Sábado, 23 Novembro 2024

Dando continuidade à série especial de entrevistas sobre os quase dois anos da sanção da Lei 12.815, o marco regulatório implantado a partir de 2013, Portogente publica a opinião da professora e socióloga Carla Diéguez, especialista no mundo do trabalho portuário, e também colunista do site.

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“Não estamos mais lidando apenas com o capital local ou nacional”, afirma Diéguez sobre a transnacionalização dos portos brasileiros e das relações entre capital e trabalho nesse contexto. Para ela, as negociações mais amplas com parceiros nacionais e internacionais desafiam a capacitação dos dirigentes sindicais a ampliar sua visão para garantir acordos justos aos trabalhadores do setor.

Ela considera que não houve grandes mudanças entre as duas leis sobre a gestão do trabalho no porto. Para Diéguez, ainda que o trabalho portuário, no Brasil, seja bastante diverso, a tendência é a vinculação pelo fato de que o capital quer ter maior controle sobre o trabalho.

Portogente - Houve avanços entre as leis 8.630/93 e 12.815/13 para os trabalhadores portuários?
Carla Diéguez - Considero que não houve tanta mudança entre as duas leis quanto à gestão do trabalho, que permitiu maior controle do capital sobre o trabalho, com a possibilidade de contratação dos avulsos por vínculo empregatício por tempo indeterminado. No restante, acho que a Lei 12.815/13 teve alguns avanços, como o reconhecimento dos trabalhadores portuários avulsos [TPAs] como categoria diferenciada, podendo realizar as negociações coletivas por sindicato de categoria, e o reconhecimento de que apenas trabalhadores com registro ou cadastro no Ogmo [Órgão gestor de mão de obra] podem ser vinculados às operadoras portuárias. Isso permite aos trabalhadores, que já estão na ativa e que são qualificados para o exercício de tais atividades, se manterem no mercado.

Foto: Agência FESPSP

Professora destaca importância dos sindicatos portuários se qualificarem cada vez mais para conhecer e entender
mais o mundo portuário atual, cada vez mais globalizado e transnacionalizado

Portogente - Nesse quadro, qual sua opinião sobre a situação dos aposentados?
Diéguez - Em termos das garantias da lei, o fato de permitir a manutenção de aposentados nos quadros dos Ogmos tem dois movimentos: um positivo, que garante ao trabalhador que já tem idade ou tempo de serviço para aposentar-se, fazer jus ao seu direito e manter-se na ativa, agora como cadastrado (força supletiva como foi chamado durante muito tempo), e tentar garantir um aumento da renda ou a manutenção da renda anterior. Contudo, tem um movimento negativo no sentido de que não permite a renovação dos quadros ou mesmo o aumento da quantidade de fainas disponíveis aos demais trabalhadores cadastrados que estão na ativa e não contam com a aposentadoria para complementar a renda.

Portogente - Quais outros aspectos você destaca com a nova legislação?
Diéguez - É importante observar que esse reconhecimento não impacta apenas no resguardo do mercado de trabalho, mas garante maior segurança as operações portuárias, pois supõe-se que os trabalhadores, sejam avulsos ou vinculados, são qualificados para o exercício de tais operações e, por isso, sabem como garantir a segurança delas. É consenso de que trabalhadores desqualificados em determinadas atividades, quando são colocados em contato com elas sem prévia qualificação, correm risco maior de acidentes de trabalho.

Portogente – Como você analisa a representação sindical nesse novo cenário que dá mais espaço para negociações?
Diéguez - A posição dos sindicatos é fundamental para barrar esse processo de total vinculação ou fazê-la dentro dos melhores parâmetros para os trabalhadores. É de suma importância a modernização dos sindicatos, nos termos de compreensão do atual estágio do capitalismo e das relações de trabalho nesse contexto. É preciso (e possível) resistir, mas como fazer isso acontecer em tal estágio e que acabe tornando-se favorável aos trabalhadores? A qualificação dos quadros sindicais é um dos pontos importantes. E quando falo em qualificação, não digo apenas em termos políticos - o que é fundamental - mas em termos de conhecimento de técnicas de negociação, direito, economia. Eles precisam estar mais conectados com essas questões. Os principais sindicatos do País fazem semanalmente reuniões para fazer análise de conjuntura e saber como se posicionar. Seus diretores são profissionais qualificados nas mais diversas áreas. A profissionalização dos quadros sindicais nos portos brasileiros é necessária. É preciso conhecer de porto e de política, mas é também preciso ir além disso.

Portogente – E no âmbito da globalização, qual o desafio para as negociações sindicais?
Diéguez - Não estamos mais lidando apenas com o capital local ou nacional. As negociações são mais amplas, envolvem parceiros comerciais internacionais. É preciso entender não apenas da macroeconomia nacional, mas internacional; é preciso saber quem são esses parceiros. Sei que nos portos isso sempre aconteceu, pela presença dos armadores. Mas isso se intensificou agora nas operadoras portuárias. Por exemplo, a Embraport [Empresa Brasileira de Terminais Portuários] opera com capital da Odebrecht e da DP World, que é uma das maiores operadoras do mundo e vem cada vez mais avançando o seu controle sobre o trabalho. Em alguns portos europeus e da Oceania já foram registrados diversos abusos da DP World em relação ao uso da mão de obra. É preciso conhecer isso, saber quem são, o que fazem, como são a relação desses investidores em outros portos. Ou seja, é preciso ir além da sua atuação imediata. 

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