda a gestão dos canais de acesso (gestão da infraestrutura aquaviária), e permitir que as concessionárias também incluam nos seus serviços atividades como; sinalização, balizamento e alargamento dos canais, parece esbarrar no aspecto legal, além de ferir um compromisso que havia sido negociado com a representação dos trabalhadores na época da tramitação do novo marco regulatório do setor portuário.
II. ANÁLISE DA ESTRUTURA INTERNACIONAL
Outro aspecto importante passa pela avaliação da estrutura portuária internacional que pode servir de referência a para o caso brasileiro. Neste sentido, a pesquisa da consultoria Booz&Co, encomendada pelo BNDES, contribuiu diretamente para está análise e deixou claro, conforme mostra a Tabela 2, que nos principais portos do mundo: Hamburgo (maior porto da Alemanha e 3º maior da Europa), Bremen (2º maior porto da Alemanha), Antuérpia (2º maior porto da Europa), PSA e Jurong (3º maior porto do mundo em volume), Le Havre (nono maior porto da Europa), Roterdã (maior porto da Europa, e 4º maior do mundo), Hong Kong (maior porto do mundo em movimentação de contêiner), os investimentos em infraestrutura de acesso marítimo, como é o caso da dragagem e da manutenção dos canais é papel e responsabilidade do governo. O estudo ainda ressaltou que em geral, a manutenção da profundidade dos berços e de áreas próximas aos terminais é de responsabilidade da Autoridade Portuária.
Fonte: BNDES-Booz&Co: Análise e Avaliação da Organização Institucional e da Eficiência de Gestão
do Setor Portuário Brasileiro – Nov. 2012. Nota: em branco são os portos sem informação
III. IMPACTO SOBRE AS RECEITAS DAS COMPANHIAS DOCAS E DEMAIS EMPRESAS PÚBLICAS DA ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA
Uma terceira questão em relação à concessão dos canais de acesso, e que pode ser considerada como a mais grave para as Companhias Docas e demais Empresa Públicas da Administração Portuária está relacionada à perda de suas receitas. Para avaliar a dimensão destes valores foram analisados os demonstrativos financeiros da CODESP, e dos Portos de Rio Grande e Paranaguá, empresas, inicialmente, alvo da concessão pela SEP. A análise verificou o percentual da receita tarifária (relativa à Tabela 1 dos portos) em relação à receita operacional total para os anos de 2013 e 2014. A receita tarifária (Tabela 1) remunera o uso da infraestrutura aquaviária que é constituída pelo canal de acesso, bacia de evolução e sinalização para as embarcações realizarem suas operações com segurança.
A Tabela 3, abaixo, mostra o valor da receita tarifária arrecadada pela CODESP e pelos Portos de Rio Grande e Paranaguá, em milhões de reais e o seu percentual em relação à receita operacional total. No ano de 2013 a receita tarifária variou entre 28,9% e 40,8%, já no ano de 2014 o percentual variou entre 27,7%, e 37,0%.
Leia o estudo técnico completo aqui.