Sábado, 23 Novembro 2024

A chegada do verão e de dias de calor intenso causa mais uma preocupação aos trabalhadores portuários, já sujeitos a todo tipo de intempérie climática. Como se não bastasse o permanente risco de acidentes, colocando em risco a saúde e a segurança dos operários, os trabalhadores ficam expostos ao sol durante a maior parte da faina nessa estação. O modo mais eficiente de se proteger é utilizar o filtro solar que, embora muito divulgado, ainda não é adotado pela maioria dos portuários.

 

Para que os custos com a compra do protetor não saiam do bolso do trabalhador, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara Federal aprovou a criação da Política Nacional de Enfermidades e Riscos Associados à Exposição Solar, de autoria do deputado federal Antônio Adolpho Lobbe Neto (PSDB – SP). De acordo com o texto do documento, as empresas seão obrigadas a fornecer o produto para quem trabalha ao ar livre, independente da carga horária de exposição aos raios ultravioletas. O projeto será analisado pelas comissões de Finanças e Tributação, de Constituição e Justiça e de Cidadania, e, por isso, ainda não há detalhes de como será feito o fornecimento para os portuários avulsos, sem vínculo com empresas.

 

A Política Nacional prevê, ainda, que a população em geral tenha acesso a descontos na compra do produto. O Ministério da Saúde calculará a média do valor do medicamento entre as proteções com fator 15 ou superior e arcará com 90% do preço do creme. O filtro solar com preço reduzido poderá ser adquirido nas farmácias populares.

 

De acordo com Lobbe Neto, muitos trabalhadores o procuraram, requisitando a distribuição do medicamento devido aos inúmeros problemas de pele gerados pela exposição ao sol. A doença mais grave com relação aos raios ultravioletas é o câncer de pele. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), a doença corresponde, hoje, a cerca de 25% de todos os tumores malignos registrados no Brasil (leia mais).

 

O deputado afirmou à reportagem de PortoGente que espera agilizar a tramitação da Política nas comissões que ainda restam para “tentar aprová-la já em 2008”. O protetor solar, dessa forma, teria status de EPI (equipamento de proteção individual). “Nós entendemos que para o governo é mais interessante prevenir do que cuidar. O SUS (Sistema Único de Saúde) se depara com muitos problemas de pele e, assim, o governo ganharia se fizesse a distribuição ou concedesse o desconto”. Lobbe Neto espera que o setor patronal e o setor laboral cheguem a um consenso por meio de acordos trabalhistas, evitando disputas judiciais e empecilhos na implantação do projeto.

 

Para o presidente da Federação Nacional dos Portuários (FNP), Eduardo Guterra, a questão da proteção do trabalhador está contemplada na Norma Regulamentadora (NR) nº 29. Guterra martela na aplicação correta da NR para que os operários tenham mais segurança e mantenham sua integridade física intacta durante o período de trabalho. “Embora (essa) seja uma questão pontual, a preocupação com a roupa do trabalhador, especialmente no verão, é um ponto da NR 29”, ressalta o presidente, que já havia citado a importância da legislação em reportagem da última semana que abordou a morte de um trabalhador no Porto de Vila do Conde (PA).

 

Guterra lembra, ainda, a necessidade de a distribuição do protetor aos trabalhadores ser acompanhada por profissionais da área dermatológica. “O produto mais recomendável depende da cor da pessoa e do tipo de pele. Vai precisar de um acompanhamento. De resto, como é favorável ao trabalhador, a Federação apóia”.

 

Conferentes

Uma das categorias do setor portuário que mais é atingida pela atuação dos raios ultravioletas é a dos conferentes de carga e descarga. Os conferentes ficam expostos às variações do clima durante a faina enquanto conferem as mercadorias no costado ou no convés dos navios. Um exemplo é o aposentado Milton Machado Rigos, que passou por diversas operações no antebraço, nos ombros, na face e no nariz devido aos anos de trabalho como conferente.

 

Rigos diz que a cor clara de sua pele contribuiu para o aparecimento das doenças ao longo dos anos de exposição ao sol. “Sou da raça ariana, descendente de europeu por parte de mãe e de pai. Assim, o sol das 10 às 16 horas castiga muito a minha pele. Depois que começaram a surgir as lesões, até evitava pegar os serviços durante o dia. Mas, como nem sempre era possível, trabalhava no calor de chapéu e de camisa de manga comprida”.

 

O aposentado, hoje com 66 anos, começou a exercer a função de avulso em 1979. Pouco tempo depois surgiu a primeira lesão no ombro. A doença forçou Rigos a ir à mesa de cirurgia. “Daí em diante tive que comprar protetor solar do meu bolso. Às vezes, o fator era até de proteção 60 (quando maior o fator, mais caro o medicamento)”. “Várias vezes operei. Deu desde a testa até a panturrilha. Muitas nem sei explicar o por que”.

Rigos aposentou-se em dezembro de 1997. Posteriormente, ele entrou com um pedido de indenização e, quatro anos depois, passou a receber a incorporação de 50% da aposentadoria como auxílio doença. Falando com facilidade sobre o assunto, o aposentado lembra que já existem luvas e bonés com proteção solar para quem fica muito tempo exposto ao sol. Para ele, é imprescindível organizar palestras elucidando as decorrências dos problemas de pele e investir na proteção ao trabalhado. “Existe material disponível. Deveriam fornecer. O sol castiga demais”.

 

O também conferente de carga e descarga Antonio Carlos Sampaio Cunha ainda está na ativa e é mais um a ter convivido boa parte da vida com problemas de saúde devido à exposição constante ao sol. Sampaio foi acometido pelo câncer de pele e já realizou três operações no nariz e na boca. “O câncer surgiu porque fiquei muito tempo exposto ao sol. Agora já não fico tanto. Mas é como se diz, depois da casa arrombada...”.

 

Sampaio dedicou toda sua vida à conferência de carga e atua no setor há 51 anos. Ele recomenda a todos os trabalhadores que utilizem regularmente o protetor solar. “Às vezes eu passava, mas não tinha o hábito de fazer isso diariamente”. A última operação pela qual Sampaio passou foi realizada há cerca de um ano e meio. Ele retirou um lóbulo do lado esquerdo do nariz, o que evitou mais danos à sua saúde.   

 

Diante desses e de muitos outros casos de doenças de pele causadas pelos anos de trabalho, o presidente do Sindicato dos Conferentes de Carga e Descarga do Porto de Santos, Antônio Júlio Antunes, considera justo o pleito pela distribuição do filtro solar. “O nosso trabalho é muito inóspito. Estamos sempre expostos ao tempo. Por isso, a iniciativa é muito interessante para nós”. Antunes conta que conhece trabalhadores que utilizam o creme de proteção, mas é na base do “cada um por conta própria”. Para ele, é preciso apontar que a incidência dos raios ultravioletas não acontece apenas no verão. A luz solar afeta a pele do trabalhador mesmo quando o sol não está ostensivo, explica o presidente do sindicato. A aprovação da Política Pública, segundo Antunes, pouparia ainda a Previdência de muitos gastos, já que em casos de afastamento é o Estado que acra com o ônus.

 

Origem

No último ano, antes mesmo da iniciativa do deputado Lobbe Neto, a então deputada Telma de Souza (PT – SP) apresentou um projeto criando o Programa Nacional de Prevenção e Combate ao Câncer de Pele, que regulamentava a distribuição gratuita, pelo SUS, de cremes de proteção solar. A proposta não foi votada até hoje, mas, de acordo com Telma, acabou provocando a decisão do presidente Lula de isentar os protetores das taxas que incidiam sobre esses produtos. Anteriormente, o protetor solar era considerado um cosmético e não um medicamento.

 

A deputada destaca, ainda, que em relação aos trabalhadores que exercem funções que exigem larga e constante exposição ao sol, como os portuários, é primordial a inclusão do protetor na Norma Regulamentadora nº 06. Dessa forma, indica Telma, o medicamento deve ser considerado como de proteção individual ao trabalhador. “A partir dessa proposição, o Ministério do Trabalho e Emprego iniciou um debate em torno da necessidade de considerar a exposição ao sol uma ameaça à saúde do trabalhador. Nossa luta só logrará êxito quando vermos definitivamente a inclusão do protetor como Equipamento de Proteção Individual (EPI), o que obrigará às empresas o fornecimento desse tipo de proteção a seus empregados."
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