O dia ainda não amanhecera quando acordávamos para mais uma rotina de trabalho. No convôo, poucas palavras eram pronunciadas. Tanto os operadores quanto nós ainda estávamos sonolentos.
O helicóptero Esquilo chega e nos leva à fragata Santa Maria. Apesar de toda ascendência espanhola, me surpreendi ao pousar na embarcação dos patrícios. Como eles são acolhedores!
A postos para nos recepcionar, o imediato e um sub-oficial que nos acompanharia durante toda a estada. Francisco Galán é o nome dele. Na Espanha, Francisco que se preze é chamado por Paco. Muito gentil e simpático foi logo contando que conhecia o Brasil, que já havia namorado uma moça daqui, etc, etc. Papo de espanhol...
Para boa parte dos latinos, a maneira mais apropriada para iniciar uma conversa ou receber amigos é oferecer alguma bebida ou iguaria. Paco nos levou à Praça D'Armas dos sub-oficiais e logo vimos a primeira grande diferença da Marinha espanhola: mulheres a bordo!
Cerca de 15% da tripulação é feminina. O sorriso faz parte da personalidade delas. Além disso, Paco conta que são extremamente esforçadas... que se espelham nos homens. Mas, reconhece o poder de comando feminino. "As mulheres quando mandam, o fazem mais do que os homens. A mulher é mais autoritária, temperamental, sobretudo a espanhola", comenta.
Com aquele jeito conversador enumerou suas experiências no mar. Uma delas, causou risos nos que estavam a sua volta.
Coração vermelho
Ele conta que certa vez estava embarcado num navio norueguês quando percebeu algo diferente. Em duas cabines havia um coração vermelho na porta. Motivo de decoração, não poderia ser. A tripulação de 250 pessoas era dividida igualmente entre homens e mulheres. Soube, então, que naquelas duas cabines os casais a bordo poderiam relacionar-se por um período de até 12 horas. Detalhe: tanto homo quanto heterossexuais. Ele contou ainda que além da norueguesa, na Marinha da Holanda homens e mulheres dormem no mesmo camarote.
Ele justifica que os relacionamentos surgem devido ao confinamento, por vezes, de até quatro meses. Na fragata Santa Maria, muitos tripulantes se tornam namorados.
A chegada da mulher à armada espanhola ocorreu há 12 anos quando foi abolida a obrigatoriedade do serviço militar. Nesta mesma ocasião, uma mulher obteve na justiça o direito de ingressar na marinha. Desde então, a mulher pode exercer todas as funções, até ser piloto de um helicóptero Caça. Paco conta orgulhoso que há cerca de um mês um navio-patrulheiro está sob o comando de uma mulher. Tem certeza de que, futuramente, elas vão comandar os navios como as suas próprias casas, com autoritarismo e força.
Na Santa Maria, os camarotes femininos são decorados como se fossem os seus lares, com fotos da família e flores. A chegada das mulheres nos navios fez com que os homens ficassem ainda mais vaidosos. Elas fiscalizam se as unhas estão cortadas e limpas, caso contrário, não lhes é servida a refeição. Uma verdadeira revista. Hoje em dia, conta Paco, os homens até penteiam os cabelos.
Batizado dos marinheiros
O povo espanhol é, inquestionavelmente, muito bonito e festivo. Mesmo longe da família, e muitos vezes sentindo solidão, consegue ser alegre.
Para os marinheiros de primeira viagem há um momento especial de confraternização. É tradição da Marinha "batizar" seus novatos quando a embarcação cruza a linha do Equador. Na Santa Maria, o batismo acontece da seguinte maneira: em um tonel cheio de líquido misturado (refrigerante, água, vinho, entre outros não divulgados) é mergulhada a cabeça de cada um dos marinheiros. Que dó... A brincadeira se completa com uma festa à fantasia. Todos, inclusive os que estão de serviço, se fantasiam. É uma verdadeira farra.
Num clima de muita diversão, saboreamos as iguarias espanholas acompanhadas de um vinho. É hábito espanhol beber uma taça nas refeições. Fumar a bordo é permitido em qualquer ambiente do navio, exceto na Praça D'Armas enquanto estiverem sendo servidas as refeições.
Passamos mais algumas horas conhecendo a embarcação e os tripulantes. A imagem do Brasil no exterior ainda se resume a samba e futebol. Era só perguntar onde era o melhor carnaval e a resposta vinha sem titubeio: Rio de Janeiro. Os craques brasileiros, claro, não foram esquecidos. Roberto Carlos, Ronaldo e o santista Robinho estavam na ponta da língua entre os melhores jogadores do mundo.
Por falar em Brasil, é hora de voltar para casa. A fragata Rademaker nos aguarda...
Tem festa no hangar
Cansados, achávamos que o dia havia terminado. Ledo engano. Uma super festa com direito a banda e bolo personalizado encerraria a nossa noite.
Praticamente toda a tripulação estava presente no hangar do navio. Ao chegarmos, vimos oficiais juntos dos praças, dezenas de tripulantes reunidos com a mesma alegria e satisfação. Gente que ainda não tinha nem sequer visto ao longo dos quatro dias... Pessoas, talvez coadjuvantes da história da Rademaker, que fazem do trabalho pela Marinha o objetivo de vida. Todos juntos numa mesma sintonia.
A festa, além de comemorar os aniversariantes dos últimos três meses, tinha como razão apresentar os tripulantes que se destacaram em algumas provas.
O encarregado de chamar uma a um dos homenageados foi o imediato Edgar Luiz Siqueira Barbosa. Na sua voz, a satisfação de reconhecer no amigo o compromisso com a Marinha. Um estado de emoção foi criado. Ao seu lado, o comandante Newton Costa cumprimentava a todos com plena alegria.
Chegou a vez dos aniversariantes receberem os parabéns. E festa de navio também tem bolo, e melhor, preparado pelo pessoal da cozinha. E quem disse que homem não sabe confeitar?
E para animar a galera, um show com os músicos da embarcação. Isso mesmo. A Rademaker tem uma banda. E muito boa por sinal. Tudo bem que eles tiveram apenas dois dias para ensaiar. Mas agitou, e muito, o pessoal. Para se ter uma idéia, até a tenente Talita encarou a platéia masculina e deu uma palhinha. Para fechar a noite, uns malucos ainda fizeram "trenzinho" ao som da música baiana. Um show à parte. Parabéns!
Veja o que já foi publicado:
Diário de Bordo #3
Diário de Bordo #2
Diário de Bordo #1