A Resolução nº. 4.271-Antaq está com a sua audiência pública em curso para receber contribuições da sociedade, principalmente, dos players do setor, visando o aprimoramento do normativo. O momento, sem sombra de dúvidas, é de discussão e o foco, inevitavelmente, recai sobre as cobranças de sobretaxas e sobre-estadias de contêineres praticadas pelos armadores, principalmente os estrangeiros, e os intermediários do setor. Os Usuários clamam por regulação.
As preocupações dos usuários exportadores e importadores não estão limitadas somente ao quanto se paga por tais despesas. Existem enormes preocupações também em relação ao que se paga aos armadores e intermediários, no que se refere às naturezas dessas cobranças e as justificativas no momento da prestação de informações ao Siscoserv (Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio), vez que, além de pagamentos de valores sem regulação, ainda podem ser autuados, multados, isso sem falar na perda de benefícios fiscais, acarretando no pagamento de tributos cujas alíquotas estão reduzidas a zero.
Dessa forma, para tentar elucidar algumas dúvidas dos usuários acerca das sobretaxas e sobre-estadias no sistema, consultamos um dos maiores especialistas em Siscoserv do país, Lisandro Vieira, CEO da WTM do Brasil, mantenedora do site educativo sobre o tema www.siscoserv.srv.br e que presta consultoria às principais empresas do país envolvidas no comércio exterior:
UPRJ - Depois de mais de 13 anos, finalmente, a Antaq decidiu elaborar um normativo para regular as atividades dos armadores estrangeiros, através da Resolução nº. 4.271-Antaq/2015 que, até o dia 30 de outubro estará em Audiência Pública, recebendo contribuições da sociedade. A USUPORT-RJ tem grande preocupação em relação as chamadas sobretaxas (ou surcharges) cobradas pelos armadores de forma indiscriminada, sem regulação, tais como THC, Bunker, “taxa de lacre”, dentre outras diversas. No normativo que está em audiência pública, a Antaq coloca a possibilidade de os usuários (embarcadores, exportadores e importadores) pagarem “taxas”, “sobretaxas”, “preços” e o frete, este último, todos sabemos que é a remuneração dos serviços de transportes. Todavia, a agência não definiu e não enfrentou a natureza do que ela chama de “taxas”, “sobretaxas”, “preços” no normativo. Então, à Luz do Siscoserv, quais os impactos que o não enfrentamento da definição e da natureza dessas quantias pode trazer aos usuários?
Lisandro Vieira: O Siscoserv foi criado para que o governo brasileiro possa identificar toda e qualquer prestação de serviços entre domiciliados no Brasil e no exterior, com a exigência de classificação fiscal específica para cada serviço, informação do prestador, da moeda, da data de início e de fim, bem como a indicação de quais serviços são cobertos por mecanismos de apoio ao comércio exterior de serviços, como, por exemplo, a redução a zero do Imposto de Renda Retido na Fonte, como é o caso do frete e de alguns outros serviços de uso das instalações portuárias, nos termos da lei 9.481/1997, alterada pela pela lei 13.043/2014.
A falta de clareza, no faturamento destas taxas, cria uma grande dificuldade, para que os importadores e exportadores consigam identificar, com precisão, qual é a natureza do serviço que está sendo cobrado, quem é o efetivo prestador, se houve amparo em algum mecanismo de apoio, e até mesmo em saber se o efetivo prestador do serviço é domiciliado no Brasil ou no exterior, face a presença de muitas destas empresas com unidades em diversos países.
UPRJ - As sobretaxas cobradas pelos armadores, principalmente os estrangeiros, possuem naturezas diversas. Umas são ressarcimentos de despesas de serviços prestados por terceiros, tal como o Terminam Handling Charges (THC); outras são ressarcimentos de despesas feitas com compra de algum produto, tal como o bunker (combustível) e a “taxa de administração de lacre” cobrada dos exportadores; também existem as sobretaxas cobradas por questões mercadológicas, de momentos de picos, por exemplo, tais como o GRI (General Rates Increase) ou o Peak Season. Como os usuários devem tratar as sobretaxas na hora de lançar no Siscoserv? Como um pagamento apenas, ou devem ser observadas as naturezas das cobranças? Quem deve ser preocupar com a natureza da cobrança no momento de lançar no Siscoserv o usuário ou o armador?
Lisandro Vieira: Costumamos orientar nossos clientes com os mesmos parâmetros das autoridades competentes. Em diversas oportunidades, presenciamos representantes da Receita Federal do Brasil orientar os contribuintes no sentido que definições genéricas (como "Taxas", "Sobretaxas", ressarcimento, serviço e reembolso) não são conceitos adequados.
Explicando o ponto de vista do órgão fiscalizador, seria como se uma empresa declarasse no Siscomex uma mercadoria simplesmente como "produto". Isso não é possível porque no Siscomex existe a NCM, que obriga o contribuinte a classificar o produto de maneira específica.
Acontece que, com o Siscoserv e com a NBS, temos a mesma situação: as empresas estão obrigadas a classificar os serviços de maneira específica. Há distintas classificações para transporte, armazenagem, movimentação, consolidação e desconsolidação documental, unitização e desunitização de carga, agenciamento ou corretagem de fretes, coleta e entrega, entre outros.
Desta forma, a empresa que, por fim, paga por todos os serviços, taxas e quaisquer outras definições, acerca do que a Receita Federal chama de valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, é a empresa que deve se preocupar, antes do Siscoserv, com a identificação do real prestador do serviço que está sendo cobrado, com a identificação exata de qual taxa está sendo cobrada e com o domicílio da empresa que está faturando o serviço. Caso este prestador seja domiciliado no exterior, surge então a necessidade de registro destas operações no Siscoserv.
Esta também deve ser uma preocupação do armador e da agência que o representa, para dar ao cliente final, que sustenta toda a cadeia logística, tranquilidade e transparência na hora de identificar o que foi pago, o porquê e para quem, com a finalidade de o cliente final não ficar exposto a riscos de natureza fiscal ou tributária.
UPRJ - Durante a Audiência Pública Presencial que ocorreu em São Paulo no dia 17 de setembro, a Antaq decidiu pela inclusão dos intermediários (agentes marítimos, NVOCCs nacionais e estrangeiros, e agentes de cargas) na Resolução nº. 4.271-Antaq/2015, vez que, nos planos iniciais da agência, essa inclusão aconteceria em um segundo momento. Sabemos que muitas sobretaxas praticadas pelos armadores, quando existe uma operação NVOCC, são infladas, ou seja, valores são acrescidos nessas sobretaxas para que as diferenças entre o que os NVOCCs pagaram aos armadores e o que cobraram dos usuários gerem receitas. Também com base na pergunta acima, como os usuários devem tratar as sobretaxas cobradas pelos NVOCCs no momento de lançar no Siscoserv? Isso pode trazer problemas para os armadores, NVOCCs e usuários? Quem estaria em maior nível de exposição?
Lisandro Vieira: Esta situação é bastante delicada, costumamos ouvir das autoridades competentes que este é um problema fiscal e contábil, tanto da empresa que está pagando quanto da que está recebendo. Mas, para facilitar o entendimento dos leitores, podemos afirmar que o tratamento, dado neste caso, não pode e não deve ser diferente do tratamento dado a quaisquer outros serviços fora do universo portuário.
A empresa, que tem o dever de pagar, deverá ser capaz de comprovar para o Fisco que todos os valores pagos foram devidamente tributados pelos prestadores de serviço, ao longo da cadeia logística.
Aos prestadores, por sua vez, cabe adequar o modelo de negócio atual, frente ao novo cenário, e garantir ao cliente final que as taxas, que estão sendo cobradas pela sua empresa, estão dentro das atividades previstas na constituição da empresa (o CNAE, que pode ser conferido com uma simples consulta ao Cartão CNPJ da empresa), bem como que os valores, que estão sendo repassados, configurem realmente repasse.
Por fim, tanto os valores repassados, quanto a diferença (ganho, "profit", receita do prestador), devem ser tributados e os documentos fiscais entregues ao cliente, para que este tenha segurança na identificação do real prestador do serviço, sua natureza, e, finalmente, se cabe ou não o registro no Siscoserv.
UPRJ - Na exportação, geralmente, os NVOCCs são empresas brasileiras. Então, o usuário exportador brasileiro contrata um empresa NVOCC brasileira que, subcontrata um armador estrangeiro. O NVOCC brasileiro terá que lançar no Siscoserv o frete e as sobretaxas pagas ao armador estrangeiro. Nesse caso, o frete e as sobretaxas pagas pelo usuário exportador ao NVOCC brasileiro precisam ser lançadas pelo usuário no Siscoserv, mesmo tendo sido pagas a uma empresa brasileira?
Lisandro Vieira: Esta situação foi respondida, de maneira bastante clara, na Solução de Consulta Cosit 257/2014, formulada por um Agente de Cargas domiciliado no Brasil. Nesta SC, a RFB deixa claro que o transportador, que não opera veículo, e contrata alguém que opere, logo figura como tomador e prestador de serviço.
Caso esta empresa seja domiciliada no Brasil, deverá sempre observar tanto a compra quanto a venda. Se o prestador e ou o tomador do serviço forem domiciliados no exterior, surgirá a necessidade de registro de RAS, na compra, e de RVS, na venda.
Também está claro, na referida SC, que se o tomador e o prestador forem ambos domiciliados no Brasil, não há necessidade de registro no Siscoserv.
Em todos os casos, sempre será necessário observar a documentação de cada embarque. A própria SC estabelece qual o documento legal para esta análise.
UPRJ - Uma das questões mais polêmicas do setor são as sobre-estadias de contêineres, que viraram fontes de receitas para armadores nacionais e estrangeiros, assim como para NVOCCs, agentes de cargas e agentes marítimos. A jurisprudência majoritária trata as sobre-estadias como indenização. Os armadores, assim como os intermediários, alagam que fazem jus à tais indenizações porque as retenções de seus equipamentos elem do free time gera prejuízos logísticos e perdas de negócios. Então, as sobre-estadias devem enfrentar duas questões em relação à indenização: a primeira seria de mera restabelecimento de um perda com os prejuízos logísticos e a segunda seria perdas de receitas, que envolvem lucros cessantes. Nesse sentido, os usuários devem lançar as sobre-estadias pagas aos armadores estrangeiros no Siscoserv? Como as sobre-estadias contêineres devem ser tratadas no sistema?
Lisandro Vieira: Este item não foi previsto na NBS, de forma que não há uma classificação adequada e inequívoca para este caso, bem como também não foi, ainda, objeto de resposta em Soluções de Consulta Cosit. Portanto, estamos aguardando o posicionamento da RFB com muita cautela.
A melhor orientação que podemos fornecer, neste caso, é que os contribuintes, que efetuam pagamento deste serviço, submetam suas dúvidas para o órgão competente, que é a RFB.
A regra que regulamenta as consultas sobre classificação de serviços é a IN 1.396/2013, sendo que as respostas serão fornecidas, a partir de Brasília, pela Coordenação Geral de Tributação (COSIT). Somente após esta definição será possível fornecer orientação com melhor margem de segurança para os contribuintes.
UPRJ - O THC, nos termos da Resolução 2.389-Antaq/2012 é uma cobrança feita pelos armadores a titulo de mero ressarcimento. Porém, até hoje, embora tenha criado um normativo para regular o tema, a Antaq jamais fiscalizou e regulou o que os armadores, principalmente os estrangeiros, cobram. Os armadores, por sua vez, não comprovam aos usuários que as quantias pagas aos terminais são as mesmas que cobram dos usuários e, para agravar, não mostram as notas fiscais dos terminais para comprovar o ressarcimento. Pela sua experiência, como os usuários estão lançando o THC no Siscoserv? Existe possibilidade de, no cruzamento de informações, serem detectadas diferenças entre o que os terminais e os usuários lançaram no sistema? Se os armadores apresentassem as notas fiscais dos terminais, comprovando que foi um serviço prestado por empresas nacionais, isso isentaria o usuário de lançamento no Siscoserv, vez que descaracterizaria uma prestação de serviços por empresas estrangeiras? Qual a complexidade que as cobranças de THC feitas pelos NVOCCs e agentes de cargas podem trazer, principalmente, quando são colocados mais valores sobre o que o armador cobra?
Lisandro Vieira: Novamente, devem ser aplicados os conceitos mais básicos de contabilidade. Todo e qualquer prestador, domiciliado no Brasil, salvo previsão legal em contrário, está obrigado a emitir nota fiscal dos serviços prestados. Desta forma, caso os terminais, domiciliados no Brasil, emitam nota fiscal contra armadores, domiciliados no exterior, estarão imediatamente obrigados a prestar estas informações no Siscoserv. O mesmo raciocínio serve para terminais de vazios, práticos, docas, rebocadores, amarradores e todos os demais prestadores de serviço de apoio às embarcações.
Boa parte destes prestadores, domiciliados no Brasil, já está efetuando o registro de venda dos valores que faturam contra os armadores, mencionando NBS, país da operação, país de domicílio do armador, NIF, endereço, moeda, datas, etc.
Todos os serviços, que forem faturados pelo armador estrangeiro contra empresas domiciliadas no Brasil, obrigarão estas empresas a efetuar o registro de aquisição destes serviços no Siscoserv, quando serão informadas, novamente, todas as informações do prestador estrangeiro, valores, datas, moeda, etc., ainda com um item que agrega um pouco mais de complexidade, que é o mecanismo de apoio ao comércio exterior, que reduz, a zero, a alíquota de Imposto de Renda sobre parte destes serviços.
Desta forma, o cruzamento de informações torna-se quase inevitável e pode ser feito até mesmo sem intervenção humana, uma vez que os dados do tomador e do prestador são os mesmos. A partir destas informações, caberá aos órgãos competentes a análise dos dados e a tomada de ações necessárias para fiscalização, regulação, etc.
Ressaltamos que a lei 12.546/2014, que instituiu o Siscoserv, condiciona o uso dos mecanismos de apoio (redução a 0% de IR, por exemplo) à prestação das informações no Siscoserv. Por isso alertamos aos contribuintes que a multa não deveria ser a maior das preocupações, e sim, a perda dos benefícios.
Quanto custaria a toda a cadeia logística a perda desta redução a zero de IR sobre o serviço de transporte e outros serviços de apoio?
UPRJ - Como você avalia a convivência atual entre as sobretaxas, as sobre-estadias e o Siscoserv? O que fazer para tornar essa convivência harmônica?
Lisandro Vieira: Nosso papel é o de analisar as relações pelo ponto de vista fiscal e tributário, o que muitas vezes não agrada. Mas é nosso dever, uma vez que devemos orientar as empresas da maneira mais conservadora e segura possível. É o já famoso "compliance".
É sabido, aliás, que, quem paga errado, paga duas vezes.
Desta forma, uma convivência harmônica seria algo até então difícil de se imaginar nesta área, de que haja conformidade fiscal e tributária em cada centavo que se paga e se fatura, que haja cem por cento de transparência, em cada relação, em cada intermediação.
Mas, se o mercado possui determinada prática como regra, sem que esta prática tenha previsão legal, é devido à carência de regulação e de fiscalização.
É de suma importância que cada órgão, dentro de sua área de competência e autoridade, defina regras cada vez mais claras para que a informalidade seja combatida, bem como para que não haja margem para práticas que firam o sistema financeiro e tributário nacional.
Por outro lado, se não há regulação específica para o setor, há as leis e regras gerais, que valem para quaisquer outras áreas de serviço, e que deveriam ser observadas pelas empresas que estão efetuando os pagamentos, que hoje estão descobertas, do ponto de vista fiscal, por efetuar pagamentos, muitas vezes vultuosos, sem a devida comprovação de que tudo fora devidamente tributado.
Os impactos legais disto ficam a cargo da análise dos juristas, mas a legislação brasileira prevê pena mesmo para quem atua de maneira passiva nestas situações.
UPRJ - Qual o papel da Antaq em relação às sobretaxas e o Siscoserv?
Lisandro Vieira: Apesar de não haver uma relação direta entre uma coisa e outra, há uma contribuição muito grande que pode ser dada pela ANTAQ, uma vez que o órgão tem a função de entidade reguladora e fiscalizadora das atividades portuárias e de transporte aquaviário.
Uma melhor definição de taxas, sobretaxas, uma eventual padronização de nomenclaturas, uma melhor identificação dos reais prestadores de serviço, bem como maior clareza, nos papéis de todos os intervenientes, seria de grande valia para as empresas que têm a obrigação de pagar por todos estes serviços, e, consequentemente, a obrigação de informá-los no Siscoserv, caso o fornecedor seja domiciliado no exterior.
Nos casos envolvendo o transporte aéreo, por exemplo, temos uma atuação da ANAC que facilitou a identificação das companhias aéreas estrangeiras, que operam vôos regulares no Brasil. Seria muito importante que tivéssemos algo semelhante no transporte marítimo.
UPRJ - Antes de serem cobradas, para que evitem riscos aos usuários, melhoraria se as sobretaxas fossem tratadas pela Antaq e autorizadas, com a natureza de cobrança definida?
Lisandro Vieira: Da forma como está o cenário, hoje, qualquer melhoria seria bem vinda, mas o tratamento disto pela ANTAQ traria grande segurança para as empresas importadoras e exportadoras. Isto facilitaria, sobremaneira, o trabalho das áreas de comércio internacional e de controladoria das empresas, que contratam e pagam por estes serviços.
No cenário atual, é muito difícil encontrar alguma empresa que tenha segurança sobre a natureza do que está pagando, pois, como não há regulação, não há nenhum padrão para as nomenclaturas das taxas e sobretaxas que são cobradas. A verdade é que a maioria das empresas desconhece o que está pagando, a que título, bem como quem é o efetivo prestador do serviço e real destinatário dos valores.
Isto cria riscos muito grandes para estas empresas, além de uma margem para que não sejam observadas todas as questões fiscais e tributárias ao longo da cadeia logística.
UPRJ - Além das multas, existem mais riscos tributários para os usuários?
Lisandro Vieira: A falta de registro, o registro em atraso, ou mesmo erros, como omissão, inexatidão ou registros incompletos, possuem uma previsão legal de penalidade, que é a mesma de outras obrigações acessórias. É um risco considerável, mas acredito que este não é o maior dos riscos envolvendo o Siscoserv.
Este sistema não criou qualquer imposto, não alterou base de cálculo, fato gerador, incidência, nada. Entretanto, este sistema tem o poder de evidenciar práticas que firam outra obrigação tributária (principal), como o recolhimento de IR, PIS, COFINS, ISS, IOF etc..