O acidente que matou cinco pessoas e envolveu uma carreta que transportava álcool e um ônibus municipal de Cubatão, no último dia 10, evidencia o risco ao qual a população está exposta com o transporte de produtos perigosos. Mais de cem mil caminhões que movimentam esse tipo de carga circulam em todo o País. De acordo com o comandante do 2º Subgrupamento de Bombeiros de Cubatão, Guarujá e Bertioga, capitão Sandro Correia Coimbra Magosso, o caminhão que explodiu na pista Sul da Rodovia Anchieta estava com o rótulo de risco incorreto – apontava que o veículo carregava gasolina quando, na verdade, transportava álcool. O primeiro sargento da PM, Marcio Antônio Vaz de Oliveira, confirma a informação e diz que a Polícia Militar Rodoviária se depara com constantes desconhecimentos e irregularidades durante as fiscalizações que realiza nas estradas. Questionado sobre o que teria acontecido se a carreta carregasse um produto de altíssima periculosidade como o óxido de etileno, alvo de reportagem de Portogente, ele afirma que as conseqüências “poderiam ter sido muito piores, de proporções catastróficas”.
Embora somente 350 dos 70 mil acidentes ocorridos no estado de São Paulo, entre janeiro e agosto deste ano, tenham a participação de veículos que carregavam cargas perigosas, é consenso entre as autoridades consultadas pela reportagem que um único acidente é capaz de gerar uma tragédia. “Já tivemos um acidente em Juquiá (litoral sul paulista) no qual 56 pessoas se contaminaram. Só que a comunidade do local não era maior do que 90 pessoas. A proporção é muito grande. Imagina se o tombo acontecesse na região metropolitana de São Paulo, por exemplo”, destaca Vaz de Oliveira.
Para o responsável pelo serviço de inspeção e capacitação de veículos no transporte de produtos perigosos do Instituto de Pesos e Medidas (Ipem), Valdir Volpi, a extensão de uma ocorrência que cause o vazamento de óxido de etileno ou de outra carga de alta periculosidade é imprevisível. “O risco é iminente. Nas fiscalizações que fazemos encontramos caminhões com uma infinidade de irregularidades. 30% dos veículos que verificamos têm alguma irregularidade”. Além das vítimas diretas do acidente, ele lembra, ainda, dos riscos de contaminação do ar, dos recursos hídricos e do meio ambiente em geral, que geram prejuízos incalculáveis à população. O projeto Impactos Sociais e Econômicos dos Acidentes de Trânsito nas Rodovias Brasileiras (veja detalhes aqui), elaborado pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), comprova a tese de Volpi ao constatar que 75% dos acidentes com produtos perigosos nas estradas do País afetam o meio ambiente.
O capitão Sandro Magosso classificou o acidente ocorrido na via Anchieta como terrível. “Assim que o Corpo de Bombeiros chegou ao local, já não havia mais o que fazer, estavam todos carbonizados”. O combustível que a careta carregava, explica Magosso, vazou e se espalhou imediatamente. “Um incêndio não acontece assim, necessariamente. Pode ser progressivo. Mas lá (na Rodovia) foi imediato”. Ele não consegue sequer imaginar o resultado do incêndio se o produto que causou a explosão apresentasse um perigo ainda maior. O álcool é classificado como nível 3 de inflamabilidade e 0 no perigo à saúde, conforme aponta a ficha de informação do produto disponível no site da Cesteb. O óxido de etileno, um gás tóxico, tem números visivelmente mais alarmantes: 4 (grau máximo) de inflamabilidade e 3 no perigo à saúde.
A irregularidade no rótulo de risco da carreta preocupa o capitão. Embora, nesse caso, o atendimento dos bombeiros não tenha sido prejudicado pela falha na classificação, o descumprimento da legislação pode ter fins trágicos. A presença da identificação correta no rótulo de risco é fundamental para a segurança dos bombeiros e das demais pessoas em torno do local do acidente. Durante o atendimento da emergência, cada produto perigoso exige roupas, aparelhos de proteção, equipamentos e métodos diferentes. O contato ou inalação com um produto corrosivo, por exemplo, sem saber com o que se está lidando pode ser fatal, já que a simples inalação da substância pode causar a morte. “Como o incêndio estava muito avançado, a gente nem pôde identificar o produto, já trabalhamos com a pior hipótese. Mas isso é muito grave. Não pode ser desconhecimento. Eles (transportadores) sabem o que estão carregando”, alerta o capitão.
O primeiro sargento Vaz de Oliveira vê muitas falhas no transporte desse tipo de mercadoria. “Ainda encontramos muitos caminhões em más condições. A maioria cumpre as regras, até em função da exigência das indústrias, mas ainda vemos muitos veículos com problemas”. Ele acredita que a utilização da simbologia errada nos rótulos de risco e demais sinalizações das carretas derivam de desconhecimento da legislação e de má interpretação. “É preciso ficar atento à identificação, já que isso atrapalha, e bastante, o atendimento”. O sargento ressalta que, em uma emergência, todos os atores precisam ter conhecimento pleno do que estão lidando e que é para isso que servem as normas.
O presidente da NTC & Logística, Geraldo Vianna, disse em seminário realizado em Santos que a regulamentação do setor é fundamental na prevenção de acidentes. “Isso vai evitar que agentes entrem no mercado e ofereçam serviço em larga escala sem ter qualificação para isso”.
Para ele, grande parte dos acidentes que acontecem nas estradas do País tem como origem o excesso de frota. Outros fatores citados por Vianna são equipamentos inadequados, excesso de jornada para os caminhoneiros, peso excessivo e vias inadequadas. “É preciso medidas corajosas para não ficar tudo do jeito que sempre foi”, finaliza.