“...só se dedicará a um assunto com toda a seriedade alguém
que esteja envolvido de modo imediato e que se ocupe
dele com amor, con amore”.
Arthur Schopenhauer, em A arte de Escrever
Ele se chama Italino Staniscia Filho. É casado com Lia. Tem três filhos: Ana, 23 anos de idade, Cecília, 24, e Italino, 28. Está presidente do Sopesp (Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo) desde a saída de Mauro Salgado, em junho último. Hoje ele divide o seu tempo entre a presidência do sindicato e a empresa Fertimport, onde é diretor de terminais.
Staniscia recebeu a reportagem do PortoGente no final de mais um dia de reuniões e muito trabalho, o que ele gosta muito. A entrevista foi acompanhada pelo diretor executivo do Sopesp, José dos Santos Martins, e pelo assessor de imprensa, José Carlos Silvares.
O presidente do Sopesp não escondeu um certo desconforto com a entrevista. E reagiu, nos minutos iniciais da conversa, igual mineiro, com muita desconfiança. Começou falando baixo. Repetia as perguntas como forma de entender melhor o que estava sendo perguntado. Respondeu às questões de forma bem pensada. Fez alguns largos intervalos de silêncio entre a pergunta e a resposta, como se estivesse pensando qual a melhor resposta ou mesmo sem saber o que responder. Foi assim na pergunta, um tanto quanto inusitada, desta repórter sobre como ele definia o amor.
Se ficou um pouco travado nas perguntas mais pessoais, Italino Staniscia Filho mostrou desenvoltura ao responder sobre trabalho, projetos profissionais e Porto de Santos. E mostrou mais: um grande prazer em falar das suas atividades profissionais.
A intenção do PortoGente é apresentar o executivo, o empresário, a gente do porto além de suas funções profissionais. É tentar mostrar um pouco a “alma” de quem precisa, muitas vezes, mostrar-se frio, calculista, uma verdadeira máquina de trabalho, de produção, de lucro.
Com vocês, Italino Staniscia Filho.
PortoGente – Quem é Italino Staniscia Filho?
Italino Staniscia Filho – Quem é? Sou um profissional da área portuária. Trabalho em porto desde 1968.
PortoGente – Aqui em Santos mesmo?
ISF – Não, comecei a trabalhar no Paraná, no Porto de Paranaguá, e depois vim para Santos. Estou na Bunge há 32 anos. Que mais?
PortoGente – Em 1968 o senhor já era da Bunge?
ISF – Não, não. Eu comecei a trabalhar (em porto) como conferente de carga e descarga no Porto de Paranaguá. Vim para Santos em 1981 em definitivo, mas eu também fiz concurso para conferente, em Santos, em 1973.
PortoGente – Como é a sua nova rotina no Sopesp, assumindo a presidência no lugar de Mauro Salgado? Porque presidente acaba tendo mais responsabilidade.
ISF – Eu não concordo muito com você. Eu acho que título não tem diferença. Eu acho que o importante é o trabalho que é feito. Então, o trabalho que eu fazia como vice-presidente junto com o Mauro (Salgado), nós estamos continuando.
PortoGente – E como é esse trabalho?
ISF – O que a gente sempre colocou aqui é fazer do Sopesp...é não individualizar pessoas, mas o conselho diretor. Todas as decisões aqui são decisões colegiadas. Então título...é claro que tem de ter um presidente, é importante, você tem de estar nas horas certas, fazer a representação da entidade. Mas o mais importante disso é manter a classe agregada, unida e buscando e trabalhando por seus objetivos dos seus associados. Sabendo representá-los nos diversos fóruns em que a entidade precisa ser representada.
PortoGente – Está sendo fácil conciliar a nova função no Sopesp e a sua função na Fertimport?
ISF – Se eu disser para você que é fácil não é. É um compromisso a mais. Obviamente isso passa por uma reorganização de agenda. Mas perfeitamente compatível. Uma coisa que eu sempre coloquei e sempre pratiquei na empresa em que eu trabalho é que ninguém é forte sozinho. Então, aqui nos valemos da equipe.
PortoGente – Como o senhor organiza o seu dia-a-dia? Quantas horas de trabalho o senhor faz diariamente?
ISF – Isso é complicado.
PortoGente – É complicado?
ISF – Eu deveria fazer menos do que faço, pelo menos o pessoal lá em casa reclama um pouco, mas...
PortoGente – Não tem uma orientação médica também?
ISF – Também tem, mas a disciplina médica eu cumpro.
PortoGente – Já com a família não?
ISF – A família....eu tento compatibilizar com eles o que é possível.
PortoGente – Mas quantas horas de trabalho?
ISF – Eu começo sempre às sete horas (da manhã) e vou até 20h, 21h, depende. Viajo muito, né. Tenho outra atividade dentro da Bunge em outros portos. Dentro da Bunge Alimentos nós temos uma diretoria de portos e serviços, cujo diretor é o (António) Branco. E dentro dessa estrutura eu sou o responsável pela gestão dos terminais na Bunge Alimentos no Brasil. Nós temos instalações em Ponta da Madeira (MA), em Cotegipe (BA), Santos, Paranaguá são dois terminais, São Francisco do Sul (PR) e Rio Grande (RS).
PortoGente – Normalmente quanto tempo o senhor fica fora?
ISF – Normalmente, durante o mês, eu passo uma semana fora.
PortoGente – Como a sua família entra na sua agenda?
ISF – Minha família entra na minha agenda...meus filhos...tenho três filhos. O mais velho mora comigo, trabalha em Santos, então é tranqüilo. E as minhas filhas moram fora. Uma estuda na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e a caçula estuda na Universidade Federal de São Carlos. Então nós temos uma agenda organizada, nos encontramos no final de semana.
PortoGente – E a sua esposa, reclama muito da sua ausência?
ISF – Não, porque ela compreende e apóia. Faz parte.
PortoGente – Quais as medidas que deveriam ser tomadas no Porto de Santos para resolver os vários gargalos?
ISF – Isso é lugar comum. Eu acho que um dos maiores problemas e gargalos (do Porto de Santos) é o acesso – terrestre e marítimo. A iniciativa privada investiu maciçamente em Santos, mas fica dependente dos acessos. As perimetrais, quanto tempo estão patinando aí?
PortoGente – O senhor acha que sai agora?
ISF – Como eu sou um otimista por excelência, eu acho que sai (risos), pelo menos a da direita. A margem esquerda está mais atrasada, mas a margem esquerda teve uma iniciativa dos usuários que se anteciparam há dois anos, criamos um comitê lá e nos organizamos junto à prefeitura e não fizemos a perimetral, mas otimizamos o que está criando um fluxo mais racional para os vários terminais. Óbvio que é uma solução paliativa que resolve o problema no curto prazo, mas invariavelmente a solução final passa pela construção da perimetral.
PortoGente – Como o senhor avalia a criação da Secretaria Especial de Portos?
ISF – Eu vejo de forma positiva, porque a primeira mensagem que passa é foco. Eu acho que sob esse ponto de vista é providencial a criação da Secretaria Especial de Portos. O ministro (Pedro Brito) me pareceu uma pessoa extremamente preparada e qualificada, está bem assessorado. Ele fez um “raio-x” perfeito das várias necessidades e demandas que o porto precisa. Só fico preocupado se ele vai conseguir cumprir aquilo tudo.
PortoGente – Por causa dele?
ISF – Não por causa dele, mas porque é um universo muito grande. Às vezes você quer (fazer), mas o meio não permite fazer.
PortoGente – O senhor acha que vai depender também da formação das novas direções das Autoridades Portuárias?
ISF – Sim, é claro. Passa por isso. É como uma empresa, não adianta você ter um grande plano de metas se os gestores não estão preparados para executá-lo, se o time de baixo não está motivado e orientado para executar.
PortoGente – O senhor concorda com o ministro Pedro Brito e com o presidente Lula de que a formação das novas diretorias devem ser técnicas e profissionais da área portuária?
ISF – Sim. Afirmativo. E mais: eu acho que a comunidade deveria referendar essas indicações através do CAP (Conselho de Autoridade Portuária), onde todos os setores da comunidade estão representados.
PortoGente – Como seria esse “referendar” que o senhor propõe?
ISF – Talvez uma lista tríplice, ou indica, ou aprova, ou veta, ou você coloca metas. Eu acho que a gestão pública portuária deveria ser tratada como se trata a gestão de uma empresa privada, com plano de metas e cobrar por resultados. O que a gente vê aqui é que não acontece, nas administrações entram e saem pessoas, a coisa vai mais ou menos do jeito que dá.
PortoGente – Que tipo de debate o senhor gostaria de colocar na comunidade portuária?
ISF – Eu não tenho que inventar a roda, eu tenho que fazer a roda ser eficiente. Nós temos aqui um porto geograficamente perfeito, bem abrigado, no eixo da produção e da riqueza nacional, com instalações para operar todo e qualquer tipo de carga, o que precisa é azeitar essa máquina. O que precisa é que a gestão pública faça a contrapartida que a gestão privada está fazendo.
PortoGente – Por exemplo?
ISF – Canal de aprofundamento, quanto tempo se fala nisso e não é feito? Mal sai a dragagem de manutenção. Hoje nós temos um calado de 12 metros, que não atende a necessidade e nem responde aos investimentos que foram feitos. Vários terminais aqui já estão preparados para receber navios de 15 metros. O mercado de frete aos níveis de hoje se eu tenho uma instalação que pode abrigar um navio de 15 metros eu tenho uma grande vantagem competitiva. Eu não, o País tem. Não capturo isso porque o canal de acesso não permite.
PortoGente – Voltando à família. Ela cobra mais tempo e atenção?
ISF – Eu acho que sim.Tem que cobrar, né.
PortoGente – Por que ela tem de cobrar?
ISF – Porque é natural. Qual é o filho que não quer ficar mais perto do pai? Isso é natural do ser humano. De vez em quando eu coloco os meus filhos na garupa da minha moto e a gente sai por aí.
PortoGente – O que o senhor faz para relaxar?
ISF – Eu gosto de cinema. Sou apaixonado por cinema. Eu gosto de filmes atuais, de suspense. Eu gosto de filmes que façam pensar. Mas o que eu gosto e consigo relaxar mesmo é pilotando a minha moto.
PortoGente – O senhor tem algum sonho que ainda não realizou?
ISF – Sonho que eu não realizei? Tenho, é claro. Quem não tem sonho parou no tempo. Eu tenho mil projetos ainda. Já realizei uma enormidade, mas tenho outros tantos.
PortoGente – Não tem nada que lhe causou uma frustração por não ter conseguido realizar?
ISF – Não, não.
PortoGente – O que o senhor quis o senhor conseguiu?
ISF – Sim.
PortoGente – Em termos pessoais, profissionais...
ISF – Sim. Eu sou obstinado. Aquilo que eu quero fazer eu vou atrás e também não me perco por uma porta fechada...
PortoGente – Como o senhor definiria o amor?
ISF – (pausa)...o amor....(pausa)...Eu acho que o amor é uma relação que se constrói, né? Tem um primeiro start...e depois...uma plantinha...você vai regando e ela fica boa...
PortoGente – Como o senhor definiria trabalho?
ISF – Trabalho? Trabalho é um dos pilares que completa o homem. Eu acho que você trabalhar, ser útil é fundamental.
PortoGente - O que não dá para ficar sem? Sem amor ou sem trabalho?
ISF – Que pergunta danada essa, hein. Sem amor e sem trabalho? Não dá, não dá. Até para trabalhar você precisa amar aquilo que você está fazendo. Tudo tem que causar prazer, ponto. Tudo tem que causar prazer, é o que eu penso.
PortoGente – Como o senhor reage frente a uma situação difícil no trabalho? O senhor bate na mesa, grita...
ISF – Ah, depende da situação, eu acho que você tem que respirar fundo às vezes, você tem que dar um passo atrás, você tem que repensar, reconsiderar, procurar olhar de outra forma. O que você não pode é rejeitar no primeiro momento. Uma coisa que é importante sempre é olhar o outro lado.
PortoGente – Quais as qualidades que o senhor destacaria para um ser humano.
ISF – O ser humano tem que ser...como é que você falou?
PortoGente – Qualidades que o senhor considera fundamentais?
ISF – Eu não diria qualidades, eu diria obrigação. O homem tem obrigação de ser honesto, leal...
PortoGente – O senhor se considera inflexível...
ISF – Inflexível não, de forma nenhuma, eu sou inteligente.
PortoGente – Um conselho de vida.
ISF – Fazer as coisas de forma simples e sempre ser leal e correto. E não complicar as coisas. Ser objetivo. Que mais?
PortoGente – Um projeto de vida no plano profissional.
ISF – Eu quero consolidar o trabalho que a gente está fazendo na Fertimport, na Bunge. Nós temos vários outros projetos de terminais para construir, nós temos pelo menos três grandes projetos para serem implantados no Brasil.
PortoGente – Tem prazo?
ISF – É...eu dependo da licitação de um lá no Norte, em São Luis do Maranhão. A licitação ocorreu, mas foi cancelada, então estamos esperando isso. Mas é questão de prazo porque nós entendemos que o crescimento do agronegócio no Brasil é irreversível, vai ser muito forte nos próximos dez anos.
PortoGente – E no plano pessoal?
ISF – Eu quero ter mais tempo para pilotar a minha moto.