Sexta, 22 Novembro 2024

Especial para o Portogente

O portuário Luiz Fernando Barbosa Santos (foto abaixo) concedeu entrevista ao Portogente, onde ele recupera uma parte da história da modernização do setor, iniciada nos anos 1990, fala dos riscos que o setor corre na gestão, infraestrutura, força de trabalho e custos com a visão liberalizante do novo governo e uma eventual privatização das companhias docas. Ele também fala das saídas para o setor, como um pacto interfederativo que envolva responsabilidades articuladas nos âmbitos municipais, estaduais e federal para uma gestão portuária que atenda aos interesses da sociedade.

LuizFernandoBarbosaSantos 

Barbosa é advogado, trabalhador portuário avulso (TPA) e dirigente do Sindicato dos Conferentes de Carga e Descarga nos Portos do Espírito Santo. Também é professor do Instituto Federal capixaba, campus Cariacica.

Portogente - Os portos brasileiros, de 1993 para os dias atuais, tiveram marco regulatório considerado modernizante, com a Lei 8.630/03; criação de uma Secretaria Nacional de Portos com status de ministério; depois decretos e mudança no marco regulatório; por fim, incorporação da pasta da secretaria ao Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil. O que esperar como política governamental para setor com o novo governo?
Barbosa - O futuro governo vem sinalizando para uma gestão com um viés ultraliberal, com uma crença de que o setor privado irá solucionar todos os problemas de infraestrutura e, no caso, do setor portuário também. Como durante o período eleitoral as propostas não foram expostas democraticamente, de forma a submetê-las a uma crítica pelo escrutínio do voto, vejo que a política governamental do novo governo para o setor portuário já nasce com um déficit democrático.

Ao vir com um alto grau de messianismo político, concretamente poderá adotar políticas reais de um disfarce de descentralização que, na prática, busca fortalecer a centralização, ou seja, uma medida que faz com que o presidente vire uma espécie de “salvador da pátria” e que todo o problema de infraestrutura do País tem como base, somente, a corrupção e ele será o redentor.

No início dos anos 1990, no governo Collor, tivemos os mesmos ingredientes discursivos, como a privatização, a diminuição do tamanho do estado, a corrupção, os altos salários do setor público, que seriam solucionados, no caso da infraestrutura, na concentração em um superministério de todas as infraestruturas de transportes.
Esse excesso de experimentalismo levou a uma paralisia do setor, vindo após um ano a separar novamente em diversos ministérios. Portanto, não guardo grandes expectativas de sucesso destas medidas salvacionistas, pois prevejo que haverá grandes disputas políticas com o Congresso, pois os parlamentares não irão alterar a cultura do apoio político em troca de cargos no executivo.

Anuncia-se, inclusive, a privatização de quase ou todas estatais. Isso pode chegar às companhias docas? Se sim, como o senhor vê isso?
Barbosa - A privatização pela privatização não tem razoabilidade. Se há uma empresa pública é porque existem razões para a sua existência. Em minha opinião, o modelo de exploração landlord, desde 1993, ainda não foi implementado conforme os seus princípios. Não se deu a liberdade de operação, no porto organizado, aos operadores portuários, em virtude de interpretações equivocadas que para se utilizarem de áreas no porto público, os operadores portuários necessitam de licitação. Ora, se estes foram autorizados a utilizarem as instalações públicas por lei, mediante o pagamento de tarifas, porque essa interpretação impeditiva?

Estou no porto há 39 anos e, neste período, assisti ao processo de centralização com a Portobrás e da constituição das companhias docas. Em 1991 assisti à extinção da Portobrás e, em 1993, ao processo de mudança do modelo de exploração portuária, sendo este aprimorado em 2013.

Desde a primeira alteração do marco regulatório, não houve uma política portuária clara, como, por exemplo, a explicitação na política portuária das competências dos demais entes subnacionais (Estado/Município) no planejamento e gestão dos portos e, principalmente, do papel do operador portuário como uma nova atividade econômica no porto. Se a superestrutura é de competência do setor privado, não há razoabilidade dos obstáculos erigidos pelas administrações dos portos e do TCU em se exigir licitação para a instalação de equipamentos de propriedade do operador portuário no porto organizado, ante a flagrante antítese com a diretriz de se aumentar a participação do setor privado no provimento de superestrutura previsto no art. 3º, V da Lei 12815/13.

Outro aspecto que ressalto é a alta produção de normas infralegais pelos diversos organismos e entidades que atuam nos portos, gerando novamente um ambiente de alta complexidade normativa e, consequentemente, do aumento da burocracia, muito similar ao ambiente anterior à Lei 8630/93. Sobre esse aspecto, há a necessidade de harmonização e simplificação, de forma que as normas incidentes sobre os portos fossem, somente, através de portarias interministeriais, dando concretude ao previsto no art. 22 da Lei 12.815/13. Portanto, sou contrário à extinção das empresas públicas que gerenciam os portos, pois há medidas de gestão que precisam ser implementadas.

Do que o setor portuário nacional precisa?
Barbosa - Precisa de um pacto federativo onde fiquem claramente expressas as responsabilidades dos três níveis da federação. As competências da União quanto aos aspectos de autorização dos portos privados, das concessões e arrendamentos dos portos públicos, bem como dos acessos aquaviários e terrestres de responsabilidade federal. Das responsabilidades do Estado quanto aos aspectos de acessos rodoviário e, principalmente, da responsabilidade do Município quanto à gestão do território no entorno do porto através do Plano Diretor Municipal. Como não há essa pactuação interfederativa na gestão dos portos, haverá sempre essa discussão de federalização/estadualização/municipalização. Desta forma, há o instituto dos consórcios públicos que poderia ser uma solução definitiva para a gestão dos portos, embora essa solução prescinda de uma boa pactuação e engenharia política para sua construção.

Qual o impacto que a privatização pode causar na gestão da força de trabalho dos portos?
Barbosa - Terá um forte impacto negativo, em virtude de um cenário político e de reformas trabalhistas que fragilizaram os sindicatos e, consequentemente, o processo de negociação coletiva. Para um novo governo que criminalizou os movimentos sociais em seus discursos na eleição, os trabalhadores preveem um cenário de negociação muito mais árido do que à época do Governo Collor, quando tinham uma melhor interlocução com o Congresso.

Os portos na mão exclusiva do mercado que implicações terão na composição do custo dos produtos ao consumidor?
Barbosa - Os custos portuários serão maiores, pois na composição do custo portuário estará embutido o lucro da empresa que explora o serviço. Além deste componente, haverá o custo de amortização dos investimentos em melhoria dos acessos aquaviários e terrestres, hoje cobertos pelos recursos orçamentários. Aqueles portos que necessitam de dragagem permanente, como por exemplo, os situados em foz de rios serão seriamente afetados, já que os custos com a dragagem são muito altos.

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