Lutar por seu espaço no mercado de trabalho, sem deixar de ser feminina. Assim é a busca da mulher por sua independência e realização pessoal, profissional e financeira. A conquista é o resultado de sua meta, mesmo que seja num universo de maioria masculina. Tem sido assim, de tempos em tempos, e a cada dia a mulher marca sua presença nas mais diversas profissões.
No porto de Santos, destacam-se Gabriela Fernandes de Jesus, 28, e Karina Royas Marques, 32, ambas conferentes de carga e descarga. As únicas mulheres de uma categoria de cerca de 600 profissionais, conforme o sindicato.
Gabriela e Karina ingressaram na profissão depois de prestarem concurso público em 1994. De acordo com Gabriela, mais de 11 mil pessoas se inscreveram, sendo contratadas, 150. Estabilidade no emprego, flexibilidade de horário e turno de seis horas foram os fatores que atraíram essas jovens para a função de conferente de carga e descarga.
Gabriela é formada em arquitetura e, atualmente, estuda Eutonia (estudo da consciência corporal), profissão que pretende exercer paralelamente ao seu trabalho, no cais. Já Karina é advogada e faz mestrado em São Paulo. O Direito é a sua paixão.
O risco de acidente no porto é iminente. O conferente deve ter atenção não somente na execução do serviço, mas também, consigo mesmo. A movimentação de carretas, guindastes e trens, no cais, torna o expediente estressante e perigoso.
No final dos anos 90, a conferente Maria Antonieta morreu atropelada por uma carreta, enquanto conferia carga, no cais da Cosipa. “A gente tem que estar 100% atenta durante o expediente”, ressalta Karina. “É risco o tempo inteiro”, frisa Gabriela. Equipamentos sucateados, veículos e navios antigos aumentam o risco de acidentes no porto. “Ali não cai um prego na cabeça das pessoas, quando cai é um contêiner, um guindaste”, declara Karina.
Embora a presença feminina em área de cais seja ínfima, as conferentes não enfrentam discriminação, mas o desconforto da falta de sanitários e vestiários para mulheres. “Falta infra-estrutura no cais para a mulher portuária”, salienta Gabriela. A reivindicação já foi feita, porém há um jogo de empurra entre a Autoridade Portuária - Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP) e o Órgão Gestor de Mão-de-Obra (OGMO) quanto à responsabilidade pela execução da obra. “Não há interesse porque somos só nós duas. Infelizmente, temos que nos deslocarmos do nosso posto, prejudicando o trabalho, para ocupar banheiros, às vezes, fora do cais”, completa Karina.
Outro problema apontado por Karina são as péssimas condições dos locais de trabalho. “Algumas das nossas guaritas têm infiltração quando chove, outras não têm cadeiras, além de estarem mal posicionadas”.
Segundo Karina, as privatizações no porto de Santos, prejudicaram os conferentes. “A nossa profissão tem sido muito desconsiderada pelo Governo, autoridades e operadoras portuárias. As empresas privadas insistem em colocar funcionários próprios para conferir a carga. Há terminal que proíbe a nossa entrada. O OGMO que deveria garantir os nossos direitos, principalmente o nosso trabalho, é negligente nesse sentido. O OGMO só vê os interesses dos empresários”. Os conferentes de carga e descarga são trabalhadores avulsos remunerados também por produção.
Karina afirma que com a entrada do OGMO, as categorias de trabalhadores portuários avulsos foram prejudicadas. “Não temos mais poder de negociação entre empregado e empregador. Entende que os contratos de serviço e salários devem ser representados pelos sindicatos das categorias e não pelo OGMO. Cabe ao OGMO, a infra-estrutura necessária no porto para que o trabalhador tenha melhores condições de trabalho”.
Para Karina, a categoria precisa de uma renovação, pois o último concurso ocorreu em 1994 e nesses dez anos, muitos se aposentaram ou faleceram. Acredita que num futuro próximo haverá um déficit no quadro. “A categoria está envelhecida, é preciso revitalizá-la com pessoal trabalhando com mais afinco e dedicação. Homens e mulheres”.
“Desde que cheguei, sempre fui tratada com muito respeito. Preconceito contra a capacidade da mulher tem em qualquer profissão”, Gabriela.
“No início, estranhavam a minha presença, e, às vezes, me confundiam com ‘outra coisa’, mas quando dizia que era conferente, era respeitada, como sou até hoje, por todos os portuários”, Karina.