Quinta, 21 Novembro 2024

A afirmação é do pesquisador Jeffer Castelo Branco, que atua na área ambiental na região da Baixada Santista

Portogente, por meio do websummit Porto & Cidade, vem dialogando com diferentes setores do Estado, Autoridades Portuárias e Sociedade Civil sobre a construção de relações harmoniosas entre território, população, gestão, participação e projetos do chamado “desenvolvimento”.

Navio bomba Santos

Nessa busca de entender as diferentes motivações que mobilizam interesses sociais, político, econômicos, ambientais e culturais, Portogente conversou com o técnico em meio ambiente e pesquisador Jeffer Castelo Branco.

Doutorando no Programa de Pós Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e integrante do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Saúde Socioambiental da mesma instituição, Castelo Branco tem uma vasta formação e experiência profissional como técnico em meio ambiente com especialização em avaliação de riscos à saúde humana por exposição a resíduos perigosos. Também estende suas atividades a uma atuação na defesa do meio ambiente, como diretor da Associação de Combate aos Poluentes e ex-integrante do Conselho Estadual do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Consema), bem como membro de várias comissões de segurança e gestão ambiental. Na gestão pública foi assessor técnico na Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Guarujá.

Para Castelo Branco, a academia tem um papel fundamental de levar informação à sociedade, além de “atividades de extensão e as aulas que comportam atividades que acontecem fora do ambiente estritamente universitário, em comunidades, bairros periféricos”, ouvindo essas comunidades e incorporando seus saberes nas pesquisas científicas e pareceres técnicos, buscando agregar os direitos humanos e ambientais.

Nesta entrevista, ele conta como se deu o envolvimento entre setores da academia e da sociedade civil para questionar a implementação do projeto de Reforço Estrutural de Suprimento de Gás da Baixada Santista, popularmente chamado de “navio bomba”. Na avaliação de Castelo Branco, o projeto apresenta três problemas: fere protocolos internacionais, assinados pelo Brasil; a tecnologia de vaporização traz inúmeros riscos ao estuário e, por fim, o risco de causar um acidente de proporções graves na região. “Esse navio tem uma potência em TNT equivalente a 55 bombas de Hiroshima, ou seja, 825 quilotons. Para ser mais objetivo, uma potência 824 vezes maior que a de Beirute.”

Segundo Castelo Branco, esse é o motivo que levou dezenas de organizações a se mobilizarem e colherem assinaturas para uma petição que será encaminhada às autoridades judiciais.

Portogente - Quais as motivações para que setores da sociedade civil e da academia organizarem uma reação contrária ao projeto de Reforço Estrutural de Suprimento de Gás da Baixada Santista?
Jeffer Castelo Branco - As motivações da sociedade civil são constitucionais, constantes em seus próprios estatutos pautados na garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida. São princípios inalienáveis e obrigações sociais que são impostas ao poder público e a todos os cidadãos. E quando o poder público age movido por algum outro interesse que não o estrito interesse público social, cabe a todos os cidadãos fazê-lo cumprir a Constituição Federal e os princípios dos Direitos Humanos.

Faço parte do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Saúde Socioambiental da Universidade Federal de São Paulo, o núcleo quando procurado pelas partes, tem se debruçado sobre determinados projetos. Com fundamentação na complexidade, na religação de saberes e interdisciplinaridade, grupo de pesquisadores, profissionais tem produzido por meio do núcleo, alguns relatórios com base técnica e científica. No caso a análise ambiental integrada e a avaliação de risco à saúde humana, pode em determinadas circunstâncias, serem referências em nossos trabalhos.

Importante dizer que a academia não está deslocada da sociedade, pois, é parte dela. E cada vez mais, percebe-se a importância de articular com os segmentos da sociedade. As atividades de extensão e as aulas que comportam atividades que acontecem fora do ambiente estritamente universitário, em comunidades, bairros periféricos, são exemplos dessa interação.

200 Jeffer ConsemaQuais os riscos ambientais (pensando no ser humano e na natureza) que acarreta esse projeto?
O projeto envolve diversas questões ambientais que refletem em riscos à saúde e a vida humana. A primeira é justamente aquela que envolve o acordo de Paris, em que o país se compromete ao esforço global de manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais e limitar esse aumento da temperatura a 1,5°C, o que reduziria significativamente os riscos e os impactos ambientais que já podem ser percebidos. O meio de garantir essas metas de temperatura é recomendando que os países reduzam a emissão de gás de efeito estufa (GEE) a níveis pré-industriais.

Nesse acordo o Brasil se comprometeu a chegar em 2025 com uma emissão 37% abaixo das emissões de 2005. Então, é preciso que os envolvidos nesse projeto e em outros semelhantes, apresentem como e onde esse gás entra no balanço geral brasileiro para atingir as emissões acordadas. Para se ter uma ideia prática do que significa a queima de combustível fóssil que gera os GGE: a cada 1 tonelada de gás natural queimada (que é um combustível fóssil) são retiradas da atmosfera 4 toneladas de oxigênio e devolvidas 2,75 toneladas de GEE (CO2), além de 2,25 toneladas de água ácida. Essa pressão o planeta não está mais suportando.

A segunda se refere à tecnologia de vaporização adotada. No projeto consta que vão puxar água do estuário, passar por dentro dos vaporizadores e em seguida, será descartada à temperatura negativa no mesmo estuário. E isso está acontecendo com complacência da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), ou seja, o órgão ambiental em vez de exigir a melhor tecnologia prática disponível, faz vistas grossas a esse absurdo ambiental. Além de alterar a temperatura no local de descarte, essa água conterá todo o resíduo do desgaste material dos equipamentos do processo, e o risco potencial, de a qualquer defeito nos vaporizadores, o que não é incomum, carrear substâncias perigosas e gás para as águas estuarinas. É preciso eliminar esse circuito aberto, e projetar um circuito fechado, o que ocorre nas indústrias brasileiras há décadas.

A terceira é mais grave, que é o risco de ocorrer um acidente-super-ampliado na cidade de Santos, o que pode devastar a nossa cidade, atingindo violentamente o patrimônio público e privado e ceifando vidas de centenas, quiçá milhares de pessoas.

Para efeito de comparação do que estamos falando, você pode falar sobre a explosão em Beirute, em 4 de agosto de 2020?
Vamos considerar o número médio calculado pelos cientistas da Universidade Sheffield da Inglaterra, de que o rendimento da explosão em Beirute foi de mil toneladas de TNT (1 quiloton). A explosão que o mundo assistiu pelas redes sociais causou destruição severa no raio de 1km a contar do seu epicentro. No raio de 5 km estruturas ficaram fortemente danificadas e até 10 km foram reportados danos como, por exemplo, vidros das janelas do aeroporto quebrados. Caso essa explosão ocorresse na cidade de Santos, em qualquer lugar do estuário, ela atingiria praticamente toda a cidade e vizinhas.

O potencial do navio que descarregará no Porto de Santos é bem maior?
O potencial em TNT do navio-bomba que ficará descarregando diuturnamente no Porto de Santos é muito superior às 2,75 mil toneladas de nitrato de amônio que explodiram em Beirute. A publicação norte americana especializada, “Brittle Power”, aponta que esse navio tem uma potência em TNT equivalente a 55 bombas de Hiroshima, ou seja, 825 quilotons. Para ser mais objetivo, uma potência 824 vezes maior que a de Beirute.

Uma explosão com essa magnitude, praticamente devastaria inteiramente a cidade de Santos e junto com ela seu Porto, sua economia, e seu povo, que sofreria os impactos da liberação, expansão e explosão que podem gerar uma enorme bola de fogo letal num raio de vários quilômetros. Os riscos incluem morte por congelamento criogênico, explosão, incêndios secundários; asfixia; queimaduras por radiação térmica; danos ou destruição de propriedades pelo fogo, incêndios florestais ou deslocamento repentino do ar.

Há necessidade de fazer com que as pessoas corram tamanho perigo? Veja, não estamos falando somente de impacto no meio natural como na fauna marinha, que por si já é preocupante e que pode se configurar em crime ambiental, estamos falando de seres humanos que podem vir a morrer de forma violenta se houver falhas e ninguém pode afirmar que nunca haverá. O incêndio na Vila Socó e recentemente, o que durou 9 dias no Porto de Santos são apenas exemplos de acontecimentos “inesperados”.

Quais alternativas o grupo propõe para o abastecimento de gás, já que esse projeto não é viável?
A questão posta não é o abastecimento do gás, mas sim o futuro da nossa própria cidade, que por estar a nível do mar sofrerá com o contínuo aumento de temperatura pela emissão excessiva de GGE. E como compensar as emissões com a entrada de mais combustível fóssil na matriz energética brasileira? Como adequar esse projeto para que não polua nosso estuário, não passe suas tubulações por baixo de canais navegáveis que são constantemente dragados e que não seja um risco potencial de destruição total da nossa cidade, da nossa economia, da nossa cultura, da nossa população?

A solução é apresentar o balanço que garanta o cumprimento do acordo de Paris, alterar o projeto de vaporização, levar esse navio-bomba e seus gasodutos para longe de operações portuárias e de populações urbanas para além de 10 quilômetros.

Que tipos de vantagens e desvantagens a não instalação do projeto poderá causar em termos de impactos econômicos, sociais, patrimoniais, territoriais e ambientais?
Não estamos aqui nos posicionando contra o gás, não há que se falar em vantagens e desvantagens quando o risco envolve centenas ou milhares vidas humanas, temos que falar sim contra a descarada irracionalidade que está permeando o projeto. A pergunta que se faz, como isso (matemática, química e fisicamente) vai contribuir com as obrigações do nosso país com o acordo de Paris? Por que ao mesmo tempo em que esse projeto aparece, na plataforma de Merluza a produção é praticamente parada por falta de consumo de gás? Por que não se afasta o traçado dos gasodutos, de modo que não seja risco nas operações de dragagem e risco para as comunidades onde esse gasoduto passará bem próximo? E por fim, por que não levar esse “navio-bomba” para mais de dez quilômetros da costa, como seria feito em Peruíbe, livrando assim toda a nossa polução do alto risco de perder tudo, inclusive a própria vida?

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