Sexta, 22 Novembro 2024

Em uma tarde de domingo chuvosa, um homem desce de seu carro e caminha rumo a parede de escala do terminal 31 do Porto de Santos. Avenidas e ruas estão tranqüilas, mas todos os estivadores presentes no local param o que fazem para falar com esse verdadeiro personagem do porto. Um vem reclamar das condições de trabalho, outro quer ouvir no rádio um recado para sua esposa e filha.

 

Essa é a rotina do estivador e jornalista Jorge Fernandes, uma pessoa tão versátil que fica impossível definir qual das duas é sua real profissão. Podemos dizer que ele é um apaixonado pelo porto, algo que o enobrece muito.

 

Estiva

A forma como Jorge começou sua vida portuária é, no mínimo, curiosa. Ele não veio de uma família ligada ao cais, seu pai era empreiteiro. Em 1972, vivia-se um complicado momento financeiro. “Minha mãe disse que meu lugar era o porto, mas eu me recusava a ir. Um dia tive a sorte de ser chamado para trabalhar com açúcar. Minha função era cortar as sacas e virá-las até encher o porão de açúcar a granel. Chegávamos a demorar 60 dias para fazer algo que hoje é feito em três, no máximo”.

 

Na época, o jornalista trabalhava como conferente de carga e descarga em uma farmácia, e após a primeira experiência no porto, seu pensamento era um. “Estou todo sujo, não quero mais isso. Mas o que ganhei em seis horas equivale ao meu salário!”. Alguns anos e muitos empregos depois, Jorge tornou-se funcionário da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa).

 

“Lá fiquei durante 1979. Fui dispensado e meu pai tinha conta para pagar. Acabei voltando para o porto, onde se tinha muito trabalho. Inúmeras vezes eu pegava serviço das 7 às 19 horas, daí pegava outro na seqüência, e lá pelas 4 da manhã do dia seguinte dormíamos na galera para pegarmos mais trabalho às 7 horas”.

 

Assim, Jorge foi trabalhando e lutando para se tornar estivador propriamente dito, algo que alcançou somente em 1985, após passar por uma prova escrita. “Lembro emocionado do que disse na hora: sonhos sonhei, hoje sou um estivador”.

 

Rádio

A área da comunicação seria o passo seguinte deste recém-oficializado estivador. “Desde a década de 50, o Mota Demóstenes tinha um programa para o estivador na rádio santista. Em 1988, ele se candidatou a vereador e me chamou para substituí-lo na rádio Guarujá, pois ele gostava de minha voz”.

 

Substituir Demóstenes por três meses na rádio fez Jorge Fernandes ser notado pela concorrência, tanto que a rádio Cacique o chamou para fazer na emissora a leitura das escalas de trabalho do porto. “Eu queria crescer nessa área. Por isso, durante três anos, fiquei acordado da meia-noite às 4 horas para cantar a escala no ar pontualmente 5 horas”.

 

Hoje, Jorge Fernandes canta a escala todos dos dias na rádio Cultura AM de Santos, e apresenta um programa semanal aos sábados na rádio Cacique, o Jornal do Porto. Nele, assuntos do interesse do trabalhador são debatidos, acompanhados de samba, outra paixão do jornalista-estivador.

 

Estudo

Depois de se aventurar na política sindical e em diversas rádios de Santos, Jorge Fernandes recebeu um valioso conselho de sua esposa Valéria Barbosa Leite: chegara a hora de voltar aos estudos. Ele não pensou duas vezes em fazer o vestibular para Jornalismo, já que trabalhava na área. “Eu queria me aprimorar no que fazia. Com essa lei 8630/93, tudo ficou difícil para o estivador. Por isso, fui aprender a fazer algo diferente”.

 

Durante os quatro anos de faculdade, Jorge foi convidado diversas vezes pela Universidade Santa Cecília (Unisanta) para dar palestras sobre o tema porto.

 

Política

A política seria o próximo passo na vida deste homem multifuncioinal. O Sindicato da Estiva enfrentaria eleições gerais em 1990, e Jorge incluiu seu nome na chapa de Abelardo Wickman, derrotado por Rodnei da Silva, o Nei da Estiva.

 

Muito tempo depois, mais precisamente em 2004, Jorge Fernandes candidatou-se a vereador pelo Partido Liberal (PL) e quase foi eleito, recebendo mais de 1.300 votos, o que lhe rendeu a primeira suplência do partido na atual legislatura. O jornalista-estivador-político conta que a campanha deixou muitas dívidas, pagas até hoje, mas seu sonho será realizado. “Vou me candidatar a vereança santista em 2008, penso ser necessário termos um portuário na Câmara Municipal”.

 

Família

No meio dessa séria de fatos, a vida pessoal de Jorge não ficou em segundo plano. Ou melhor, ficou sim em alguns momentos, mas nada que sua família não pudesse compreender. “Passei muitas noites sem dormir, porque queria ver o sucesso de minha família”.

 

Jorge Fernandes não se arrepende de ter deixado de lado a família muitas vezes para trabalhar até uma semana seguida nas mais diversas embarcações. “Mas o lado bom de ser estivador avulso é poder se dar uma folga, caso seja necessário, para que a família permaneça unida”.

 

Um exemplo do quanto Jorge admira a vida do porto é tentar passar essa paixão para os filhos, principalmente os mais novos, Felipe e Fabrício, de 12 anos. “Eles estudam no colégio Modelo, o colégio dos estivadores. Coloquei meus filhos no projeto Criança no Porto, o que fez eles conhecerem os terminais, sem contar as palestras que assistiram. Isso é muito importante”, diz orgulhoso.

 

Ele faz questão de frisar que foi com o dinheiro obtido em trabalhos na faixa do cais que comprou uma casa própria, um carro e proporcionou um mínimo de conforto para seus filhos e esposa. “Por isso digo que o jovem deve compreender que o melhor caminho ainda é o Porto de Santos”.

Veja uma mensagem, em vídeo, de Jorge Fernandes

 

E assim nos despedimos desse pedaço vivo da história do nosso Porto de Santos, com uma mensagem de quem ama a vida que leva, por um só motivo: o porto faz parte dela!

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