Quinta, 28 Novembro 2024

O dia 4 de janeiro de 2015 marcará eternamente a vida do médico e experiente aviador Augusto Fonseca da Costa. Foi nesse dia que o filho de Augusto, Vitor Gunha da Costa, de 19 anos, perdeu a vida em um acidente aéreo na cidade de Toledo, oeste do Paraná. A investigação provou que Vitor foi vítima de um grave erro de ordem mecânica causado pela negligência do fabricante da aeronave, consequência da leniente regulação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) no Brasil. Para evitar novas mortes causadas por problemas dessa natureza, Augusto fundou a ABRAVAGEx (Associação Brasileira das Vítimas de Aviação Geral e Experimental) e começou uma incansável luta para tornar mais rígidas as normas de segurança aérea no Brasil.

Esse foi o mote da apresentação de Augusto Fonseca da Costa no último dia 2 de agosto, quando representou os consumidores brasileiros na primeira audiência pública do Senado Federal que discute o PLS 258/2016, projeto que institui o novo Código Brasileiro de Aeronáutica. “Sou piloto há 43 anos e entusiasta da aviação esportiva há 30 anos. O que defendemos é a valorização da segurança e a legitimização do segmento”, diz Augusto Fonseca da Costa, que também é membro do Conselho Consultivo da Anac. “Não podemos permitir que em prol da lucratividade e competitividade dessa indústria, as agências reguladoras da aviação brasileira se eximam de suas responsabilidades perante o consumidor.”

Negligência
A falta de fiscalização no acidente que matou Vitor Gunha da Costa ficou ainda mais clara após a investigação do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), órgão oficial que investiga acidentes aéreos. Segundo o relatório, a principal causa do problema com a aeronave modelo Super Petrel LS, fabricada pela empresa Edra/Scoda Aeronáutica, foi a falha na mangueira que bloqueou a passagem do combustível para o motor.

A investigação do Cenipa apontou que a empresa Edra/Scoda havia descumprido um recall da fabricante do motor do Super Petrel que ordenava a troca imediata da mangueira antes do próximo voo ‘sob o risco de morte’. No manual, no entanto, a empresa declarava que havia realizado a troca – informação que o Cenipa comprovou ser falsa. Foi a primeira das inúmeras irregularidades detectadas na fabricante do monomotor. Na descrição técnica do manual há, por exemplo, a indicação de que a aeronave possui três marcadores de combustível, quando na realidade possui apenas um marcador, o que torna imprecisa a indicação e compromete a segurança do voo. Um dos proprietários da indústria, Rodrigo Scoda, emitia laudos de vistoria para a Anac como engenheiro aeronáutico, quando sua formação no Crea-SP é de engenheiro mecânico.

A quantidade de irregularidades e falta de fiscalização levou a Abravagex a uma posição extremamente crítica em relação à agência reguladora no que diz respeito à chamada aviação ‘experimental’. A começar pelo termo ‘experimental’, que seria adequado apenas para a aviação de testes. As empresas brasileiras, longe disso, produzem aeronaves fabricadas em série – longe de serem produções amadoras – em verdadeiras linhas de montagem e cujo poder financeiro impõe a flexibilização das normas de segurança. Ou seja: a aviação ‘experimental’ brasileira tem produção industrial travestida de construção amadora.

Por serem consideradas produções experimentais, essas aeronaves chegam até o consumidor construídas com materiais não-aeronáuticos, o que compromete não apenas a segurança do comprador, mas das pessoas que estão em outras aeronaves ou no solo. Pior ainda, são falsamente anunciadas como LSA (Light Sports Aircrafts) ou ALE (Aeronaves leves Esportivas) no Brasil, com a conivência da Anac que apesar de reconhecer que nenhuma fabricante brasileira cumpre as normas ASTM (American Society for Testing and Materials), que ela própria exige para certificar uma aeronave LSA, publicoun recentemente uma tabela ilegal enquadrando todas as aeronaves brasileiras como certificadas nessa mais segura categoria.

Augusto enumera outros itens que compõem o rol de irregularidades que cerca o universo da chamada aviação ‘experimental’. Por não terem a obrigatoriedade de ser certificadas (aeronavegabilidade), as agências reguladoras se eximem de apurar as causas dos inúmeros acidentes ocorridos país afora. Pior: apresentam estatísticas que em nada condizem com a realidade dos fatos. “Qualquer pessoa ao analisar a tabela com registros dos acidentes chegará à falsa conclusão de que a aviação experimental no Brasil é a mais segura do mundo”, diz Augusto.

A aviação experimental é o segmento que mais cresce no Brasil. Desde 2006, a frota de aviões experimentais aumentou 71%, contra 49% de aviões certificados. Há 24.582 aeronaves registradas no Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB) – 6.244 delas são aeronaves experimentais (25% da frota nacional) e cerca de 20 empresas fabricantes.

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