Paulo Cayres é metalúrgico na Ford Brasil e atualmente é presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, que reúne 69 sindicatos de trabalhadores metalúrgicos de todo o Brasil. Ele esteve à frente das negociações do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), lançado na última semana (6/7) com o objetivo de assegurar o emprego e a renda dos trabalhadores no setor industrial. A Medida Provisória 680 trata do programa, e a adesão poderá ser feita a partir do próximo dia 22, quando o governo divulgará os critérios de enquadramento para empresas e trabalhadores.
Na entrevista, Cayres faz uma avaliação do Plano Brasil Maior (PBM) e responsabiliza o empresariado do setor pelos baixos resultados alcançados, em função de uma dinâmica rentista que tomou conta da economia. Para ele, o PBM mostrou os caminhos para construir uma indústria brasileira forte e desenvolvida, mas que precisa do cumprimento do papel de cada setor envolvido, especialmente do empresariado. Sobre o PPE, Cayres avalia que é um programa de proteção de renda e emprego a ser testado no Brasil, ainda que funcione em países como a Alemanha.
O que é o PPE? Ainda que seja aberto a todos os setores, será necessário para a adesão ao PPE que a empresa comprove a redução da produção e venda em função da crise econômica, além de ter firmado acordo coletivo de trabalho com o sindicato da categoria. Uma das vantagens é que o trabalhador qualificado continua nos quadros da empresa, que pode retomar sua capacidade produtiva rapidamente, sem gastar para demitir e nem treinar trabalhadores quando recuperar a produção.
Portogente - A CNM participou das formulações do Plano Brasil Maior (PBM). Na sua avaliação por que esse plano não obteve o sucesso esperado?
Cayres - Na verdade, o Plano obteve sucesso, mas foi um sucesso pontual. O problema é que o Plano não teve continuidade. Um dos exemplos do seu sucesso foi a criação do Inovar-Auto, que dialogou diretamente com as montadoras, propiciou a diminuição da importação de veículos e manteve os empregos no país no auge da crise. O mundo está em crise desde 2008 e parte do que fez a indústria funcionar durante ela foi o PBM, induzindo a política industrial naquele momento. O sucesso desse Plano não depende apenas do governo e dos trabalhadores (que fizeram sua parte), mas também do empresariado, que não demonstrou interesse. Ainda que o PBM não tenha resolvido todos os problemas da indústria, mostrou a importância deste ramo na economia brasileira.
Portogente - Na sua avaliação, o setor industrial brasileiro não merece uma revisão de estratégia e de investimentos de médio e longo prazo de modo a dar uma reviravolta nas sucessivas crises que se abatem sobre a indústria, especialmente sobre os empregos e a renda dos trabalhadores?
Cayres - Merece uma revisão no que diz respeito ao empresariado. Os empresários precisam definir se eles são empresários que investem ou são apenas rentistas. Quando a presidenta Dilma Rousseff apontou a questão do conteúdo nacional, da desoneração das empresas, da redução da taxa de juros, os empresários viraram as costas para todas essas medidas. Essas estratégias de investimentos foram apresentadas pelo governo, mas são os empresários que precisam revisar sua postura. Será que os empresários querem mesmo investir? Investir não é certeza de ganho, ainda mais na indústria. Os empresários precisam abandonar as velhas práticas de se aliarem a produção chinesa e coreana, como ocorre no segmento naval. A verdade é que os empresários querem apenas ter lucro e serem rentistas.
Portogente - Quais são as propostas do movimento sindical para a recuperação do setor industrial, incluindo novas perspectivas e matrizes produtivas, que representem uma recuperação mais consistente frente ao mercado internacional e ao mercado interno, especialmente no que diz respeito à manutenção de emprego e renda?
Cayres - Nós, da CNM/CUT, queremos propor um observatório da indústria no Brasil. Hoje, os empresários vão direto ao Governo e fazem suas discussões e lobbys, mas estes debates não passam pelo trabalhador. Então, nós queremos construir este observatório para que estejam presentes os representantes da indústria, dos trabalhadores e do governo. O objetivo é pensar em ações que vão de encontro com novas tecnologias, distribuição de renda, de melhores condições de trabalho, emprego descente e, principalmente, do fortalecimento da indústria brasileira. E esta proposta partiu da experiência do PBM, que mostrou os caminhos para construir uma indústria forte e desenvolvida.
Portogente - Para a CNM, qual o papel do Programa de Proteção ao Emprego (PPE) para o setor, e quais os impactos que terá na manutenção de empregos e no sentido de estancar o agravamento da crise?
Cayres - O PPE é um instrumento a mais em situações de crise. Ele é um programa de livre adesão e existem vários outros programas que permanecem, como o lay-off. O programa é mais uma condição forte para reduzir demissões e manter o emprego. O inova ao trazer para o Brasil um novo conceito de proteção ao trabalhador. No lugar de apenas custear o trabalhador desempregado, estimula os postos de trabalho e a renda. O programa é um modelo que já existe e funciona na Alemanha, mas é utilizado apenas em momento de crise. Ao invés de você colocar o trabalhador na rua, ele permanece na empresa sem perder a qualificação. Há a redução da jornada, mas o trabalhador continua com as suas garantias trabalhistas. As empresas que não respeitam os direitos dos trabalhadores não ingressarão neste Programa.