* Entrevista especial Portogente
Em sequência ao diálogo nacional sobre as atuais condições dos portos brasileiros a partir da visão de dirigentes das federações das indústrias dos estados, Portogente traz a entrevista com Carlos Cavalcanti, vice-presidente e diretor do Departamento de Infraestrututa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Entre os desafios atuais na área portuária, ele sinaliza que a principal mudança está relacionada às desestatizações das autoridades portuárias, que começou pela Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), do Porto de Vitória, e pela Santos Port Authority (SPA).
Carlos Cavalcanti afirma que Fiesp quer portos brasileiros com gestões mais eficientes e menos conflitos. Foto: Fiesp.
Ele destaca a aprovação do projeto de lei da “BR do Mar” (4199/2020) que busca o reequilíbrio da matriz de transportes do País com a ampliação e a melhoria do transporte por cabotagem, incentivo a concorrência e a competitividade na prestação de serviços e amplia a disponibilidade de frota.
Atualmente, 65% de toda a carga transportada em mercado doméstico é feito por rodovias, cerca de 15% pelo modal ferroviário e menos de 2% por cabotagem. Para Cavalcanti a otimização dos serviços de cabotagem pode trazer aumento da eficiência e redução dos custos dos transportes, fundamental para a competitividade.
Confira a entrevista completa!
Portogente - Em 1993 foi criada a lei da modernização dos portos brasileiros. Quais foram os avanços e ganhos econômicos que essa lei proporcionou para a economia brasileira e para o estado de São Paulo?
Carlos Cavalcanti - Para a economia, tão ou mais importante do que a lei de 1993, foi a “Nova Lei dos Portos” (Lei nº 12.815/13) que, dentre outros tópicos, flexibiliza a instalação de Terminais de Uso Privado (TUPs). Isso atraiu investimentos substanciais aos portos, notadamente o de Santos, bem como a modernização e aumento da eficiência. A Fiesp atuou vigorosamente na aprovação da então “MP dos Portos”, pois acreditou que essa seria uma oportunidade para modernização das instalações, para estimular a concorrência e para reduzir os custos dos fretes.
Com isso, houve ampliações, modernizações portuárias e incorporação de novas tecnologias, nos portos em geral. Em Santos, além desses benefícios, foram ampliadas as operações em terminais especializados para contêineres, carga geral, granéis sólidos e líquidos. Isso é fundamental para a economia. Principalmente, porque a movimentação portuária, de certa forma, é um termômetro a respeito da economia de um país. Maiores movimentações são reflexo de maior comércio exterior e, por consequência, maior crescimento do país.
Ainda assim, os portos brasileiros ainda têm grandes desafios a serem enfrentados para aumentar sua eficiência e competitividade. O sistema de gerenciamento de operações e de contratação de mão de obra precisa ser revisto, com intuito de aumentar a agilidade nos processos de contratação. Deve-se eliminar interferências corporativas e burocráticas, que aumentam o tempo de movimentação de cargas e, consequentemente, impactam nos custos, entre outros fatores.
Vinte e oito anos depois dessa lei, quais as mudanças necessárias para o sistema portuário nacional e em especial paulista? E por quê?
A principal mudança hoje está relacionada às desestatizações das autoridades portuárias. Incialmente a Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo), do Porto de Vitória e da SPA (Santos Port Authority). A partir deles, ampliará aos demais.
Especificamente a respeito da SPA, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) contratou a consultoria que realizará os estudos e análises do modelo de desestatização da autoridade portuária. Inicialmente, chegou a ser discutida uma eventual abertura de capital, mas, ao que parece, a opção será pela desestatização.
A grande vantagem da desestatização é a modernização da gestão portuária, com o objetivo de atrair investimentos, melhorar a qualidade dos serviços prestados, aumentar a eficiência operacional, garantir a regularidade e manutenção de capacidade portuária adequada por meio de melhores práticas de gestão. Alcançar esses objetivos contribuirá para o aumento da competitividade da indústria paulista e dos demais setores e estados que usam os serviços do Porto.
Como convergir sustentabilidade, cidades e economia nos negócios portuários pensando a realidade de São Paulo?
Em geral, os portos devem desenvolver seus Planos Mestres de maneira a coordenar seu crescimento em conjunto com as cidades às quais influenciam diretamente. Além desses planos, os portos também são obrigados a criar e apresentar à sociedade seus Planos de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZs).
Especificamente sobre o PDZ de Santos, há um planejamento amplo, que visa atender não apenas às necessidades dos usuários, mas também convergir com melhorias para as cidades de Santos e Guarujá. Por meio dele, há previsão de modernização do porto, com planejamento estratégico e ocupação das áreas públicas pelos próximos 20 anos, além da projeção de ampliação da capacidade em 49% até 2040.
O PDZ também visa promover o desenvolvimento sustentável do porto, integrar os modais de transportes, otimizar a infraestrutura, otimizar a organização espacial da área portuária, contemplar melhorias operacionais, investimentos e acessos propostos no Plano Mestre do Porto.
Conectado às cidades, o PDZ também propõe investimentos no acesso terrestre, como viadutos para o descruzamento em nível rodoferroviário, troca de pavimentação do Centro Histórico e outras obras rodoferroviárias que visam melhorar o acesso ao porto e o fluxo de veículos nas cidades.
Fora o PDZ, há o projeto da ligação seca entre Santos e Guarujá. A construção do túnel é uma solução de mobilidade urbana que beneficiará a população das duas cidades, aumentando a qualidade de vida das pessoas. O túnel facilitará a movimentação de pedestres, ciclistas, veículos de passeio, ônibus e veículos urbanos de cargas (VUCs), e não prejudicará a movimentação do Porto. Esta obra deve integrar o projeto de desestatização da SPA.
Um outro ponto importante a ser considerado é a preocupação, principalmente do setor privado, em atender aos princípios da Ambiental, Social e Governança (ASG). Dessa forma, uma vez concedido, será de fundamental importância que o novo agente controlador atenda às demandas socioambientais necessárias para a preservação e manutenção do entorno do porto e aos princípios de transparência necessários à uma boa governança.
Tendo em vista a produtividade cada vez maior do comércio mundial, qual é o caminho que o Brasil precisa seguir para ter seu espaço nesse cenário? E quais são os desafios para o estado de São Paulo?
O Estado de São Paulo pode ser beneficiado por meio da priorização dos aumentos de eficiência e da competitividade. Há algumas maneiras de se melhorar essas questões, como o aumento da diversificação da matriz de transportes no país, hoje majoritariamente rodoviária (cerca de 65%). Os investimentos em ferrovias são fundamentais para isso. O PDZ do Porto de Santos prevê esse crescimento para os próximos anos.
O Projeto de Lei (PL) 4199/2020, chamado de “BR do Mar”, tem por objetivo ampliar e melhorar a qualidade do transporte por cabotagem, incentivar a concorrência e a competitividade na prestação de serviços, ampliar a disponibilidade de frota, entre outros benefícios. Isso é importante para reequilibrar a matriz de transportes do país. Hoje, 65% de toda a carga transportada em mercado doméstico é feito por rodovias, cerca de 15% pelo modal ferroviário e menos de 2% por cabotagem. A otimização dos serviços de cabotagem pode trazer aumento da eficiência e redução dos custos dos transportes. E isso é fundamental para ganharmos competitividade.
Além disso, há a necessidade de reduzir conflitos nas áreas portuárias. Especificamente sobre Santos, é fundamental que sejam resolvidos os conflitos rodoferroviários e o conflito urbano para mitigar o excesso de caminhões na entrada da cidade de Santos. Outro ponto necessário é a realização de investimentos para modernizar e ampliar a capacidade da malha ferroviária que atende ao porto em ambas as margens, ou seja, melhorar e otimizar a movimentação das cargas e, consequentemente, melhorar a movimentação nas cidades.
Também deve ser considerado a desburocratização. O Ministério da Infraestrutura criou o Programa de Desburocratização, cujo objetivo é destravar processos e melhorar a disponibilidade, a integração e a qualidade das informações. Junto a isso, criou-se o Porto 24h. Desde 2013, a área operacional do Porto de Santos funciona 24 horas, no entanto, alguns agentes que atuam no porto, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério do Trabalho ainda não funcionam 24 horas. Já a Polícia Federal opera 24 horas e a Receita Federal opera 24 horas para denúncias, mas não para a liberação de cargas. Isso atrasa o trâmite, gera filas de navios e aumenta os custos. O setor portuário evoluiu muito nos últimos anos. Ainda assim, há muito espaço para melhorias e ganhos de eficiência.
Como avaliam os portos brasileiros em relação gestão, eficácia e eficiência? Quais são os mais modernos, confiáveis e competitivos?
A Fiesp está sob área de influência do Porto de Santos, fundamental para o escoamento dos bens e mercadorias produzidos. Em geral, é a melhor opção logística e econômica para a exportação e importação. O Porto de Santos é o principal porto brasileiro em valores de carga movimentadas e responsável por cerca de 25% do comércio exterior brasileiro.
No entanto, em termos gerais, o ideal é que os portos sejam servidos por uma rede de transportes completa e integrada de modais rodoviário, ferroviário e dutoviário. Além de contar com um bom gerenciamento de suas áreas, por meio das autoridades, de maneira a buscar sempre a eficiência e transparência.