Nesta segunda e última parte da entrevista concedida ao Portogente, Rafael Freitag fala sobre turismo ecológico, humano e não predador. Para ele, o turismo ecológico é a grande saída. "Por isso vejo como uma política de Estado que incentive o turismo nacional, as pessoas a viajar dentro do Brasil, isso é uma estratégia fundamental. Tem um autor mexicano chamado Sérgio Molina, autor do livro “Turismo Integral”, que faz uma crítica em relação a Cancún, como o México virou quase o bordel, quase a área de férias dos americanos."
As pessoas podem conhecer lugares e culturas de forma consciente e sustentável. Foto: Arquivo pessoal.
Leia a primeira parte da entrevista
* Entrevista - Desgoverno prejudica o turismo, diz especialista
Qual sua posição sobre turismo ecológico, humano, não predador e outras alternativas?
Freitag - Para ser turismo ecológico ele precisa de três coisas: o mínimo impacto ao meio ambiente, o envolvimento da comunidade local e ganhos de conhecimento para o turista. Então caminhar no meio do mato ou fazer uma trilha não é turismo ecológico. Pode ser de aventura, de contemplação ou de lazer. Agora, quando a pessoa tem um guia que vai explicando o que tem na trilha, vai numa propriedade e toma um café, tem cuidados para não colocar 300 pessoas num lugar onde cabem 20. Esses três fatores juntos são a possibilidade que nós temos de desenvolver muito o turismo brasileiro. Mas não há foco nisso. O que o pessoal quer é encher o ônibus e fazer o “turismo de pescoço”: à sua esquerda tá isso, à sua direita está aquilo, as pessoas só olhando de um lado para o outro, só com contato mínimo com as pessoas, meio standart, pasteurizado, teatralizado, sem a base da cultura local. Então para isso a gente fala que é preciso respeitar os tempos da natureza e das comunidades. Exemplo, o turismo rural na agricultura familiar ou o agroturismo que acontecem nas propriedades da agricultura familiar, o turista é que adapta-se à realidade do horário que se tira leite das vacas para ver como é. A gente tem que pensar em outras formas de turismo que mude de pensar só o que o turista quer, mas que considere o que a comunidade e a natureza proporciona e permite. Nós temos 370 Unidades de Conservação (UCs) no Brasil, 71 parques nacionais que são subutilizados. O que se investe de recursos públicos no ICMbio é ínfimo pela potencialidade que esses parques oferecem, por que tem se mudado a visão conservacionista que ninguém poderia entrar nos parques. O que se vê é que não dá para pensar assim, se as pessoas não forem nas UCs e a comunidade local não se inserir nas práticas que ali acontecem, vendendo seu artesanato, produtos da agricultura familiar, sendo guias.
Se eles não verem um ganho eles não vão cuidar, vão continuar depredando, caçando. O que existe de caça nas UCs, vou dizer, no Sul do Brasil, mais que eu conheço e tenho certeza e Joinville, região do Aparados da Serra, a caça rola solta. E o cara caça para quê? Por que quer comer um tatu, paca, anta, passarinho. É uma vergonha que sofremos ainda com a caça dentro das UCs. Quanto mais gente tem, mais olhos e ouvidos dentro da unidade, mais denúncias. Não dá mais para pensar no “mito da natureza intocada”, mas escolas precisam visitar, grupos de terceira idade, se abrirem à parceria público privada dentro dos espaços, com a inserção das comunidades locais montarem uma cooperativa ou coletivo de trabalho e se apoderarem daquele espaço, criar uma lanchonete, servir uma alimentação. O que se está trabalhando agora é Parceria Público Privada (PPP) que eu tenho um certo receio, por que eles estão fazendo blocos. Por exemplo, vai abrir três UCs, para uma empresa pegar e fazer gestão, os moradores locais estarão de foram, e será tratado como negócio. Por um lado é promissora a abertura das UCs e melhor utilização, mas por outro não vejo as comunidades locais se beneficiando. É um grande xeque que a gente está: ou se deixa parado ou se incentiva? O turismo ecológico é a grande saída. Um exemplo do que acontece é o incentivo feito para as pessoas visitarem e usufruírem dos parques nos americanos e Europa. Isso para pensar não só no turismo econômico, mas também humanos e solidário.
É possível criar um turismo mais barato, mais popular que incluísse a parcela de mais 50% da população que não tem acesso?
O Sesc (Serviço Social do Comércio) é o grande incentivador do turismo social brasileiro. Existiram alguns programas do Ministério do Turismo, como o “Mais Turismo”, a “Terceira Idade”, financiamento para o turismo dentro do país, diminuição de impostos, redução de custos dos transportes. Mas como o turismo não é encarado como necessidade das pessoas é considerado um supérfluo e então não recebe incentivo. O que se pensa é que é um “fundo perdido”. E aprendi com a ex-deputada Luci Choinacki que é uma mestra da política pública brasileira, que não existe fundo perdido e sim, investimento social e nas pessoas para que possam sair do que vivem hoje e ter um outro patamar, esse dinheiro não foi perdido. O que penso é que quanto mais longe estamos da nossa realidade, mais perto a gente tá da gente. Quando viajo ainda que perto da minha casa não faz muita diferença, para se eu for para o agreste baiano vou estar analisando minha forma de ver o encarar o mundo, minhas práticas e isso me faz pensar “será que estou certo no que estou fazendo?”.
Por isso vejo como uma política de Estado que incentive o turismo nacional, as pessoas a viajar dentro do Brasil, isso é uma estratégia fundamental. Tem um autor mexicano chamado Sérgio Molina, autor do livro “Turismo Integral”, que faz uma crítica em relação a Cancún, como o México virou quase o bordel, quase a área de férias dos americanos. O poder público no México não incentiva o turismo interno, prioriza que os americanos venham ao país, por que vai trazer divisas, uma importação de recursos. Então para os países é importante economicamente o turismo internacional. Mas o Molina vê nisso a continuidade de uma relação opressor/oprimido. Vou fazer o melhor que tenho, minha hospedagem, minha comida, minha atração cultural, para o opressor. Eu não penso no oprimido que está do meu lado, em fazer isso para meu irmão, mas pensando na relação sempre de fora. É importante trazer essas divisas de fora, mas também é importante pensar no turismo nacional, com linhas de financiamento, incentivos fiscais para a criação de hotéis, hostel que sejam mais em conta, ter clubes para que as pessoas que possam pagar um valor por mês, como funcionava o Candeias. Formas são inúmeras, mas precisamos mudar a concepção principal: turismo não é só atividade, é fenômeno social, e isso nos torna melhor. Uma missão minha nesse mundo é transformar as pessoas para melhor e eu me transformar todo dia através do turismo, através de rever meus valores, o que sou, através de uma viagem, pois quando saio vejo o que preciso melhorar.
Mas será que é do interesse dos governantes fazer com que as pessoas pensem, com que reflitam e tenham uma visão crítica da situação que estão vivendo hoje? Sinceramente, eu acredito que não, e por isso que se incentiva apenas o turismo internacional. A Embratur (Empresa Brasileira de Turismo) quer fazer uma agência, se modernizar para conseguir recurso privado, mas ela só divulga o Brasil fora, e não dentro do Brasil. Será que não seria preciso repensar a Embratur, divulgar o Brasil para si mesmo, incentivar, diminuir os valores da aviação regional, pois hoje é quase inviável voos para o interior dos estados, poucas companhias aéreas. Era mais barato viajar de avião do que de carro e trem. Outra coisa, o plano de turismo é feito por “sabidos do turismo”, que ficam numa sala com ar-condicionado em Brasília dizendo o que tem que ser feito para o Brasil e não ouvem nas bases.
O Plano Nacional de Turismo, que acompanho todos desde 2003, a base de tudo o que temos no turismo. E na forma de planejar o turismo, uma que é pouco usada é o Fórum de Turismo. Existe o Conselho Municipal de Turismo, o Conselho Estadual e o Conselho Nacional que levantam as demandas. Existe a possibilidade dos municípios criarem o Fórum para debaterem que tipo de turismo querem, em diálogo com a comunidade. Mas em geral não se quer muito debate, e sim formas para as empresas entrarem cada vez mais forte no turismo e se tirar a comunidade, que se quer apenas para a parte operacional: cortar bem uma grama, pintar bem o quarto, falar três línguas, que trabalhe 6 dias por semana e folgue um domingo por mês e ganhe um salário mínimo. O que se quer é a precarização do trabalho. Esse pensamento mesquinho e pequeno é que precisamos mudar no Brasil, agora como mudar são várias possibilidades e vejo na união dos trabalhadores, como a base.