Sexta, 22 Novembro 2024

“Antes de começar, quero lembrar que não sou só o ‘pai do prefeito’. Meu nome é Odair Papa, o meu filho João Paulo é mesmo o prefeito de Santos, mas eu tenho vida e pensamento próprio, certo?”. Assim começa a entrevista com uma pessoa cuja vida está ligada até hoje ao Porto de Santos. Odair Hugo Papa, técnico naval, destacou, em mais de duas horas, o quanto deve ao maior porto do Hemisfério Sul parte de suas conquistas pessoais.

 

Aos 75 anos de idade, Odair trabalha todos os dias. Ele presta assessoria para a TWB, empresa do setor marítimo que – entre outras atividades – administra um estaleiro em Navegantes (SC). Para quem pensa que, por ser o pai do prefeito de Santos, Odair descansa, ledo engano. Viagens por diversos estaleiros e longas jornadas de trabalho em Guarujá fazem parte de sua rotina.

 

A sinceridade marcou o tom da entrevista. Odair não deixou de responder a nenhuma pergunta, ficou emocionado ao falar do trabalho do pai no bananal de Itariri e foi franco ao reclamar do mundo da política atual, que – segundo ele – só oferece desvantagens e problemas.

 

Das bananas para a navegação

O pai de Odair, João Papa Sobrinho, foi dono de um bananal em Itariri, região sul de São Paulo, presidente da Associação dos Exportadores de Banana e administrador de um consórcio formado por exportadores da fruta. “Meu pai tinha um sonho: ser dono de um bananal. E ele conseguiu. Como conseqüência disso, fez o que todo bananeiro fazia: se meteu no ramo da navegação”.

 

Odair explica que a família entrou no ramo marítimo por pura necessidade, já que era preciso escoar a própria produção de banana para o Porto de Santos. Esse foi o motivo que fez João Papa, na década de 40 (logo após a Segunda Guerra Mundial), se tornar um armador de cabotagem.

 

“Com 15 anos passei a ajudar meu pai em Itariri, nas embarcações. Depois fiz despachos de embarque de frutas e casei em 1956, quando comecei a trabalhar e me especializar em estaleiros”. Porto, mar e Odair sempre tiveram suas histórias cruzadas.

 

Odair acompanhou diversos embarques de banana para Buenos Aires e Montevidéu, destinos rotineiros da produção brasileira. “Eu precisava ir nessas viagens porque as bananas não eram ventiladas de forma correta. Caso algo desse errado, apodrecia todos os cachos embarcados, gerando um prejuízo imenso”.

 

Nosso entrevistado, no entanto, não reclama dos dias em que passou acordado vigiando sua mercadoria, pois em toda viagem para o exterior havia os dias de folga. “Eu ficava dez dias no Richmonds, hotel bom demais lá na Argentina. E eu comprava roupas em náilon, porque não tinha isso ainda no Brasil. As meninas adoravam”.

 

Na década de 50, com a expansão dos negócios da família Papa, a armadora Companhia Internacional de Navegação, até então administrada por Modesto Roma, passou para as mãos do pai de Odair. “O Modesto decidiu se ligar mais ao futebol, o Santos estava se organizando para ganhar tudo que disputasse, por isso ele repassou alguns navios para nós”, relembra.

 

Mas como diz o velho ditado, “não há bem que sempre dure, nem mal que não se acabe”. A queda da banana brasileira no mercado exterior foi um choque para todos os empresários do setor, inclusive a família Papa. Segundo Odair, o país perdeu terreno no mercado por dois motivos: a inteligência de empresários do Equador que passaram a transportar banana em caixas nos navios – garantindo o perfeito estado da fruta no desembarque – e a falta de informação dos brasileiros.

 

“Os estivadores, e eu vi isso diversas vezes, pegavam o cacho de qualquer jeito e jogavam na embarcação. Se a gente reclamasse, ainda ouvia que ‘banana dá em mato’ como se nunca fôssemos perder terreno no mercado, por mais desleixados que fôssemos no envio da mercadoria”. Com isso, a família não teve outra opção a não ser investir em estaleiros e a pesca.

 

Outros rumos

“No final da década de 1960, a Internacional [de Navegação] acabou e eu resolvi entrar no ramo de pesca, trazendo a Compesca de Paranaguá para Guarujá. Depois fui para a Cobalto, um estaleiro de construção naval, montei uma oficina e, em 1980, viajei para Fortaleza. Tinha que reparar algumas embarcações e demorei dez anos para fazer isso”, conta, aos risos, sobre o tempo em que supervisionou a construção de embarcações no Nordeste brasileiro.

 

Para ele, o Porto de Fortaleza é um dos mais bonitos do Brasil, mesmo sem a pujança de Santos. Mas o que mais lhe dá saudade era o modo de se vestir. Com shorts e camiseta, recorda, era possível trabalhar o dia todo sem problema. O clima quente era propício para isso. “Voltei pela saudade da família, a idade estava avançando... melhor ficar aqui e gastar menos”.

 

Viajar é uma atividade prazerosa para Odair, que fez, em 1972, uma viagem pelo mundo todo, para aprender mais sobre embarcações e pesca. Ele passou por Peru, Guiana, México, Estados Unidos, Bélgica, Espanha, “onde alguns dias no Porto de Bilbao foram muito bons” e Dinamarca. Tudo feito em dois meses, aproximadamente.

 

Vida pessoal

Apesar de trazer presentinhos de náilon para as amigas brasileiras após as exportações de banana, Odair não se considerava um galanteador. Ele diz, inclusive, que era muito difícil namorar, pois os pais de família desconfiavam de quem trabalhasse com porto ou mar. O principal medo era da mulher ter que esperar sem prazo definido o retorno do homem para casa. “Era uma vida desgastante, sem rotina”.

 

Uma história curiosa que nosso entrevistado adora contar é a da tentativa de imitar seu pai, ao tentar fumar. Odair, certa vez, trouxe da Argentina um cachimbo. Ao chegar de viagem, colocou o fumo “com cheirinho de maçã” no cachimbo, entrou em um carro conversível e passeou da Ponta da Praia até a Praia da Biquinha, em São Vicente, tentando acender – sem sucesso – o utensílio. “Foi um fracasso total”, tenta falar entre boas gargalhadas. “As pessoas pensavam que eu era muito atrapalhado. Peguei e joguei o fumo fora na hora. Não prestava para essa vida”.

 

O iatismo foi outra paixão de Odair Papa. Até 1955, diz, toda semana seu nome era impresso nos jornais da região, devido a inúmeras vitórias conquistadas nos mares de Santos. “Meus filhos, inclusive João Paulo [Tavares Papa], aprenderam a velejar comigo. Mas os compromissos impediram uma atenção maior ao esporte na família”.

 

O mundo da política

Odair e política. Eis uma combinação que não deu certo. Muito antes do filho se tornar prefeito de Santos, nosso entrevistado aventurou-se pelo mundo das negociações, reuniões, sessões... e não gostou. Por insistência dos amigos, candidatou-se a vereança na cidade de Guarujá nas eleições de 1964, tornando-se suplente pelo Partido Libertador, com 132 votos. O técnico naval assumiu uma cadeira graças a renúncia do vereador Francisco Figueiredo, para depois nunca mais voltar ao Legislativo.

 

“Tinha que ir engravatado, perdia o dia todo lá na Câmara, um monte de reuniões, gente fazendo besteira ao meu lado. Enfim, eu sou muito prático para essas coisas”. Mesmo assim, nunca disse para o filho largar o mundo da política. Emocionado, Odair lembra do dia em que seu pai disse que o maior orgulho da vida dele seria ver o neto deputado federal. Quis o destino que João Papa não visse o neto entrar na política.

 

Confissões do prefeito
João Paulo Tavares Papa concorda a posição do pai, que se afastou do mundo da política por se intitular “uma pessoa prática”. Para o filho, Odair é o tipo de pessoa que busca resolver os problemas de forma imediata, sem alongar problemas e buscando ouvir a todos com a maior rapidez possível.


"Ele tem o coração bom demais para exercer qualquer cargo político. Por isso que não tentou se reeleger vereador em Guarujá, embora eu confirme que o Odair é, sem dúvida, a pessoa mais popular da família. Ele gosta de manter contato com os amigos antigos, humildes, de modo sincero, sem se apegar a valores sociais".


João Paulo guarda lembranças felizes de sua infância vivida ao lado do pai. “Eu vivi muito tempo na rua, jogando bola, brincando com carrinho de rolimã. Lembro que meu pai trabalhava muito, chegava tarde do serviço e nós [os filhos] brigávamos para ver quem trazia o chinelo primeiro para ele calçar ao chegar em casa”.


O prefeito vê no pai uma pessoa simples, sem sofisticação alguma, que passou aos filhos a importância de viver com alegria e sem apego aos bens materiais. Papa lembra dos tempos em que, ao lado do irmão Ernesto e com incentivo de Odair, competiu no iatismo, ganhando vários títulos regionais e estaduais.

 

Sinceridade

Quase no final da entrevista, Odair Papa é sucinto ao dizer quais as vantagens de ter o filho como prefeito de Santos: “Vou ser franco, a vantagem é nenhuma e as desvantagens são todas. Todos reparam em você, no que faz ou deixa de fazer. Não posso ser tão simples como antes”.

 

Após mais de duas horas de conversa, pode-se relembrar a primeira frase deste texto, dando total razão para Odair: “Meu nome é Odair Papa, o meu filho João Paulo é mesmo o prefeito de Santos, mas eu tenho vida e pensamento próprio, certo?”. Certíssimo!
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