Autoridades, trabalhadores e demais agentes envolvidos no setor portuário já apontaram inúmeras causas para os sucessivos acidentes fatais que ocorreram no Porto de Santos. Aumento na movimentação de cargas, redução dos ternos e falta de atuação da Cipa foram alguns dos itens citados. No entanto, nenhuma ação poderá trazer de volta a vida dos oito trabalhadores mortos desde novembro do último ano, somente no cais santista. Para o técnico em segurança do trabalho, André Luís Lopes, quando acontece uma morte em ambiente laboral, há uma série de indicadores que já alertavam que uma fatalidade estava prestes a ocorrer.
Lopes, que já atuou como auditor nas áreas de segurança, saúde e meio ambiente, além de ter lecionado sobre os temas, cita a Pirâmide de Frank Bird para explicar a ocorrência de acidentes fatais. Em pesquisa feita no final dos anos 60, o inglês Bird analisou mais de 1.750.000 acidentes em 21 grupos industriais diferentes para chegar a conclusão de que, para cada acidente grave acontecem 10 ocorrências que geram lesões leves ou não incapacitantes, 30 acidentes sem danos físicos (apenas materiais) e 600 incidentes sem danos visíveis.
O sistema também pode ser explicado como um “efeito dominó”. O técnico em segurança do trabalho ressalta que o acidente fatal é estatístico e, como prevenção, é preciso quebrar a seqüência de acontecimentos. “Eu sempre expliquei isso aos meus alunos. Quando cai uma pedra do dominó, ela vai derrubando outras”. A única solução, de acordo com Lopes, é retirar as demais pedras antes que o efeito chegue a um acidente fatal. A ação, levando para o lado prático, é trabalhar no que já ocorreu para evitar que incidentes similares acabem ocasionando danos aos trabalhadores.
Equipamentos precários, não-utilização de EPI’s e alta rotatividade no cais são alguns dos fatores citados por Lopes para que as tragédias aconteçam sucessivamente. “Era previsível que algo viesse a acontecer. A mão-de-obra é um agente causador de acidentes, pois na área portuária ainda há pouco conhecimento da atividade”.
Questionado sobre a necessidade de conscientização dos operários, um dos temas levantados em reunião da recém-formada comissão de segurança do Porto de Santos, Lopes alega que é imprescindível que todos estejam conscientes, não apenas os trabalhadores. Transportadoras e caminhoneiros não recebem qualquer orientação de como trabalhar para evitar acidentes durante o transporte de cargas, especialmente as perigosas, exemplifica. “Quando eu vejo um caminhão , já passo longe”.
Ele acredita que as empresas se preocupam apenas com resultados imediatos e necessitam elaborar um planejamento macro. “O ganho nem sempre é uma relação direta. Ninguém pensa na questão humana, mas quando não acontecem acidentes em uma empresa, a imagem dela melhora muito”. Lopes argumenta que é um hábito perigoso de muitas empresas o reaproveitamento de materiais de segurança sem qualquer orientação, aplicando-os em serviço sem saber se estão agindo de forma adequada.
Além do prejuízo para os trabalhadores, Lopes lembra que os acidentados são um ônus para o Estado. “As empresas têm que arcar com o ônus durante todo o processo de recuperação do funcionário acidentado”, defende, discordando da legislação atual, que exige a participação da empresa responsável em apenas parte do processo. Para ele, não é possível ter qualidade sem segurança, nem segurança sem qualidade. E remete, mais uma vez, ao aspecto humano. “Será que alguém colocaria um parente para trabalhar nas condições em que os portuários estão trabalhando?”.
Em termos de qualidade, o técnico enfatiza que o porto é uma área quimicamente agressiva e que é essencial ficar atento a todos os detalhes dos equipamentos. Em diversas ocasiões, um material inadequado aplicado, geralmente por questões de economia de custos, em costuras ou juntas de um equipamento pode gerar um acidente gravíssimo.
Cintas
Atualmente, Lopes é gerente de qualidade da Tecnotêxtil – fabricante de cintas de poliéster para amarração e elevação de cargas – e integrante de comissões da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que elaboram procedimentos para o setor. O uso de cintas de poliéster garante a eficácia do serviço de movimentação de mercadorias, desde que seus parâmetros e carga máxima sejam respeitados, ressalta o gerente de qualidade. Ele revela que acontecem cerca de 26 mil acidentes com cabo de aço anualmente. “Nossa atuação não resolve os problemas, mas tira uma peça do ‘dominó’, gerando melhorias para a segurança”.
O empresariado, para Lopes, precisa atuar nessa frente a favor da segurança. Ele afirma que há muitos fabricantes de equipamentos que não cedem informações e orientação aos usuários, para que estes fiquem dependentes de seus serviços. “A amarração não pode ser o mistério que é hoje. Reter informação é ruim. Quanto mais divide, mais se aprende”.
A ABNT está finalizando normas para amarração e elevação de cargas. Lopes diz que, por ora, os resultados ainda serão indicações de caráter voluntário, embora no exterior os procedimentos já sejam obrigatórios. “Somente quando for aprovado pelo Inmetro e entrar no Programa Brasileiro de Avaliação da Conformidade é que se tornará obrigatório”. Um dos obstáculos é que nenhum órgão de segurança ou trabalhista preocupa-se em pressionar os responsáveis para que sejam adotados procedimentos padrão na utilização de equipamentos de segurança. Com o Inmetro tendo a possibilidade de avaliar se os produtos estão de acordo com as exigências legais, materiais de baixa qualidade, muitos deles importados, serão eliminados do uso rotineiro nos portos.