A história profissional de José Moreira da Silva, presidente da Associação Comercial de Santos, remonta a uma época em que a amizade ditava as relações comerciais e familiares, diferentemente dos dias atuais em que os valores morais estão cada dia mais deturpados.
Aos 78 anos de vida, sr. Moreira, como é conhecido na cidade, tem prestígio e credibilidade no setor cafeeiro, afinal já são mais de 60 anos de trajetória. Acompanhou o auge e a decadência do café em Santos. Lembra dos negócios que eram feitos na Bolsa do Café e da transformação que a cidade passou, especialmente nas últimas duas décadas.
Com apenas nove anos de idade, ainda como uma brincadeira, ajudava seu pai a carregar ferramentas na firma em que ele trabalhava como carpinteiro, pintor.
Aos 10 anos o seu pai conseguiu um emprego na Argentina e José Moreira junto com o outro irmão, foram viver no Educandário Santista em regime de internato, como funciona até os dias de hoje. Um ano e meio depois, já com dinheiro suficiente, seu pai retornou e comprou uma casa. José Moreira ficaria mais três anos trabalhando com seu pai em serviços gerais.
Na década de 1940, havia em Santos uma tradicional casa de calçados e roupas esportivas, a Afonso Moreira, localizada no bairro do Gonzaga. Rafael Lassálvia, um dos donos da empresa e grande amigo de Américo José da Silva, pai de José Moreira, convidou o ainda adolescente para trabalhar na loja. Por lá ficou mais uns quatro anos atendendo o público. Já aos 17 mudou de emprego e foi para a Casa Alves e Gonçalves que comercializava roupas femininas.
Sempre extrovertido e muito prestativo, José Moreira fez vários amigos, entre eles João Álvaro Ferreira Lopes que atuava no ramo do café.
Num dos encontros noturnos, o encontrou e daí surgiria o convite para o jovem de 18 anos começar a trabalhar no segmento do café. “Você tem um jeito especial que é capaz do dono gostar de você. Quer fazer um teste?”, perguntava João. Cansado do serviço anterior e buscando novos desafios, José Moreira fez o teste para entrar na Casa Exportadora Naumann Gepp.
Lembra do primeiro dia como se fosse hoje. “Você entrava na firma, recebia seu avental, lápis, caderninho e já ia para a sala de café. Naquela época era uma das principais firmas exportadoras de café de Santos. O primeiro dia de trabalho foi subir as escadas, as quais acabei subindo por 29 anos”.
Começaria a paixão pelo produto que faria a cidade de Santos conhecida em todo o mundo.
Como nos dias atuais, passou por um período de experiência de 90 dias em que ganharia ou não “o bilhete azul”, como ele mesmo relata. “Logo nos primeiros dias fiquei prestando atenção como todos faziam. Tinha um nível muito bom lá dentro, éramos muito cobrados. Assim que chegava um corretor com a amostra de café ele colocava em cima da mesa para ser classificada e minha obrigação era abrir as latas certinhas e deixar o café pronto para quando o classificador viesse. Depois de abrir e fechar muita lata, aos poucos fui começando a provar o café. Nos 90 primeiros dias de avaliação, me dediquei muito. Nessa época nós tínhamos que provar de 300 a 400 amostras por dia. Cada amostra dessa você fazia de 4 a 5 degustações. Por dia eram quase 2000. Por isso que o meu pulmão é bom até hoje”, brinca.
Efetivado, Moreira continuou a dedicação pela novidade e se aprimorou. Fez inglês aconselhado pelo seu amigo João, o terceiro classificador da empresa. As classificações, tipo de bebidas, números são feitas todas em inglês, segundo ele.
Em 1949, aos 21 anos foi convidado a ser procurador da firma em Paranaguá, no estado do Paraná, onde o café começa a ser produzido e, portanto, abria muitas portas no mercado de trabalho.
A escolha do funcionário que representaria a firma no sul foi cercada de expectativa. Conta José Moreira: “O natural seria mandar o João, mas um dia o Alemão (um dos donos) passou lá e na frente de todo mundo disse: José, você poderia ir para Paranaguá trabalhar conosco como procurador e responsável pela qualidade do nosso café e também cuidar dos nossos embarques ? E eu disse: só um instante que eu vou buscar o meu paletó”.
E assim partiu. Deixou o colega João com quem dividia residência e se mudou para o sul do país. Começou a construir sua vida familiar, conheceu sua atual esposa, com quem está casado há 55 anos. Pai de quatro filhos e avô de oito netos, José Moreira teve um grande mentor. Um inglês, de fina educação, chamado Lawrence John Willians, 15 anos mais velho do que ele.
Contratado para assumir a presidência da exportadora, esse homem seria uma espécie de mestre para José Moreira, que ainda se emociona ao lembrar dos seus exemplos.
O santista José Moreira conheceu boa parte do mundo em nome do café. Lembra de suas idas a Londres e da hospitalidade oferecida por Lawrence em sua casa na Inglaterra.
Assumir o posto do inglês, quando ele saia de férias por dois meses, era tarefa difícil. “O outro sócio, na verdade o genro do alemão, me dizia que eu tinha que comprar somente o que estivesse dentro da minha responsabilidade. Sempre quando queria fazer um grande negócio pedia autorização e, assim, fiz muito além do esperado”.
A lembrança triste e emocionada é a do dia em que o inglês resolveu deixar o Brasil. “Ele se casou com uma inglesa e ela não se adaptou aqui no país. Um dia ela chegou na nossa frente e disse ao inglês: ou você fica ou vai comigo. Foi o primeiro inglês que eu vi sair do Brasil chorando”.
A saudade dessa época romântica do café em Santos pode ser vista em seus olhos brilhantes e emocionados ao relembrar toda essa história. “O homem do café era um homem xereta, cônscio de seus deveres, educado, tinha que ter um jogo de cintura muito bom. O jovem que está entrando hoje aprende nos cursos de comércio exterior. Na minha época não existia nada disso, eu tinha que aprender no vai e vem. Não era fácil”.
De uma época em que 150 firmas exportavam café em Santos, hoje ele vê menos de dez atuando. Ao deixar a Naumann Gepp após quase três décadas, chegou a ter sua própria firma de exportação de café, de 1984 a 1989. “Hoje, na exportação de café se você não tiver um respaldo financeiro muito grande não dá para fazer. Eu aprendi com o alemão e com o inglês que o primeiro prejuízo é sempre o menor. Se você tem um prejuízo, liquida e começa tudo de novo. Se você for correr atrás do prejuízo, vai financiar alguma coisa, pegar dinheiro em banco, pagar juros e, aí, você quebra. Eu exportei café até 89. Nesse ano, fundei uma firma portuguesa, a Amacafé e foi uma das maiores exportadoras de café do Brasil. Mas, em 92, acabei fechando a Ama”.
Em toda essa longa trajetória, conquistou inúmeros títulos e cargos. Só na Associação Comercial de Santos está no seu oitavo mandato como presidente.
Questionado sobre o que ainda pretende fazer na vida, responde sem titubeios: “Quero viver intensamente. Não perdi o espírito jovem. Pretendo morrer assim, fazendo. Foi uma vidinha bem aproveitada. Nunca tive um período de férias de 15 dias com a minha mulher em lugar nenhum. Sempre tive sítio ou casa de praia. Até hoje aos finais de semana nos reunimos com a família”.
José Moreira da Silva respeita os comandos divinos. “Eu não interrompo viagem, pego o avião e o que vou fazer? Sentar, comer e beber. O responsável não sou eu, mas sim o comandante. Não adianta eu me preocupar. É natural que você tenha alguns momentos de medo que o avião caia. E se cair o avião? Se cair acabou tudo e daí? Eu também nasci assim, de repente”.